Freqüentemente nos queixamos, com muita razão, da precariedade e da burocracia dos serviços públicos. São na maioria das vezes ineficazes, pachorrentos e nos tratam como se estivéssemos atrapalhando a existência dos funcionários, como se fôssemos um incômodo para o bem-estar deles, que, a rigor, são mantidos por nós, por intermédio dos impostos e taxas que pagamos.
Mas, um dia desses, tendo saído logo pela manhã, a fim de resolver pendengas burocráticas, tive de ir a um desses serviços públicos. Já cheguei armado e fazendo cara de quem deixa bem claro que estar ali não era nada bom. Como sempre, fila, mas não demorei a ser entendido. Não tive nem tempo de começar a pensar na vida e no que devo fazer para que tudo seja diferente. Eu já estava com a senha de atendimento em mãos; em menos de dois minutos eu seria chamado.
Quem me atendeu foi um senhor. Já calejado e ciente de que a burocracia impede o bom senso na maioria das vezes, após corresponder ao “bom dia” do funcionário, fui logo adiantando que talvez eu não estivesse no lugar certo para resolver o problema com as faturas. Mas o atendente, após me perguntar de que conta se tratava, foi logo dizendo que eu estava no lugar certo.
Revendo-o agora, creio que deve ter uns cinqüenta anos. O sorriso com que me recebeu era cordial mas não era exagerado. Por isso mesmo, convenceu. Entreguei-lhe os comprovantes de pagamento de contas que estavam atrasadas e ele começou a digitar. Digitava e olhava para a tela, digitava e olhava para a tela. Eu tentava ler em seu rosto algum problema, alguma irregularidade com os comprovantes. Mas ele continuava digitando. Num dado momento, perguntou-me alguma informação técnica sobre minha mãe, pois os documentos estavam no nome dela. Como eu havia pedido a ele segunda via de um documento, ele me disse que tal segunda via não seria necessária, pois a conta já havia sido paga. E mais: acrescentou que uma outra conta, paga momentos antes, também há havia sido quitada. Por fim, esclareceu que eu não precisava me preocupar, pois o dinheiro seria restituído por intermédio de créditos (acho que foi essa a palavra que ele usou).
Enquanto o senhor digitava, reparei que, sobre o balcão, havia um mecanismo vertical, de uns quinze centímetros, que parecia proporcionar ao cliente a possibilidade de opinar sobre o atendimento que tivera. Havia quatro ou cinco botões, um de cada cor. Sob cada botão, havia uma palavra. Elas iam de uma gradação que começa com (salvo engano) “excelente” e vai até (salvo engano) “péssimo”. Deduzi que o dispositivo estava ali para que pudéssemos de fato avaliar o modo como havíamos sido tratados, como havia sido o serviço etc. Por dois ou três instantes, senti-me tentado a apertar o botão “excelente”, mas não o fiz por temer que talvez essa não fosse a utilidade do mecanismo. Também por dois ou três instantes, pensei em perguntar a serventia da maquininha, o que não fiz.
No término do atendimento, o funcionário virou o monitor do computador para mim e me mostrou a prova de que duas das contas já haviam sido pagas. Trocamos algumas palavras e fui embora. No caminho de volta para casa, fiquei remoendo meu vacilo, meu pestanejar: eu deveria ter perguntado a utilidade do equipamento. Caso servisse para o que eu tinha pensado que servia, eu poderia ter opinado sobre o atendimento que recebi. Nem tanto pela repartição, mas pelo tato daquele funcionário. Voltei para casa com a sensação de que eu perdera a oportunidade de exercer algo de bom em mim.