sábado, 3 de fevereiro de 2018

Uivo

Noites de Lua cheia 
são para lobos.
Se quiserem, 
que os cordeirinhos 
façam suas preces.
De qualquer modo, 
morrerão. 

Vindo

São enganados ou querem enganar

Tendo lido A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado, do Jessé Souza, publicado pela editora Leya, não vacilo em inseri-lo na galeria de nomes como o de um Darcy Ribeiro, autor do imprescindível e brilhante O povo brasileiro. Ribeiro foi importante para a época e ainda é importante para se entender o Brasil. Souza é importante e seguirá sendo pela mesma razão.

Também do Jessé Souza, falta eu ler A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite e A elite do atraso: da escravidão à lava jato, que tenho aqui perto de mim enquanto digito este texto. Embora A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado não tenha a palavra “elite” no título, a obra é dedicada a esmiuçar os mecanismos pelos quais uma meia dúzia de endinheirados (que Jessé Souza considera ser a verdadeira elite do dinheiro) conseguiu incutir na tradicional classe média, que se julga mais refinada do que realmente é e mais inteligente do que do que de fato é, a bandeira da luta contra a corrupção, quando, de fato, no entender de Jessé Souza, o único interesse das aves de rapina da elite endinheirada foi o de sempre: saquear o país mais uma vez.

O texto de Jessé Souza é claro, direto, elegante. Ele não usa eufemismos, mas não está preocupado com polêmicas bobas nem com soar bombástico. Dizendo o que tem de ser dito de modo simples, Souza questiona bases do pensamento político e econômico brasileiro como, por exemplo, a edificada por Sérgio Buarque de Hollanda. Nem preciso dizer que Jessé Souza não cai na armadilha boba de querer soar iconoclasta em relação aos que critica.

Jessé Souza escreve: (...) “Os setores da classe média, que se julgam bem-informados por consumirem sua dose diária de veneno midiático, e se deixam manipular pelos endinheirados e seus interesses, não são tão inteligentes e racionais como se acreditam” [1]. Não sendo tão inteligentes quanto pensam que são, vestiram camisetas da CBF, bateram panelas e foram a passeatas, supostamente se manifestando contra a corrupção, quando, na visão de Jessé Souza, com a qual concordo, estavam apenas a serviço da mídia, que, por sua vez, está a serviço da elite do dinheiro, que, por sua vez, está apenas interessada em um modo de, mais uma vez, lesar o país; dessa vez, é com a roupagem do discurso anticorrupção.

Na visão de Jessé Souza, a classe média brasileira comprou fácil esse discurso por motivos conscientes e inconscientes. Dentre os motivos que podem ser rastreados, Souza menciona nosso vergonhoso passado de escravidão, que não é tão infame assim para setores dos endinheirados e da classe média. Além do mais, manipulada pela mídia, que é regida pela elite do dinheiro, “uma fração significativa da classe média interpretou o incômodo da maior proximidade física das classes populares em espaços sociais de consumo antes exclusivos da classe média como o primeiro passo de um processo que podia significar uma ameaça aos privilégios reais de salário e prestígio. Esse aspecto é irracional, já que a qualidade da incorporação do capital cultural típico da classe média é outro” [2].

Numa obra desse teor, natural que Jessé Souza critique a tão elogiada meritocracia. Valendo-se de argumentos sociológicos, o autor ataca a falácia de que a classe média se dá bem em termos financeiros porque é inteligente e trabalhadora, e que o pobre não consegue patamar de vida melhor porque é burro e preguiçoso.

Contundente e acessível, Jessé Souza vai juntando as peças do Brasil atual e compõe um painel lúcido, diante do qual é impossível ficar indiferente. Tenho dito que o Brasil está pagando caro (e vai pagar mais caro ainda) por um antiesquerdismo ora doentio ora interesseiro. Livros como o de Jessé Souza advogam não a favor de um partido, mas do povo brasileiro. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado escancara como a elite do dinheiro está mais uma vez, de modo canalha, minando o país para ter lucro agora. No jogo atual, estão dando a ideia de que tudo é em nome da moralidade, das pessoas de bem, da luta contra a corrupção.

É um livro que, se por um lado, deixa o leitor com nojo das artimanhas dos endinheirados, por outro, envia um sinal de esperança. Quem nunca engoliu o discurso de que tudo o que tem sido feito é para combater a corrupção não está sozinho. E quando um Reinaldo Azevedo aponta as incongruências jurídicas da galera do TRF4, isso torna a leitura de um Jessé Souza uma necessidade e uma inspiração. Que ele e a editora Leya prossigam com o trabalho que têm feito.
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[1] Souza, Jessé. A radiografia do golpe: entenda como e por que você foi enganado. Rio de Janeiro. Leya. 2016. Pág. 84
[2] Idem. Pág. 85.