terça-feira, 7 de junho de 2016

Apontamento 335

Nunca em minha vida escrevi um texto longo, de maior fôlego. Mesmo assim, escrever é difícil. Claro que sei que um longo texto não é escrito de uma vez; a gente se serve do bolo quando ele já está pronto, mas, na escrita, as fatias são feitas com disciplina, aos poucos. De qualquer modo, nunca consegui servir um bolo grande. Texto grande ou texto pequeno, escrever é difícil.

Esboço, leio, releio, faço, refaço, corrijo, faço de novo, penso, repenso. A busca é a da excelência. Busca utópica, como muitas das buscas, mas que vale a pena, como algumas das buscas. Há casos em que o texto já vem pronto ou quase; também nessas ocasiões, escrever é difícil.

Nunca é fácil, mesmo quando simples, mesmo quando a temática não demanda análise acurada. Escrever é difícil, não importa o gênero, a ocasião, o astral em que estou. Mesmo quando tudo é favorável, é difícil. Para mim, é muito difícil.
Escrever é meu auge. Por isso, insisto. Pináculo truncado, cheio de regras bobas inventadas por mim e de limitações inevitáveis; existe a sensação de que nunca está como eu quero — paciência. Meu auge é assim, é com palavras, apesar de sempre me sentir aquém de algo que nem precisar ao certo o que é; tenho consciência do absurdo disso.

Batuco no teclado, tento organizar o pensamento num rigor mais idealizado do que atingido. O que fica pronto é o melhor que posso fazer de mim; isso é razão para que, mal acabado um, eu já comece a pensar no próximo, que será feito com dificuldade. 

Apontamento 334

Há um bem e uma calma advindos da convivência com a natureza. Aves cortam o silêncio de tempos em tempos, um teiú atravessa empoeirada estrada do cerrado, cobras se esgueiram mato afora, um gavião estraçalha a presa; mais tarde, uma revoada de garças aterrissa perto de uma lagoa. Uma vez deixada a civilização, a princípio, repara-se no ambiente. Depois, com o hábito, tem-se uma atenção diferente daquela inicial. Quando isso ocorre, já se está num estágio em que não há a mais a separação ou a distinção entre nós e natureza “lá fora”. Há uma serenidade que é consequência de quando nos apercebemos de que somos, antes de tudo, mais um bicho da natureza.

Vide o verso

Toda vez em que
não te digo o que
meu coração quer
que eu te diga,
crio em mim
pequenas mortes.
Este versos provam
que não quero
mais me matar.