De acordo com a biologia, seria preciso que alguma molécula se replicasse para que a vida, com seu processo evolucionário, tivesse início. A água é a catalisadora dessa replicação. Em outras palavras: sem a água, não haveria a vida tal qual a concebemos. Esse consenso existe nas diversas teorias biológicas que dizem respeito à origem da vida.
Ela, a água, permeia “A árvore da vida” (The tree of life), produção de 2011 dirigida por Terrence Malick. Tem-se água no começo, no meio e no fim da película. Numa paráfrase, o filme poderia ser assim resumido: Pois tu és água e à água tornarás.
O filme não retrata apenas a trajetória de uma família americana de meados do século XX. Ao mesmo tempo em que a saga familiar vai se desdobrando, acompanhamos, paralelamente, o desdobramento do Universo. Sim: paralelamente. É como se houvesse uma espécie de documentário que ocorre em paralelo à história da família, cujo pai tirânico e intransigente é interpretado por Brad Pitt.
O senhor O’Brien, interpretado por Pitt, esmaga, com sua autoridade, a vida dos filhos, que buscam conforto na doçura da mãe, a senhora O’Brien, interpretada por Jessica Chastain. A convivência em família tem uma atmosfera falsamente branda. À medida que o filme vai avançando a gente vai descobrindo a tensão a que os filhos dos O’Brien são submetidos por causa da rigidez contraprodutiva do pai.
Quase não há diálogos. As vozes sussurradas que escutamos deixam escapar dúvidas, revoltas, súplicas, orações, desejos reprimidos: são solilóquios. Há uma cena em que um dos filhos de O’Brien observa o pai, que está debaixo de um carro, consertando alguma falha mecânica. O carro está apoiado sobre o macaco. Jack, um dos filhos, roga a Deus para que o pai seja morto.
O espectador pode até se envolver com a tensão reinante na família O’Brien. Mas o contar da história do Universo que, repito, ocorre ao mesmo tempo em que ocorre o drama dos O’Brien, é o outro lado da moeda no enredo. Os medos, incongruências e fraquezas da família não a impede de ser integrante da úmida trama que engendrara a vida e todas as suas manifestações.
Um "close" ali e outro aqui sugerem que essas manifestações podem estar numa família à beira da derrocada, numa borboleta ou num filete de capim que roçamos enquanto caminhamos. A água envolve a vida, seja ela uma árvore que lança seus galhos em direção ao céu ou um dinossauro diante de fragilizada presa (ainda que no filme o dinossauro apresente traços muito... compassivos).
Não espere da película uma ordem cronológica ou algo como o passado, o presente e o futuro. Há o agora, o “tudo ao mesmo tempo agora”. O mesmíssimo chão que pisamos pode ter sido percorrido há milênios por outra criatura. No cinema, basta um simples corte para que se sugira um breve lapso de tempo entre a pegada de um dinossauro e nossas pegadas.
Ademais, para a natureza, o que são milhares de anos?... Mil anos são um longo tempo numa escala humana. Na escala da natureza ou do Universo, são, se tanto, alguns milésimos...
Do organismo mais primitivo à forma de vida mais complexa, somos todos feitos de uma só coisa, compartilhamos da mesma origem e iremos por fim partilhar de um mesmo redentor e aquoso destino. Já escrevera o Melville: “A meditação e a água estão ligadas para sempre”.
Foi um trabalho que não me arrebatou – seduziu a razão, mas não a emoção. O apelo foi mais racional do que emotivo. Não que haja frieza em “A árvore da vida” – houve em mim. É como se o “documentário” sobre o Universo tivesse me seduzido mais do que o drama dos personagens, ainda que o filme tenha mostrado que esse Universo está também em nós – e nós, nele.