domingo, 16 de novembro de 2008

"O OBSERVADOR NO ESCRITÓRIO"

Terminei de reler “O observador no escritório”, livro de notas e apontamentos de Carlos Drummond de Andrade.

As notas são datadas. Vão de 15 de maio de 1943 a 18 de setembro de 1977. Nelas, emerge o funcionário público às voltas com seu trabalho burocrático, duvidoso quanto a seu papel político: “Sou um animal político ou apenas gostaria de ser? (...) Como posso convencer a outros, se não me convenço a mim mesmo? Se a inexorabilidade, a malícia, a crueza, o oportunismo da ação política me desagradam, eu, no fundo, quero ser um intelectual político sem experimentar as impurezas da ação política?”.

Aqui e ali, alude o poeta a fatos corriqueiros, desde o comportamento de um gato, louco para saciar seu apetite sexual, a conversas com os grandes intelectuais e artistas do Rio de Janeiro de então. Há momentos engraçados, reflexivos, tristes... Amigos, impressões, arranjos de bastidores para disputa de vaga na Academia Brasileira de Letras, morte de amigos...

O registro de um tempo pelo olhar do poeta. Em meio às notas, o que emergiu para mim (talvez injustamente) foi um Drummond um tanto misantropo. Ele própria cita, sem comentar, opinião de Lúcio Cardoso, numa entrevista:

“– Qual o maior poema que leu em sua vida?
“– “’Os bens e o sangue’”, desse raro exemplar de falta de calor humano que se chama Carlos Drummond de Andrade”.

Num outro trecho, Drummond diz que um verso de Mário de Sá-Carneiro parece definir o poeta de Itabira: “Fartam-me até as coisas que não tive”.