quarta-feira, 15 de maio de 2013

(DES)APONTAMENTO 3

O medonho pensamento a seguir me ocorreu há pouco, enquanto eu tomava leite: se o Mário Henrique, o “Caixa” da Itatiaia, trabalhasse em FM, em vez de falar “caixa!”, ele falaria “Ke$ha!”.

(Isso foi atroz. Será que leite causa essas coisas na gente?)

FAZER BEM

Um dia desses escutei uma entrevista que Paul McCartney concedeu, via telefone, para uma rádio de Belo Horizonte. O início do diálogo foi mais ou menos assim:

— Hello, Paul; how are you?
— Hi, I’m terrific.
— I’m terrific too, specially talking to you.

A conversa prosseguiu; Paul falou sobre a turnê que está realizando e sobre sua carreira. De cara, o que me chamou a atenção foi o impecável inglês do locutor.

Essa história é pretexto para que eu fale do privilégio que é presenciar algo benfeito. Assim que o locutor emitiu as primeiras palavras, logo me ocorreu o longo caminho percorrido por ele para que ele chegasse a tamanha excelência ao lidar com uma língua estrangeira, tenha o profissional morado no exterior, estudado no Brasil ou as duas coisas.

Fazer bem demanda esforço, leva tempo, dá trabalho. O regozijo de valorizar detalhes é compensador porque, assim, temos a experiência de saber valorizar e reconhecer a excelência alheia: ter a oportunidade de apreciar a maestria do outro engrandece a alma; estar diante de seu talento enobrece; presenciá-lo, escutá-lo ou decodificá-lo edifica. Quando o talento alheio incomoda, isso pode ser indício de ressentimento ou de inveja. 

A importância dada aos detalhes pode ser encarada como preciosismo por muitos. Esses desavisados às vezes se expressam com mais vigor do que aqueles que percebem as mais de dez mil sutilezas que compõem um trabalho refinado. Mas isso não significa que não haja gente escutando; não quer dizer que não haja gente prestando atenção; não significa que você não tenha, sem saber, feito alguém ascender.

De resto, ainda que você nunca tenha recebido notícia de que seu trabalho tenha feito alguém melhor, isso não é motivo para que você deixe de fazer o que faz; não é razão para que você abandone a busca pelo esmero. Primeiro, porque você pode, por diversas vezes, ter deixado de manifestar o quanto o trabalho de alguém enlevou você; segundo, porque não há como sabermos de que modo nem quando nosso trabalho chega ao outro. Esse outro pode estar a seu lado ou distante, seja no tempo, seja no espaço.

Não há como sabermos nem quando nem como nosso trabalho vai reverberar no outro. Tanto é assim que o locutor lá de Belo Horizonte nem suspeita de que o inglês dele foi uma das inspirações para que eu escrevesse este texto. O que importa é a busca pela excelência, não a preocupação com as consequências disso. Se por um lado o reconhecimento é sempre bom, por outro, não deve ser o motivo condutor das realizações.