quinta-feira, 26 de setembro de 2013

COSMOPOLITISMO

Em essência, o cosmopolitismo não está ligado a viagens. Elas podem ser um dos ingredientes dele, mas não o definem. Há quem nunca tenha sequer saído de sua cidade, e é mais cosmopolita do que muita gente que esteve no mundo inteiro. Há pessoas que percorreram o mundo todo, mas o mundo não as percorreu. Uma ida à esquina mais próxima pode ser mais rica do que uma longa viagem; depende de quem vai.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

HISTÓRIA DE UM IPÊ














Nos minutos em que estive fotografando o ipê deste álbum, algumas pessoas fizeram o mesmo, ainda que de dentro de seus carros, enquanto esperavam pelo semáforo ficar verde. A árvore é a grande atração da Avenida Paracatu.

Enquanto eu fotografava, a Roberta Rosa Rocha, que foi minha aluna, gritou, em tom de brincadeira, lá da Venda do Zé Rocha, que fica praticamente em frente ao ipê, que eu teria de pagar para fotografar a atração. Pedi à Roberta que se aproximasse. Foi quando ela me disse que o ipê havia sido plantado pela mãe dela.

Imediatamente eu soube que haveria uma história para ser contada, não somente por intermédio de imagens, mas também de palavras. Perguntando à Roberta se a mãe dela estava em casa, recebi resposta afirmativa. Terminei de fazer as fotos e fui para Venda do Zé Rocha.

No bar, além de eu ser gentilmente recebido pela Elenice, a mãe da Roberta, também estava por lá o José Roberto da Rocha, pai da Roberta e marido de Elenice; ele foi meu professor durante um semestre no curso de Letras, substituindo o professor Salvador Rodrigues. Elenice e José Roberto são os donos do conhecido bar na Paracatu.

Na breve entrevista que realizei com Elenice Rosa de Santana, ela me disse que plantou o ipê em 1989, no dia cinco de junho; nessa data, comemora-se o dia do meio ambiente. Eu me esqueci de perguntar para ela se isso foi uma coincidência ou se ela escolhera exatamente essa data para plantar a árvore.

Segundo Elenice, a muda do ipê foi dada a ela por José Antônio Dias, que é engenheiro florestal. Quando o profissional disse para Elenice que levaria para ela uma muda de ipê rosa, ela não acreditou haver ipê dessa cor. José Antônio levou a muda, furou o buraco e os dois plantaram a árvore. A tarefa de aguá-la ficava por conta de Elenice. 

(DES)APONTAMENTO 4

Numa boa: se as coisas continuarem assim, daqui a pouco alguém vai reclamar por ter se deparado com Coca-Cola dentro da garrafa de Coca-Cola. 

FALTA DE GRAÇA

Há diferentes tipos de humor. O humor de TV Pirata é diferente do humor de Zorra Total. Nesse caso, poder-se-ia argumentar que são tipos de humor diferentes por pertencerem a épocas diferentes, o que não deixa de ser verdade, pois, é natural, épocas diferentes vão gerar diferentes tipos de humor.

Contudo, a mesma época pode abarcar diferentes tipos de humor. Rafinha Bastos e Luis Fernando Verissimo ilustram isso. No que não acho a menor graça, é num humor que se vale da ridicularização do outro na tentativa de ser engraçado. Se por um lado tenho asco do politicamente correto, por outro, não vejo a menor graça em palhaços que precisam achincalhar o próximo na tentativa de serem engraçados. 

Ainda bem que há facilmente à disposição outros tipos de humor: os textos e cartuns da Piauí podem ser comprados em banca ou conferidos na internet; o mesmo vale para os textos e tirinhas do Verissimo; filmes do Woody Allen ou livros do Machado de Assis estão por aí; charges do Manoel Almeida estão no Patos Hoje; o legado do Millôr é divulgado aqui no Facebook. O humor pode ser ácido, crítico e sagaz, sem contudo diminuir quem não deu motivo para zombaria. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O MÉDICO QUE RI

Amigo me confidencia que determinado médico, numa festa, comentou — rindo — sobre a doença de um paciente. Alguns médicos não entendem que já precisam, em essência, serem médicos antes de porem o pé numa faculdade. 

Aqui mesmo, em Patos de Minas, recentemente, tivemos exemplo de não médicos, durante evento esportivo realizado na cidade. Aqueles que deveriam zelar pela vida estavam justamente aprontando contra ela, numa balbúrdia imatura e desrespeitosa: antes de serem médicos, nem se preocuparam sequer em se tornarem cidadãos.

Ainda bem que há estudantes e médicos que entendem a essência da beleza que é a medicina. Mas diante do que me disse o amigo, eu me pergunto: o que leva um médico a achar graça da doença de um paciente?... 

Será que seria diferente se ele tivesse lido Oliver Sacks, para que tivesse pelo menos uma noção do que é se importar com um paciente?... Será que ele é assim por ter sido obrigado a abraçar uma profissão que não queria?... Será que nunca lhe passou pela cabeça que amanhã o paciente é ele?... Será que ele acha que está na profissão certa?...

Se bem que é difícil imaginar um indivíduo desses em qualquer profissão. Vá lá, há profissionais que não têm o menor traquejo social, mas daí a achar graça na dor alheia a distância é longa. Senso de humor é uma coisa; falta do menor senso de ética e de humanidade é outra. 

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

FOTOGRAFIA E NARCISISMO

Ismael, um grande amigo, entrou em contato comigo via e-mail. Escreveu o Ismael: “Com a disseminação das máquinas digitais nos últimos anos muitos rituais bizarros surgiram, tudo precisa ser fotografado”. No fim de sua mensagem, o amigo propôs: “Gostaria que você opinasse sobre como essa compulsão pelo registro tem afetado a fotografia artística”.

Obrigado a você, Ismael, por me pedir que eu opinasse sobre essa questão. Gosto muito de pensar sobre o ato fotográfico, bem como de escrever sobre ele. Tomo a liberdade de tornar pública minha resposta para seu questionamento.

A compulsão pelo registro a que o Ismael se refere está ligada ao que alguns chamam de a banalização da fotografia. No tempo em que se fotografava com filme, este abarcava, por exemplo, trinta e seis fotos. Perder um negativo, que significava perder uma foto, era motivo de lamento. Mesmo quem não era fotógrafo, teoricamente tomava um certo cuidado antes de tirar qualquer foto. Na maioria dos casos, por questões mais financeiras do que supostamente artísticas.

O advento da fotografia digital eliminou esse cuidado. Tenha a pessoa gostado ou não do que aparece no visor, ela vai clicando, clicando... O não fotógrafo não pensa sobre o resultado do clique; não há nele a noção de que a imagem fotográfica começa antes que o dedo pressione o obturador. Ele fotografa de modo indiscriminado. 

Por causa da tecnologia digital, hoje se fotografa muito mais. Uma charge veiculada na internet há algum tempo mostra alguém se afogando, debatendo-se na água e gritando por socorro. À beira do rio, algumas pessoas, todas elas ocupadas em... registrar o momento com seus celulares. A charge ilustra o que o Ismael chamou de “rituais bizarros”, em que tudo é fotografado.

Esse aumento na quantidade de fotos que são tiradas não implica necessariamente melhoria na qualidade das imagens. A maioria das pessoas que fotografam seu cotidiano, ansiosas para postarem sua intimidade no Facebook, não se preocupa com a qualidade do registro fotográfico. Nesses casos, o que vale não é a fotografia em si mesma, mas a exposição de si mesmo.

Embora haja toda uma questão antropológica, sociológica, filosófica e psíquica a ser analisada nesse excesso de exposição da intimidade, não é disso de que trata este texto. A questão aqui é sobre um suposto impacto desse excesso de cliques na fotografia que se quer artística.

O fato de mais e mais pessoas estarem fotografando tem o lado bom: isso pode fazer com que, em tese, mais pessoas queiram aprender sobre fotografia. O sujeito pode comprar uma câmera compacta qualquer e começar a atirar para todo lado. Num belo dia, num disparo, descobre-se querendo aprender, querendo se tornar fotógrafo.

Entretanto, não é o que a maioria quer. O interesse maior é, reitero, divulgar-se. Mas esse excesso de imagens que assola o mundo não significa a derrocada do ato de fotografar, não importa se a fotografia esteja sendo considerada arte ou não esteja.

Não sei dizer se a fotografia é arte. Ela pode ser bela, é verdade, mas não sei se isso faz dela um trabalho de arte. Mesmo assim, digo: aquele que em essência é um fotógrafo sempre vai ter a preocupação de fazer a melhor foto do mundo. Para quem tem em si o germe da fotografia, nenhuma foto é um mero clique, não importa o que esteja sendo fotografado.

Mesmo em tempos de redes sociais a detonar exibicionismos, vaidades e narcisismos, a essência da fotografia não foi banida, ainda que não tenha presença maciça, ainda que não seja nem cogitada pela maioria. Mesmo nos tempos da fotografia com filmes, isso a que chamo de a essência da fotografia estava ausente da maioria das pessoas. 

Já escrevi noutro texto: quem tem em si a essência da fotografia sabe que uma imagem gravada num dispositivo qualquer começa muito antes que um mecanismo qualquer seja acionado. O registro é a consequência de pensamentos, teorias, referências, estudos, treino, leituras... Há uma sensibilidade fotográfica, bem como uma técnica fotográfica. A fotografia digital não baniu isso.

Se você considera a fotografia como sendo arte, digo: há artistas na fotografia. Insisto na ideia de que, em essência, o ato de fotografar não mudou, mesmo hoje isso sendo feito com equipamento digital. As técnicas da fotografia continuam valendo para hoje, ainda que vivamos em tempos de equipamentos digitais e de Photoshop.

Retoques e tratamentos em imagens não surgiram com o advento do digital, mas quem tem em si o germe da fotografia sabe (e sempre soube) que a excelência de uma fotografia é a consequência ou o ponto alto de tudo o que a pessoa é. Ainda que num autorretrato, o fotógrafo que tem em si a essência da fotografia leva em mente o desejo de fazer um registro que contenha excelência (ideia sobre a qual também já escrevi).

Há algum tempo, assisti a uma matéria em que a Annie Leibovitz elogiava a qualidade das imagens produzidas a partir de um celular. A fim de ilustrar a opinião dela, Leibovitz tirou com um desses celulares uma foto do entrevistador. Na edição que fizeram, a foto dele foi mostrada durante a conversa dos dois. A composição da imagem, como era de se esperar, foi primorosa. Ou seja: mesmo fotografando com um celular, ela teve o capricho e a competência de compor o quadro. 

Se por um lado a tecnologia das redes sociais e a praticidade da fotografia digital trivializaram os cliques, por outro lado isso não baniu a possibilidade de se criar a beleza por intermédio da fotografia. O que o Ismael chama de “fotografia artística” permanece, lidando com ideais diferentes de desejos estritamente narcísicos. 

domingo, 15 de setembro de 2013

APONTAMENTO 183

O proselitismo pode ser inconveniente, desrespeitoso, inapropriado, invasivo, interesseiro, ingênuo... Ele pode afugentar em vez de seduzir. A graça pode estar no não proselitismo. 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

terça-feira, 10 de setembro de 2013

DE MERCEDES


Sempre digo que o humor salva quase tudo, e o que o humor não salva salvação não tem. Ironia, irreverência, sarcasmo e zombaria derivam do senso de humor, mas não podem vir desacompanhados do talento, sob risco de caírem em ataques bobos. 

Três dias antes de morrer, a genial Janis Joplin gravou “Mercedes Benz”. (No álbum, lançado em 1971, não há o hífen no nome da marca de carro.) A letra da canção, de autoria dela, Michael McClure e Bob Neuwirth tem uma ironia incisiva; é de um sarcasmo descarado e ao mesmo tempo contundente.

No áudio, leio a letra. Abaixo, o texto em inglês e sua tradução.
_____

“Mercedes Benz” (Janis Joplin / Michael McClure / Bob Neuwirth)

Oh, Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz?
My friends all drive Porsches, I must make amends
Worked hard all my lifetime, no help from my friends
So, Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz?

Oh, Lord, won't you buy me a color TV?
“Dialing for Dollars” is trying to find me
I wait for delivery each day until three
So, Lord, won't you buy me a color TV?

Oh, Lord, won't you buy me a night on the town?
I'm counting on you, Lord, please don't let me down
Prove that you love me and buy the next round
Oh, Lord, won't you buy me a night on the town?

Oh, Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz?
My friends all drive Porsches, I must make amends
Worked hard all my lifetime, no help from my friends
So, Lord, won't you buy me a Mercedes-Benz?
_____

Oh, Senhor, você não vai comprar para mim um Mercedes-Benz?
Meus amigos, todos dirigem Porsches, eu devo compensar
Trabalhei duro a vida toda, sem ajuda dos meus amigos
Então, Senhor, você não vai comprar para mim um Mercedes-Benz?

Oh, Senhor, você não vai comprar para uma TV em cores?
“Dialing for Dollars” está tentando me achar
Eu espero pela entrega cada dia até as três
Então, Senhor, você não vai comprar para mim uma TV em cores?

Senhor, você não vai comprar para mim uma noite na cidade?
Eu estou contando com você, Senhor, por favor, não me desaponte
Prove que você me ama e pague a próxima rodada
Então, Senhor, você não vai comprar para mim uma noite na cidade?

Oh, Senhor, você não vai comprar para mim um Mercedes-Benz?
Meus amigos, todos dirigem Porsches, eu devo compensar
Trabalhei duro a vida toda, sem ajuda dos meus amigos
Então, Senhor, você não vai comprar para mim um Mercedes-Benz?

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

NO AR

Se eu fumasse, 
daria um trago 
bem gostoso agora. 
Mas não sou fumante. 
Versos são meus 
sinais de fumaça. 
Escrevo na ilusão 
de que sejam tragados 
antes de serem dissipados.

FOTOPEMA 332

A imagem mostra o alinhamento entre a Lua e Vênus. Registro feito ontem, às 19h32.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

APONTAMENTO 182

Não tenho sonhos coletivos, mas utopias individuais me habitam.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

SOBRE A INSPIRAÇÃO

Acredito na inspiração, o que não significa dizer que descreio da disciplina, dos que elegem um horário em que escreverão. Preciso ser “chamado”, preciso que algo cause um “clique”; é a partir desse “clique” que escrevo algo, seja o que for. Há quem escreva com horário marcado, o que admiro demais; contudo, não tenho esse talento.

Escrevo quando tenho uma ideia. Se a ideia surge num momento em que não posso escrever, ou eu a anoto na hora ou a mentalizo, para que seja desenvolvida depois. O gostoso mesmo é escrever no momento em que a ideia surge, nem que seja para ela ser reescrita, ou mesmo jogada fora, depois.

Não me refiro à qualidade dos meus textos, é claro. Um crítico poderia detoná-los — e com razão (digo isso sem qualquer falsa modéstia). Refiro-me a meu “método”. Não há como decifrar todos os mecanismos que levam uma pessoa a escrever, mas preciso de uma “deixa” para que haja um novo texto. A essa “deixa”, a esse “clique”, chamo de inspiração.

domingo, 1 de setembro de 2013

HAICAI 29

TERAPÊUTICO

Qual a receita, doutor?: 
preciso me curar de mim mesmo.

BOCA

A saudade que sinto 
deveria trazer um beijo, 
não um poema. 
Mas como tua boca 
não está aqui, 
eis o poema que, 
com gosto de saudade,
dedico à tua boca.