segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

CONTO DE RÉVEILLON

No clube, contagem regressiva, réveillon. Fogos de artifício riscam e colorem o céu. Depois que terminam, boa parte dos presentes, com seu fogo e seu artifício, procura canto, toca, guardanapo, banheiro ou forro de mesa; outros não se preocupam em despistar o que querem. Os dedos ansiosos de todos vasculham celulares em busca de mensagem que possa ter chegado ou digitam com ânsia e afã aquela declaração louca que não se contém.

sábado, 29 de dezembro de 2012

NO TEMPO DOS FLERTES

A noite é cheia de flertes infrutíferos.
É deliciosa não pelos frutos, 
mas pelos flertes que suscita 
e pelos poetas de guardanapo que desperta. 
Promessa do que não se cumpre — 
e do que muitas vezes não quer se cumprir —, 
o flerte é gostoso em virtude do
olhar que convida para uma história
e da beleza do que se contempla.

2013

Que 2013 seja um ano... ímpar...

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

FIM DO MUNDO

Os deuses não nos escutaram. 
Agora é tarde: temos um outro dia... 
Este reluzente dia que temos 
mais nos assusta que um opaco fim de mundo.
O que tememos, é estarmos aqui,
pois aqui estão nosso medo
e nossas tantas ignorâncias.
Hora de pensar num outro fim,
pois este não acabou conosco...

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

"PANNING"

Nesta imagem, usei, deliberadamente, uma técnica fotográfica conhecida como “panning”: ela faz com que o assunto principal fique em foco, mas que no fundo haja desfoque e sensação de movimento.

A técnica funciona bem com aves, carros, motos... Ela incrementa a sensação de movimento do assunto principal. Para o “panning”, geralmente valendo-se de exposição manual, baixa-se a velocidade. 

Caso seja dia e isso fizer com que a imagem fique muito clara, um reajuste na abertura é necessário. A “intensidade” da sensação de movimento depende da velocidade usada na câmera e da velocidade do assunto.

Conseguida a luminosidade desejada, faz-se o foco e, com o “continuous shooting” ativado (o dispositivo que permite tirar várias fotos com um só clique), vai-se “seguindo” o assunto da foto, como se atirando nele enquanto ele se movimenta...
_____

Canon EOS 20D
1/50
F/9.0
ISO 100

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

APONTAMENTO 168

Por bem ou por mal, você é exclusivo. A exclusividade já está no que você é. Vaidade buscá-la no que você tem.

domingo, 16 de dezembro de 2012

TECIDOS

Não se veste em busca da moda. 
Ela se veste em busca da beleza.
O modo como se veste é convite.
Arte sem adorno, como se despe.

RENTE AO CHÃO

CORINTHIANS CAMPEÃO MUNDIAL

Sou fã do Tite desde quando, numa decisão de Copa do Brasil, em 2001, ele deu um “nó” no próprio Corinthians. Na época, Tite era técnico do Grêmio.

Hoje, Tite foi vitorioso novamente, depois de o Corinthians derrotar o Chelsea num ótimo jogo. O goleiro Cássio pegou demais; e pode-se dizer que no torneio a equipe de São Paulo foi um time de Guerrero. Parabéns para eles.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A HISTÓRIA POR TRÁS DA FOTO (70)


Quando chove à noite, tento não me esquecer de sair com a câmera pela manhã, embora no mais das vezes acabe me esquecendo. Mas hoje não foi assim. Eu a levei comigo, bem como levei “flash” e cabo, para que o “flash” fique separado do corpo da câmera.

Onde há água, não importa se parada ou corrente, geralmente há a possibilidade rica para se fazer imagens, pois a água é um assunto muito bonito e versátil para a fotografia. É por isso que gosto de levar a câmera comigo logo pela manhã quando na madrugada houve chuva.

Terminada a aula, pedi a um aluno — Décio — que segurasse o “flash” na posição adequada, enquanto eu ajustava a câmera. Os estudantes já estavam rindo de mim (não sem razão) quando minutos antes eu havia fotografado uma peteca que estava em cima de um telhado. Depois, ficaram rindo das instruções que eu dava para o Décio com relação ao posicionamento do “flash”.

No fim das contas, esta é uma das imagens que foram feitas. Quando os alunos viram no monitor da câmera o fundo escurecido, embora fosse uma manhã de muita luz, parecem ter achado curioso o efeito, conseguido justamente graças ao “flash” e a ajustes na câmera. E ao Décio, muito obrigado pela paciência durante a feitura da foto.
_____

Exposição manual
F/ 8,0
1/800
ISO 80
Flash: Canon Speedlite 580EX (ajustado para -2)
Câmera: Canon PowerShot SX10 IS

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

PULSAÇÃO

Coração pulsa por si.
Mas se te vejo, pulsa por ti.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

APONTAMENTO 167

Dom Quixote enxerga não o que está diante de si, mas o que está em si. Num certo sentido, quem não é quixotesco?...

APONTAMENTO 166

Ter algum cuidado com o português não é sintoma de chatice nem de pedantismo. Esse cuidado não obscurece as coisas — é justamente o contrário: tal zelo ilumina, delicia, seduz...

Bem sei das variações linguísticas, do “internetês” e da linguagem usada em meios eletrônicos. Contudo, o que lamento é ausência do desejo de querer expressar-se com clareza ou elegância; não há a vontade de aprender.

Quando há, repetidamente, algo como “encômodo” ou como “agente se dá tão bem”, o que existe é desleixo, não lapso. Não raro tomam o caminho mais fácil, em vez de tentarem algum capricho: culpam as escolas.

Qualquer idioma é difícil, cheio de “armadilhas” e de regras. Qualquer. Não é minha intenção execrar o erro que contraria regras gramaticais. Além do mais, todos erramos, seja no português, seja na vida. O que acho ruim é o total desmazelo. Que pena não perceberem que aprender é uma das maiores aventuras a que podemos ter acesso.

O descaso com o português corresponde, no plano físico, à falta de higiene. Assim como esta afasta, mas pode ser resolvida, o desleixo com o português também. Mas não nos esqueçamos da velha história: “Um gambá cheira o outro e acha que é perfume”...

SOLAR

Nem amanheceu direito,
e um facho de luz se insinua pela janela.
É o Sol que começa a fazer a festa, 
que começa a fazer a fresta.

APONTAMENTO 165

Morrer é sair do palco e ir para a coxia?... Ou é deixar a coxia e entrar no palco?...

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

APONTAMENTO 164

Não se iluda: grilhões se realizam quando são partidos.

domingo, 9 de dezembro de 2012

LEVEZA

A bailarina levita. 
É como se não 
houvesse gravidade...

Mas tudo é muito grave...

APONTAMENTO 163

Silêncio mata quando o que existe é o desejo de falar.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

FOTOPOEMA 285

TESTEMUNHA OCULAR

Se a distância os separa, 
olhar agudo e penetrante 
os une em nítido flerte: 
de olho no lance, o lince.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

KEANE

A velha música pop, com sua estética, seus truques e suas artimanhas. Com razão, muita gente despreza a música pop — boa parte dela é de fato abominável. Mas quando não é, como torna-se leve e gostosa.

Hoje à noite, pela Globo FM do Rio de Janeiro, escutei a canção abaixo, da banda inglesa Keane. Pop em cada segundo, britânica em cada nota e cada acorde, agradavelmente pop até o fim.

SEGUNDA-FEIRA



Se a vida não te der uma segunda chance, 
que ela te dê uma segunda-feira.

Faz da tua segunda uma terça.
Desta, uma quarta.
Que esta te traga uma década.

O tempo que não elimina certas coisas 
é o tempo que há de te conceder uma segunda-feira. 
Viver sem amor, mas preencher os dias.
Que a esperança sufocada não te deixe todo sem gosto.

Que a vida não te deixe sem uma segunda-feira.
Acorda e faz dela um segundo ato.

MARÍTIMO

Tu, que és feita para o mar...
Tu, que és feita para amar...
Concede-me um instante contigo.
Depois, volto para amar...
Depois, volto para o mar...

APONTAMENTO 162

O fato de eu gostar da transgressão não me impede de querer a beleza, que é querer a arte. A transgressão não tem de, mas pode ser bela. A arte não tem de, mas pode ser transgressora. Eu acredito na beleza. Eu acredito na transgressão. Eu acredito que possam estar juntas, embora não tenham de.

A arte pode (e deve) tratar (também) do que é repulsivo e digno de ódio. Do que ela não pode abrir mão é de aspirar a ser uma grandiosa obra de arte, não importa do que trate. A arte pode (e deve) retratar (também) o que é feio, degradante e abjeto, mas não pode deixar de ser arte.

A modernidade, pós-modernidade ou seja lá o que for não implica abrir mão de um princípio só porque ele já existe há séculos. Arte requer dedicação e busca pelo belo, não importa quando seja produzida.

Não sei se a arte permite um lampejo do celestial. Ela já faz muito em sutilizar e melhorar o que é humano. Se melhorar e sutilizar o que somos implica criar em nós uma centelha de algo celestial, não vou me queixar disso.

CARRY THAT WEIGHT

Boy, I’m gonna carry that weight
Carry that wait for a long time…

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

MUITO PRAZER

Sinto prazer no teu prazer.
Sinto prazer no meu prazer.

Sentes prazer no meu prazer.
Sentes prazer no teu prazer.

Tenho prazer quanto tens prazer.
Tenho prazer quando tenho prazer.

Tens prazer quando tenho prazer.
Tens prazer quando tens prazer.

O prazer de dar prazer.
O prazer de receber prazer.

O prazer é teu.
O prazer é meu.

O prazer é do outro.
O prazer é de cada um.

O prazer é nosso.
Muito prazer.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

BONECAS

Crianças de um a setenta e cinco anos faziam a festa no tradicional almoço de domingo. As mais velhas falavam e se divertiam com assuntos diversos na varanda. As mais novas se pulverizavam no restante da casa.

Foi quando uma delas voltou para a varanda. Era uma garota de dois anos, com a vivacidade que a idade lhes confere. Tinha consigo uma boneca, a qual era quase do tamanho da menina, que se atrapalhava um pouco ao carregá-la, embora conseguisse realizar a tarefa.

Os mais velhos ficavam perguntando para a garota o nome da boneca, quem era o namorado dela e coisas afins. Quando um deles fez menção de que a tomaria da criança, ela se afastou correndo. Na fuga, a boneca caiu. Foi quando uma das tias disse:

— Lorena, larga essa boneca pra lá. Deixa ela no chão. Ainda mais esse trem feio, preto. Boneca preta. Aff...

A menina não deu bola para o que disse a tia, pegou a boneca no chão e foi mostrá-la para outra de suas tias, que embarcou no clima da criança e brincou com as duas, ora fingindo que ia tomar o brinquedo da menina, ora beijando ambas.

Parecendo já enfastiada dos beijos, Lorena, mantendo a posse da boneca, foi procurar outros ares. Enquanto cruzava a varanda, a tia que sugerira que ela deixasse a diversão entrou em cena novamente. Segurou a mão da criança, interrompendo o trajeto dela, e disse:

— Lorena, deixa a boneca pra lá. Você é tão bonita. Ela é preta, é feia. Joga ela fora.

Lorena:

— Fora?

— É. Jogar fora, pra longe — as palavras foram reforçadas com gestos amplos.

A garota parecia intrigada. Tinha cara de quem não entendia muito bem o que estava acontecendo. Com expressão curiosa, olhava para a tia e para a boneca. Desistindo de qualquer tentativa de compreensão, deixou de conversa com a tia e saiu, levando consigo a boneca.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

domingo, 25 de novembro de 2012

OUVIDO RUIM (3)



Hoje pela manhã, no rádio, escutei “Só a lua”, sucesso da década de 80 com a banda Absyntho. A rigor, um trecho era, parece-me, entendido incorretamente por mim; já de outro trecho eu simplesmente não entendia nada.

O trecho que eu entendia mal diz “tudo que naturalmente um dia aflora”. Eu entendia “tudo que naturalmente te aflora”. (Pesquisa rápida no Google mostrou que há “sites” em que a letra está como eu entendia. Baixei a canção; escutando-a, tive a impressão de que o correto é “naturalmente um dia aflora” — mas meu ouvido é uma lástima.) 

Já o trecho de que eu nada entendia diz “o prazer real não vem só em caçar”. Nessa parte, era como se o vocalista cantasse num idioma desconhecido por mim, pois eu nada entendia.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

CONTO 55

Prestes a fazer xixi, Hermano viu uma formiga na água do vaso. A princípio, não entendeu se ela estava nadando tranquilamente ou se estava se debatendo para não se afogar. Perguntou-se como ela fora parar lá e se as formigas sabiam nadar, enquanto continuava observando a que estava no vaso. Num momento, pareceu mesmo que ela sairia da água, pois já estava na borda. Mas deu meia-volta, debateu-se por mais alguns segundos e morreu. Hermano se surpreendeu, pois foi como se a morte tivesse vindo num átimo: ele esperava movimentos lentos e pausados, languidamente agonizantes — não aquele parar súbito demais. Num último devaneio, perguntou-se o motivo pelo qual a morte dela, criatura como tantas outras, deveria valer menos que a nossa. Depois, fez xixi e deu descarga.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

SEDUÇÃO

Sem alarde, o fruto
se faz, fica pronto
e seduz o pássaro.

Discreto e silente,
o néctar amadurece
e seduz a abelha.

Espalham-se em
viagens ao vento
o fruto e o néctar.

DÚVIDA

Ouriço 
ou a quilo.

DICIONÁRIO (38)

desfalecer. O mesmo que ressuscitar. 

APONTAMENTO 161

Quando olhar para as coisas, lembre-se de que o mar não termina ali no horizonte.

sábado, 17 de novembro de 2012

ELEVAÇÕES

DICIONÁRIO (37)

ruga. A pele aprendeu sobre o passado.

DICIONÁRIO (36)

cicatriz. Não é só na lembrança que o passado escreve.

APONTAMENTO 160

Só há duas coisas a se fazer com o ressentimento: guardá-lo ou tranformá-lo em arte.

AUTOR E OBRA

Não contenhas teus poemas.
Podem não ser o que gostarias que fossem,
mas podem ser melhor do que és...

FOGO

Paixão é chama. 
Chama que eu vou. 

GRITO OCO

Os colunistas dos meios de comunicação andam parcos de ideias e bons de gritaria. Não são bobos. Sabem que quanto mais escreverem bravatas ou falarem tolices, terão seus textos reproduzidos; serem achincalhados é o troféu a que aspiram. O público reage fortemente à ausência de ideias.

Cada profissional quer ser mais retumbante do que o outro. O que vale é causar impacto, ser comentado nas redes sociais, gerar polêmicas bobas. Quanto mais “odiado”, melhor. Textos elegantes e mentes refinadas não repercutem. Contratantes e contratados se divertem.

Não sei se o que vários colunistas querem é ser originais ou se querem chamar a atenção. Se tentam ser originais, fracassam, pois gritar está na moda (sempre esteve); se tentam chamar a atenção, conseguem,  pois substituir pensamentos por berros está na moda (sempre esteve). Não se pode negar: são bem-sucedidos.

Não há espaço para a sutileza. Camuflam a falta de ideias sólidas com o grito mal-educado. Existe algazarra, uma espécie de disputa para se aferir quem consegue falar mais alto dizendo as maiores bobagens. Não se busca a expressão clara de uma ideia, mas o grito selvagem que tenta camuflar a ausência delas. Não somente quando há o áudio. Palavras no papel ou na internet também gritam.

Entendo que chefes querem retorno. Querem audiência, querem leitores. Nesse afã, empregados e empregadores parecem satisfeitos se qualquer coluna feita com estudada veemência causa repercussão. Sabem que excelência não traz audiência nem leitores.

Quem não quer a gritaria e ainda acredita em coisas como a sutileza torna-se refém do vozerio de articulistas cheios de empáfia. Em vez da ideia, o grito; em vez do debate, a iconoclastia gratuita. Se não berrarem, não conseguem ser notados.

domingo, 11 de novembro de 2012

MY BLUEBERRY NIGHTS

Há duas cenas de que muito gosto, por causa da sutileza delas. As duas, do filme “Um beijo roubado” (2007), do diretor Wong Kar Wai. Foi o primeiro filme dele em língua inglesa. Um dia desses, assisti a ele novamente, outra vez me emocionando com as duas cenas.

Há um instante em que Jeremy (Jude Law) se ajeita como pode sobre balcão de um café para beijar Elizabeth (Norah Jones), que dormira depois de um porre. A boca dela está suja por causa de uma torta cujo sabor dá título ao filme — “My blueberry nights”. Depois do beijo, a câmera continua próxima à boca de Elizabeth, que dá um levíssimo, delicioso e faceiro sorriso à Monalisa.

A outra cena ocorre no momento em que Elizabeth e Leslie (Natalie Portman) se despedem numa rodovia, cada uma num carro. Apesar da brevidade da convivência, um vínculo bonito se estabelecera entre as duas. A despedida se dá por acenos, enquanto escutamos a voz de Elizabeth fazendo considerações sobre o confiar ou não nas pessoas. A rodovia, a despedida, a voz de Elizabeth, o texto... Tudo isso acaba criando um belo momento.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

EXTENSÃO

O mundo é longo.
Eu curto.

FOTOPOEMA 284

AMÁLGAMA

Entende que 
a escuridão ajuda 
a compreender a luz.

Compreende que 
a luz ajuda 
a entender a escuridão.

Enxerga mais 
quem sabe (d)a escuridão.

Escuta mais 
quem sabe (d)a luz.

FINAL DA PLACA: 79

São muitas as piadas sobre a suposta imperícia feminina ao dirigir. Do que sei, é que há mulheres que dirigem muito mal e mulheres que dirigem muito bem. Existem homens que dirigem muito mal e homens que dirigem muito bem. Não estou interessado nas estatísticas dessa “disputa”.

A questão do trânsito não está ligada somente à perícia, seja de quem for. Gentileza ajuda. No geral, as mulheres são mais gentis. Nós, homens, precisamos aprender com elas a sermos mais civilizados no trânsito.

Hoje, logo pela manhã, constatei, mais uma vez, a gentileza feminina. Devido à chuva, poças d’água se formaram nas ruas. Aproximando-me de uma dessas poças, de moto, pude escutar um carro vindo atrás. Logo pensei que levaria um banho.

Para minha surpresa, o carro desacelerou. A bem da verdade, quase parou. Passamos pela poça d’água ao mesmo tempo, pois eu também diminuí a velocidade, devido ao medo de cair. Depois disso, o carro acelerou e foi embora. Desnecessário dizer que era uma mulher quem o dirigia.

Sei que há mulheres toscas; sei que há homens gentis. Gentileza não é atributo masculino ou feminino. Ela pode ser aprendida. Minha vivência: quando levei um banho, um homem, na maioria das vezes, estava ao volante. Não raramente saem rindo e fazendo chacota.

Bons modos não seriam a solução definitiva para nada. São uma das partes do todo. Não sei o que as mulheres poderiam aprender conosco, mas sei que nós, os homens, temos muito a aprender com elas sobre civilidade. O banho delas é de gentileza; o nosso, de água.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

CONTO 54

A campainha tocou. Reginaldo abriu a porta. Era Maria Lúcia. Olharam-se por instantes. Dentro de cada um, a história de ambos se agitou. Ele fez sinal para que ela entrasse. Maria Lúcia, já acomodada no sofá, disse que ele não parecia surpreso, mesmo ela tendo chegado sem avisar, após tanto tempo. Ele argumentou dizendo que embora ciente de que treze anos, sete meses e vinte e um dias haviam se passado, surpreso ele estaria se não estivesse esperando.

FOTOPOEMA 283

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

CONTO 53

No tempo das cartas, Maísa escreveu o texto mais amoroso que conseguiu. Assinou. No momento em que guardaria as palavras no envelope, resolveu borrifar seu perfume nas folhas. Guardando-as, aspergiu mais um pouco no envelope, achando graça de si mesma. Depois de ler a carta, Zé Pedro ficou cheirando com calma e devoção o envelope e as folhas. Releu a correspondência e voltou a sentir o cheiro do perfume, que se misturava com o do papel. Num ato pleno de sentidos, Zé Pedro comeu tudo.

SUSTENTAÇÃO

NO CERRADO

terça-feira, 6 de novembro de 2012

O MACRO E O MICRO









KUNG FU PANDA


Não tenho o hábito de assistir a animações; sei que estou perdendo por não assisti-las. Dias atrás, liguei a TV e me deparei com “Kung fu panda”, produção da DreamWorks dirigida por Mark Osborne e John Stevenson. O filme já havia começado não sei há quanto tempo. Mesmo assim, passei a conferi-lo.

Bastaram poucas cenas para que eu começasse a achar graça da paródia dos filmes de artes marciais, das piadas do roteiro e do estilo anti-herói de Po, o panda que é o personagem principal. Logo, logo eu estava me divertindo.

Contudo, lá pela metade do filme, uma fala me arrebatou. Foi uma porrada. Prossegui assistindo à animação, já sabendo que eu a conferiria outra vez com a intenção única de prestar ainda mais atenção na fala e sobre ela refletir.

Assim foi. Tornando-me ciente do desenrolar da trama à medida que a animação prosseguia, eu aguardava a cena que traria a fala marcante. Chegado o momento, escutei, pausei, voltei e escutei novamente; pausei, voltei e escutei novamente; pausei, voltei e escutei novamente. Ciente de que eu não memorizaria o trecho, peguei papel e caneta e o anotei.

Gosto muito quando produções direcionadas para o público infantil enviam piscadelas para adultos, sem, contudo, tornarem-se, no todo, incompreensíveis ou maçantes para as crianças. Suponho que o trecho que muito curti não tem apelo para os pequenos, embora eu não esteja certo disso. 

Os roteiristas são Jonathan Aibel e Glenn Berger. A fala de Po da qual gostei demais é proferida num momento em que ele desabafa diante de seu mestre, cujo nome é Shifu. Depois do desabafo, Po mudou para mim: deixou de ser visto como um atabalhoado e simplório estudante e se tornou alguém com densidade e com agudo senso de dor. Eis o que ele disse:

“É, eu fiquei. Eu fiquei porque toda vez que você jogava um tijolo em minha cabeça ou dizia que eu cheirava mal, isso feria, mas isso nunca poderia ferir mais do que feria todo dia da minha vida eu simplesmente ser quem eu sou. Eu fiquei porque eu pensei que se alguém pudesse me mudar... pudesse me tornar... quem eu não sou... esse alguém era você” [1].
_____

[1] Yeah, I stayed. I stayed because every time you threw a brick at my head or said I smelled, it hurt. But it could never hurt more than it did every day of my life just being me. I stayed because I thought if anyone could change me, could make me... not me, it was you. 

A FOLHARADA











domingo, 4 de novembro de 2012

MAR DE PALAVRAS

Escrevi na areia.
Parece que o mar gostou:
aproximou-se, lambeu o texto
e o levou consigo...

sábado, 3 de novembro de 2012

DA ARQUIBANCADA

Narrador do Sportv, após o terceiro gol do Neymar contra o Cruzeiro, no Independência, há pouco, disse que os cruzeirenses, gritando o nome do jogador, estavam o reverenciando. Discordo. Boa parte dos torcedores não passam de apaixonados bobos; pouquíssimos teriam a nobreza para reverenciar o rival. Não estavam reverenciando Neymar. Estavam, sim, à maneira do namorado que quer causar ciúme na namorada, tentando ferir o brio dos jogadores do Cruzeiro. Tentativa boba, infrutífera e inútil, pois os jogadores não têm paixão pelo time.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

APONTAMENTO 159

Uma boa metáfora não somente facilita a compreensão — ela poetiza, ilumina e a(s)cende a compreensão.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

APONTAMENTO 158

A gente começa a amar não quando a pessoa toma conta do coração, mas quando ela toma conta da imaginação da gente.

domingo, 28 de outubro de 2012

APONTAMENTO 157

De modo geral, não se considera, digamos, esteticamente bonita a vida que se esforça para sobreviver. Olha-se para uma cachoeira ou para um pôr do sol e diz-se que são bonitos. Ainda que a pessoa não tenha uma relação especial com a natureza, parece-me não ser difícil considerar uma portentosa harpia uma bela ave, caso nela se repare.

Contudo, quando a vida tem de sobreviver, geralmente não é identificada como bela. Se por um lado pode-se considerar um tigre um majestoso animal, não se considera esteticamente belo o momento em que ele estraçalha e sangra com poder a sua presa. Enxerga-se uma espécie de beleza estética no tigre, não no instante que ele trava luta pela sobrevivência.

Os vermes que se alimentam de carne putrefata no meio de qualquer mata são expressão da mesma Vida que engendrou uma harpia ou um tigre. Tudo é a mesma Natureza, que não se preocupa com estética ou com nossas outras construções culturais se tivermos de ser a presa. Assim como não nos preocupamos com estética, política ou física quântica se tivermos de ser os predadores.

NATUREZA EM CASA

Há pouco, cheguei, abri o portão e fui recepcionado por esta criatura. Mede aproximadamente três centímetros. Quem tiver alguma ideia sobre a identificação, gentileza fornecê-la.




sábado, 27 de outubro de 2012

TONY

Na penúltima edição do Estação LS, falei do Tony, que foi locutor de rádio aqui em Patos de Minas. O Tony, além de ser locutor, entendia muito de eletrônica e de como funciona uma estação de rádio. Muito inteligente, muito bem-humorado.

Há pouco, em conversa que mantive com José Afonso, que também foi locutor aqui, fiquei sabendo que o Tony morreu ontem, em Manaus. Ele morava em Belo Horizonte, e havia ido até lá visitar um filho. 

Foram a uma festa, onde Tony sentiu-se mal e foi internado. Diagnosticaram enfisema pulmonar — ele havia sido fumante por muito tempo. No hospital, onde passou a semana, a situação se agravou, houve infecção generalizada e ele morreu.

Durante o tempo em que o Tony e eu fomos colegas de rádio, eu mostrava o que escrevia para ele. Sempre gentil, lia com atenção e sempre fazia algum comentário ou dava alguma sugestão. Perdemos uma inteligência.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

OS FRUTOS

Confesso que eu preferiria um céu bem azul. Mas na fotografia de natureza a gente tem de se contentar com as condições à disposição. Ainda assim, gosto da foto. Não somente pela árvore ser um “pé-de-urubu”: caso se repare, percebe-se que o “fruto” no lugar mais alto é um “intruso”, o que, penso, funciona como uma espécie de cereja no bolo...