segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

Sem amor

Embora o amor carnal e seus desdobramentos seja temática em grande parte da literatura, ele não é imprescindível para que haja um grande livro. Penso em “Viagens de Gulliver” e em “Moby Dick”. Ainda que se alegue que em “Moby Dick”, logo no começo da história, tenha havido contato físico entre o narrador e o personagem Quiqueg, o que houve na estalagem não foi a edificação de uma relação amorosa no sentido de se construir algo ao longo do tempo. Foi uma cena no enredo; mesmo tendo sido uma cena que suscite dúvidas e cogitações, isso não faz com que o livro tenha um enredo romântico, não importa o sentido que se dê ao termo “romântico”. “Viagens de Gulliver”, com sua galhofa amarga, e “Moby Dick”, com sua elevada cogitação metafísica, são obras destituídas de amor. 

"Flores em você"


A poeta que (não) é

Se num dia
a poeta de 
alguns versos
se descobrir
capaz de muitos,
haverá poesia muita.
Que num dia 
ela se espante consigo.
Tendo acordado,
vai despertar 
nos outros
a vontade de
poesia.
Que a poeta 
ache em si
desejos
de versos, 
diversos. 

Urbano

Engarrafamento.
Os homens começam 
a buzinar.
Os carros,
incomodados pelo barulho,
empacam. 

Marisa Letícia

O Borges (ou, talvez, o Jung — ou ambos) escreveu que quando um ser humano morre, toda a humanidade perde. Li isso em minha adolescência. O ensinamento ficou.

Eu não saberia dizer com exatidão para que serve a literatura (ou a leitura). Já escrevi que eu seria pior sem a literatura. Sou melhor quando leio. A literatura faz com que eu busque o humano em mim e no outro. Isso já é mais do que o bastante para que eu leia.

O que leio, leio para me humanizar. A leitura, por si, não implica por parte do leitor a empatia pelo outro (um torturador pode ser um leitor ávido). E não é preciso ser um leitor para se compreender a dor do próximo.

Não há como eu saber o que eu teria sido sem a leitura. Sou fruto de muita coisa de que nem tenho ciência; dentre as coisas de que tenho, sou fruto do que leio. Também a literatura robusteceu em mim o senso de compaixão. 

Aquém

Não sei se o corpo transcende.
Não sei se existe para dar ideia 
de um mundo elevado.
Coisas que não cogito.
Quando há pele,
sou superficial.

Tive vislumbres de teu corpo.
Com ele, eu quis compor enredo.
A história não ocorrida,
eu a sinto em cada célula.