sexta-feira, 1 de abril de 2016

Linguagens

A língua no corpo. 
A língua do corpo.

A língua no papel. 
O papel da língua.

Somos língua e corpo. 
Somos corpo e linguagem.

A palavra é poder da língua. 
A língua é poder do corpo. 

Sobre a ineficácia das palavras

Não se faz amor com palavras.
Amor é feito de atos.
Portanto, enquanto escrevo,
eu deveria, sim, estar (te) amando. 

Apontamento 322

A beleza não é coisa inventada por sonhadores. Sonhadores é que são coisas inventadas pela beleza. 

O herói de Mariana

Tiago e Mariana se sentaram. Acomodaram-se. Pouco depois, colocaram os óculos. Minutos após, a primeira intervenção dela:

— Mas ele é muito bonito.

Tiago e Mariana continuaram lado a lado. De mãos dadas. Depois de um suspiro, ela diz:

— Gente, gente, como isso é possível?! Sem brincadeira: como pode alguém ser tão bonito?

As perguntas eram retóricas; não eram necessariamente dirigidas a Tiago, não tinham a intenção de estabelecer diálogo com quem estivesse por perto. Após a segunda pergunta, Tiago remexeu-se na poltrona. Mariana volta a falar.

— Isso não é um homem. Não, não é. Isso é um deus. Um deus grego. Nórdico talvez. Não sei. Sei que não há homem mais belo em todo o planeta Terra.

O incômodo de Tiago, que até então estava pequeno, dessa vez agigantou-se. Ele se remexeu na poltrona, largou a mão de Mariana. Ela pegou a mão dele de novo, mais automática do que intencionalmente. Ficaram calados durante pouco tempo. Mariana quebrou o silêncio.

— Eu simplesmente não me canso de olhar pra esse homem. Eu ficaria olhando para esse rosto até o fim da minha vida. Ele é a prova de que a beleza existe, de que a beleza é possível, de que podemos ter acesso a ela. Ele é a prova de que a beleza é algo material. Ela não é algo vago, não é coisa inventada pelos poetas... Não... Esse homem é a materialização de que nós, mortais, podemos ter acesso à beleza. Ele prova que os mortais podem ser belos, podem ser perfeitos, podem proporcionar aos outros o contato com a beleza, com a mais pura e a mais genuína beleza. Esse homem tem uma beleza... desconcertante.

A mão de Tiago, a essa altura, já não estava mais na de Mariana. Enquanto ela falava, ele, irritado, olhava para ela, não a enxergando com muita clareza, em função do ambiente em que estavam. Ele sentia um grande desconforto. Exaltado, sentindo-se ultrajado, levantou-se da poltrona, deixando Mariana para trás, não sem antes dizer para ela:

— Acha ele lindo? Vai morar com ele! Vai! Casa com ele! Cansei disso! Fique você com esse Ben Affleck e esse morcego metido a besta!

Mariana só deixou o cinema depois de terminados os créditos. Estava inebriada. 

Ilusão e sonho


As mais profundas reflexões filosóficas podem estar presentes também na cultura popular. A agudeza de reflexão ou de questionamento filosófico não é privilégio da cultura erudita. Por isso mesmo, a erudição, pelo arcabouço teórico que tem, deveria beber com mais sede a cultura popular.

Há uma canção pop chamada “Time to pretend” (Hora de fingir), da banda MGMT. Lembro-me da primeira vez em que a escutei, quando ela já estava pela metade. Liguei o rádio bem no trecho em que se canta “I'll miss my sister, miss my father, miss my dog and my home”. O verso captou minha atenção.

Depois, quando conferi a letra da canção, dei-me conta de que ela narra os devaneios de um eu lírico que se imagina vivenciando o mundo da fama; em especial, o universo do “showbiz”, com seus excessos, suas drogas, seu ritmo veloz, sua carga alta de adrenalina e suas mortes prematuras. “Time to pretend” tem uma temática fascinante demais: é sobre os iludidos, os quixotescos.

Boa parte da canção se refere a um futuro em que, supostamente, haverá tudo o que o dinheiro e a fama podem conseguir. Uma vida sem as chatices e as burocracias impedidoras que nós, os não famosos e os não artistas, temos de levar. É uma canção sobre um iludido, não sobre um sonhador, mesmo eu ciente de que é quase invisível a linha que separa o sonhador do iludido.
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P.S. 1: Em 2008, escrevi um texto intitulado Nós, os Iludidos. Eu o menciono por ele estar ligado à temática desta postagem. Caso queira conferir esse texto de 2008, o endereço é este.

P.S. 2: Em 2014, comparei “Time to pretend” a “Babylon”, do Zeca Baleiro. Para conferir, eis o endereço.