segunda-feira, 30 de novembro de 2015

FOTOPOEMA 381

APONTAMENTO 293

O artista deve auscultar o coração. O seu e o dos outros. Essa auscultação implica falar menos e escutar mais. Que o artista escute, não importa se esteja auscultando os muitos tagarelas ou se, quando possível, os poucos silenciosos. 

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

AUTOAJUDA

Quando se trata do gênero autoajuda, não há como discordar da mensagem: penso que ninguém contestaria, por exemplo, o pensamento de que é preciso ter perseverança. O que torna o gênero autoajuda pobre não é nem tanto a mensagem em si, mas a obviedade. Os truísmos do discurso da autoajuda chegam a ser irritantes. Autores e palestrantes do gênero, espalhando lugares-comuns, acabam por retirar da vida uma complexidade que existe. Não há no discurso deles espaço para nuances; não há áreas sombrias, incompreendidas.

Livros e palestras de autoajuda incomodam por, de modo enviesado, afirmarem também que não se sabe interpretar um exemplo. Digamos que eu tome conhecimento da vida de uma pessoa que saiu de uma cidadezinha qualquer do interior e se deu bem, financeira e pessoalmente (sendo que esse era o objetivo dessa pessoa) numa metrópole, depois de muito cair e levantar. Ora, uma trajetória assim é exemplo eloquente. Não é necessário alguém dizer que é preciso ousar para se dar bem.

O discurso da autoajuda passa a ideia de que a fórmula do êxito foi finalmente descoberta. Cientes disso, palestrantes, valendo-se de técnicas teatrais, jogam suas “pérolas” para a multidão: “Novos tempos pedem novos paradigmas! O mundo é multifacetado. Não se vive mais hoje como se vivia há dez anos. Aquele que não se atualiza está fora do mercado! Vamos, ajam! O que vocês estão esperando? Sejam os donos das vidas de vocês!”. Como parte do “kit”, uma canção pode ser executada quando o evento está prestes a acabar. Lembro-me muito bem de um tempo em que “Friends for life (amigos para siempre)” era moeda corrente depois de palestras.

Boa parte dos discursos de autoajuda preferem ignorar que não há receita para o sucesso. Ou, dizendo com outras palavras, não há a garantia de que se determinados passos forem seguidos, o sucesso vai ser alcançado. Se, por um lado, é difícil imaginar que a inação leve a grandes êxitos, por outro, não é certo que todo aquele que age e persiste conseguirá o que almeja. Além do mais, êxito ou fracasso estão inseridos numa trama tão vasta e com tantos elementos, que não há como afirmar com exatidão o que levou alguém a fracassar ou a ter sucesso. 

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

APONTAMENTO 292

Não faria sentido viver integralmente com a preocupação quanto ao legado. Uma generosa dose de inconsequência premeditada, por mais paradoxal que isso possa soar, é necessária. Essa inconsequência premeditada, contudo, não nos livra da responsabilidade que temos com relação a nosso legado. Se a dose dessa inconsequência deve ser generosa, também generosa deve ser a preocupação com o legado. Isso vale para uma pessoa, para uma empresa, para um profissional, para a imprensa. É incrível o quanto esta não está preocupada com o legado que tem produzido. 

APONTAMENTO 291

É curioso: quando a gente assiste a um filme novamente, a trama parece se passar mais rapidamente, o enredo parece ser mais resumido e econômico. Quanto mais tempo demoramos para rever a produção, maior é essa impressão. É como se o filme tivesse sido “encurtado”. Os desdobramentos da história parecem se resolver de modo mais sucinto do que a primeira vez em que conferimos o trabalho. 

DO CÉU

Um negro muro de água 
se forma no céu. 
A alvenaria aérea rui. 
Estilhaços líquidos 
caem sobre a terra,
que suga todos eles, 
matando uma sede
ancestral e fecunda. 

APONTAMENTO 290

Já escrevi que acho a palavra "perfunctório" horrorosa; é uma das mais feias da língua portuguesa. Já "calêndula" é perfeita: não bastasse a beleza da flor a que a palavra se refere, "calêndula" é gostosa de se pronunciar.

DUO

Por ti, 
duas partes:
uma é tesão, 
a outra é ternura.
Nesse todo, 
enquanto
uma parte explode, 
a outra eclode. 

(DES)APONTAMENTOS 44

Terá a peça “Macaquinhos” entrado para os... anais do teatro brasileiro?

A HISTÓRIA POR TRÁS DA FOTO (87)

Esta foto começou a ser feita às 21h14. O tempo de exposição foi de quatro minutos e quarenta e um segundos. Logo, a foto, iniciada às 21h14, terminou às 21h18. Durante esse tempo, a câmera registrou o movimento das nuvens.

A intenção inicial não era captar movimento de nuvens, mas, sim, de estrelas, que comporiam o cenário de fundo para esta árvore, que acho belíssima. Contudo, havia luar, a noite estava clara. De acordo com um calendário lunar que consultei via internet, a Lua estaria numa fase em que não estaria visível.

Não foi o que ocorreu. Como havia luar, uma exposição muito longa, o que era a intenção inicial, para se produzir o facho das estrelas, faria com que houvesse luz demais, com que a imagem ficasse muito clara. Ainda assim, fui experimentando diferentes ajustes, diferentes exposições, até o ponto em que o movimento nas nuvens fosse registrado. 

ALQUIMIA

Tens um encantamento.
A magia que tens fascina
por seres quem és.
Tu existes.
Existindo,
tu me encantas.
Quem me dera
ser mágico,
quem me dera
coser tramas,
cozer sortilégios,
misturar poções
numa química
que te trouxesse.
Tuas mágicas me incitam.
Excitado, anseio
por feitiço que te traga. 

(DES)APONTAMENTO 43

Quando se expressa, a inteligência pode, às vezes, ser chata. Quando se expressa, a imbecilidade sempre é. 

VERSOS POBRES

Charlie Sheen revelou que pessoas 
extorquiram grana dele para 
que não divulgassem 
que ele tem aids.

Em Governador Valadares, 
houve comerciante que aumentou 
o valor da água mineral 
depois da tragédia no Rio Doce.

Um problema pessoal, 
uma tragédia causada por uma empresa ou 
a educação pública propalada pelos 
chamados empreendedores 
como um produto.

Você lucra com o quê? 

sábado, 14 de novembro de 2015

EM CAMPO

Revoada de quero-queros no jogo entre Vitória e Ceará, pela série B do brasileiro. O futebol ainda tem beleza. 

É PATOS OU...

Encaradas na perspectiva da passagem do tempo, as coisas podem vir a soar de modo diferente. Nessa perspectiva, o que era risível pode se tornar, na falta de adjetivo melhor, estranho. Dito com outras palavras: o contexto pode mudar o sentido do que foi dito. Políticos locais (sou de Patos de Minas), em arroubos ufanistas, costumavam dizer: “É Patos ou Paris”. 

VALE!

Num certo dia, mata-se uma pessoa.
Em outro certo dia, uma multidão.

Num certo dia, mata-se um peixe.
Em outro certo dia, um doce rio.

O que vale é lucrar. 

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

POEMA DATADO

Hoje, sexta-feira 13.
Amanhã, sábado 14.
Depois de amanhã, domingo 15.

E ontem, quinta-feira 12. 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

"QUANTO VALE OU É POR QUILO?"

“Quanto vale ou é por quilo?” (2005), do diretor Sergio Bianchi, não pode ser acusado de fugir de temas que pululam no cotidiano brasileiro. Bianchi também assina o roteiro, ao lado de Sabina Anzuategui, Eduardo Benain e Newton Cannito. O filme aborda o racismo e a corrupção, ambos entranhados na cultura do brasileiro.

“Quanto vale ou é por quilo?” é levemente inspirado num conto de Machado de Assis — o brilhante “Pai contra mãe” — e em alguns textos de Nireu Cavalcanti. Há várias tramas no filme, vários personagens. Uma dessas tramas é inspirada no conto de Machado. Contudo, mesmo os personagens que são inspirados em “Pai contra mãe” têm uma psicologia diferente.

O fio condutor é o de que as relações sociais de exercício do poder não mudaram desde a abolição da escravatura. É feito um paralelo entre o tempo em que a escravidão era institucionalizada e a era moderna, em que a escravidão, velada, vale-se de outros mecanismos.

O lado bom do filme: sobra para todo mundo: pretos, brancos, ricos, pobres, ONGs, entidades filantrópicas, políticos, polícia, empresas... Ninguém presta, nada presta. Paradoxalmente, isso acaba se tornando um dos problemas de “Quanto vale ou é por quilo?”: ele é maniqueísta demais — todo mundo é bandido. Ou, pelo menos, aqueles que têm voz são. Além do mais, uma cena ou outra me pareceram artificiais, a despeito de bons atores na trama. Essa inverossimilhança de uma cena ou outra e o maniqueísmo dos personagens que vivem o enredo não desabonam o trabalho, que exibe nossa feiura.  

Um ingrediente vital do filme é mostrar que quem é vítima de vícios e de corrupções há séculos, acaba, mesmo assim, reproduzindo esses mesmos vícios e essas mesmas corrupções. E um lembrete: quando os créditos começam, há uma cena final que modifica cena prévia do filme. É importante assistir a essa cena final.

A temática é pesada, densa, violenta.  Um trabalho ousado que quer abarcar não somente a questão racial, mas também a questão da política, da corrupção, do jeito capitalista de resolver as coisas, do jeitinho brasileiro de resolver as coisas. O filme escancara a sujeira do Brasil. Por tocar feridas e por suscitar reflexões, imprescindível. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

EU RIO

Não consigo rir dos vereadores de Campinas.
Não consigo rir dos Bolsonaros.
Não consigo rir dos Malafaias.
Não consigo rir dos Cunhas.
Não consigo rir dos Danilos Gentilis.
Não consigo rir dos Rafinhas Bastos.
Não consigo rir dos que jogam cascas de bananas.

Não consigo rir de tombo.
Não consigo rir de banguela.
Não consigo rir de quem deu branco.
Não consigo rir de quem fala “célebro”.
Não consigo rir de quem caiu na pegadinha da TV.
Não consigo rir de quem crê em certos pastores.
Não consigo rir de quem acredita em certos padres. 

MAIS UM FRACASSO

Como um todo, a natureza nos faz desprovidos de bilhões de habilidades e providos (mas nem tanto assim) de outras. Minha incapacidade em abrir embalagens é vexaminosa. Eu me perco diante de uma. E de nada adianta seguir as instruções que comumente estão expressas nas embalagens; em vez de me ajudarem, essas instruções me confundem. Qualquer coisa para mim está sempre muito, muito bem fechada. Meu sangue não tem uma gota de algo que se pareça com o talento do MacGyver, aquele do seriado que fazia proezas com, por exemplo, um chiclete e um grampo para cabelos.

Mais cedo, eu havia pedido cartuchos de tinta para a impressora. Chegaram há pouco. Um dos cartuchos é para imprimir em preto-e-branco; o outro, em cores. O que imprime em cores está ainda intocado; há trinta e dois minutos estou lutando para tentar abrir a embalagem do que contém tinta preta. Até agora, o fracasso é vergonhoso.

Na embalagem, há a instrução de como ter acesso ao cartucho. Procurei segui-la. Além do mais, anos de convivência com a língua inglesa têm de servir para algo de vez em quando. No invólucro do cartucho, há uma lingueta na parte superior; nela, lê-se: “Open (tear open here)”. Confiando em meu inglês, manejei a lingueta, a qual acabei destruindo, sem conseguir abrir o continente do cartucho, que, lá de dentro da embalagem, dando gargalhadas estrondosas, zomba de mim. Se num futuro remoto eu conseguir abri-la, haverá depois o drama de tentar inserir o danado do cartucho na impressora... 

ANTES

Numa exceção, 
encolheram o nome dele
depois que ele nasceu. 
Foi assim que Irineu
começou a vida
avant la lettre

SUPERFICIAL

A neve sobre a grama,
um quadro de Van Gogh,
a capa de The dark side of the moon,
a textura da pétala,
a casca da romã,
o livro em Braille,
a cor de tua pele:
nem toda superfície
é fútil. 

(DES)APONTAMENTO 42

Amigo comenta que foi dispensado do serviço militar porque o peso dele não era o bastante para os requisitos do exército: na época, esse amigo pesava quarenta e cinco quilos. Foi a partir desse episódio que o Kundera chegaria ao título “A insustentável leveza do ser”. 

VERMELHIDÃO

sábado, 7 de novembro de 2015

A TOALHA

Tatiana acordou. Teve um sonho ruim, em que um ônibus, estando na pista central das três que compunham percurso de rodovia, tentou pegar a da direita. Só que o acesso ousado pelo motorista era nada mais do que um barranco. Mal começara a atravessá-lo, o ônibus se descontrolou. Tatiana acompanhava a cena dirigindo um carro que seguia atrás do ônibus. Quando ele chegou à pista que era seu objetivo, tombou. Nesse momento, Tatiana acordaria.

Durante alguns minutos, ficou se perguntando que significado o sonho teria. Não chegando a conclusão alguma, prometeu a si mesma começar, finalmente, a leitura de “A interpretação dos sonhos”, do Freud. A manhã ainda não estava aberta, mas nesgas de luz se insinuavam pelo quarto através da janela. Pela respiração de João Carlos, marido dela, Tatiana sabia que ele ainda dormia pesado.

Com passos sonolentos, ela entrou no banheiro. Assim que olhou para a direita, viu a toalha no suporte, ao lado do espelho. Intuiu naquele instante que o dia dela seria terrível. Ficou olhando para a toalha, que, a rigor, não estava pendurada, mas embolada no suporte, entre este e a parede. Há anos aquilo a irritava. 

No auge da paixão, relevam-se coisas que depois passarão a espezinhar. Nos meses seguintes ao casamento, Tatiana ignorava o modo como a toalha era deixada no suporte por João Carlos. Duzentos e treze dias depois de estarem casados, ela pediu ao marido que não deixasse a toalha daquele jeito, mas, sim, que a pendurasse, para que ela secasse rapidamente, para que não ficasse com cheiro ruim. Como o pedido foi infrutífero, ela voltou a abordar o assunto com o marido, argumentando que sempre tivera um certo asco quanto a toalhas, e que não era higiênico deixar uma toalha toda espremida entre o suporte e a parede. De nada adiantou. Meses depois, veio uma discussão. Ela não segurou: “Será que o senhor é tão incompetente que não consegue pendurar uma toalha?”.

Depois da discussão, a toalha viveu dezesseis dias de estiramento. Passado esse tempo, voltou a ser o chumaço criado diariamente por João Carlos. A fim de evitar brigas, Tatiana não expressava o incômodo que sentia. Dois filhos e seis anos se passaram. Naquela manhã em que sonhou com o ônibus, levantou-se e se deparou com o bolo entre a parede e o suporte. Houve em Tatiana algo inédito, a clarividência com a qual admitiu o que vinha se insinuando há tempos, mas que ela, a princípio, negara para si mesma: não mais suportava a convivência com o marido. Tempo houve em que isso foi apenas um sussurro, um sopro. As repetidas miudezas do cotidiano, de mansinho, fizeram com que aquilo que era uma nuvenzinha fosse se agigantando até o ponto em que ela teve a certeza de que não queria mais viver com João Carlos.

Encarando a toalha toda embolada, ela não sabia se sentia mais raiva do marido ou de si mesma, por não ter tido a coragem de acabar com um relacionamento cujos sonhos e alegrias não mais existiam. O que havia era um arremedo de casamento, um teatro social e familiar. Deixando de olhar para a peça no suporte, mirou-se no espelho, perguntando-se o que tinha feito da própria vida. De onde estava, pôde ouvir o marido mudar a posição do corpo na cama. Mas ela sabia que ele ainda não acordara. Olhando-se no espelho, disse em voz baixa: “Tenho trinta e um anos”. Sentiu-se velha. Reparou nas rugas, que ainda eram incipientes, mas que lhe pareceram profundas e ancestrais. Culpou-se por não mais querer o marido, pois sabia que ele a amava; culpou-se por não conseguir passar por cima dos defeitos dele; culpou-se por não ter deixado de sonhar com alguém mais idealista, mais ambicioso, mais cheio de ímpeto; culpou-se por cozinhar para ele de modo automático, por fazer amor de modo automático, por ostentar uma alegria automatizada. Teve vontade de chorar. Por segundos, voltou a olhar para o que considerou um trapo entre o suporte do banheiro e a parede. Apoiando as mãos na pia, estava se observando outra vez. Esquadrinhava o rosto quando disse, novamente em voz baixa: “Você precisa mudar de vida, Tatiana”. Depois, jogou a toalha. 

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

"MEDIANERAS"

É muito bom quando filmes ou livros continuam existindo dentro da gente depois de conferidos. Há filmes ou livros que nos deixam com saudade. Já estou com saudade de “Medianeras” (2011), do diretor Gustavo Taretto; o roteiro é dele também. No elenco, Javier Drolas (Martín) e Pilar López de Ayala (Mariana).

O filme é um delicado e reflexivo retrato do que são as relações (amorosas) no mundo de hoje. Na execução, Taretto fez com que Buenos Aires se tornasse, por assim dizer, personagem do filme. Mostra-se a relação do homem com as grandes cidades. Cada pessoa acaba sendo mais uma em meio às multidões. Em outras palavras: a solidão de cada um em meio aos aglomerados. 

Se a cidade é cenário, também é cenário a clausura de cada um. Pessoas fechadas em apartamentos e fechadas em si mesmas — mas que procuram gente, ainda que diante de um teclado de computador. Procurar gente é também um modo de querer ser achado. 

“Medianeras” faz uma terna e delicada reflexão sobre as relações virtuais em que, se, por um lado, há comunicação, por outro, cada um está em seu próprio lugar, diante de seu próprio monitor, digitando sua solidão. Comunica-se com o mundo, é verdade, mas não há o encontro físico.

Como toda obra artística primorosa, “Medianeras” possibilita desdobramentos. São elementos do enredo a função social da arquitetura, a despersonalização que as metrópoles ou as multidões causam, o paradoxo da solidão humana num mundo que possibilita, graças à tecnologia, o contato com o antípoda. Com ar despretensioso, o filme diverte e convida à reflexão.

Os percursos de Martín e Mariana acabaram me remetendo ao belo poema “Amor à primeira vista”, da autora polonesa Wisława Szymborska. Certa vez, quando escrevi sobre o filme “O voo”, também inseri o poema de Szymborska em meu comentário. Pela segunda vez, uma produção cinematográfica me remete ao texto dela, que transcrevo a seguir. A tradução é de Regina Przybycien.
_____

Amor à primeira vista — Wisława Szymborska

Ambos estão certos 
de que uma paixão súbita os uniu. 
É bela essa certeza, 
mas é ainda mais bela a incerteza.

Acham que por não terem se encontrado antes 
nunca havia se passado nada entre eles. 
Mas e as ruas, escadas, corredores 
nos quais há muito talvez se tenham cruzado?

Queria lhes perguntar, 
se não se lembram — 
numa porta giratória talvez 
algum dia face a face? 
um “desculpe” em meio à multidão? 
uma voz que diz “é engano” ao telefone? — 
mas conheço a resposta. 
Não, não se lembram.

Muito os espantaria saber 
que já faz tempo 
o acaso brincava com eles.

Ainda não de todo preparado 
para se transformar no seu destino 
juntava-os e os separava 
barrava-lhes o caminho 
e abafando o riso 
sumia de cena.

Houve marcas, sinais, 
que importa se ilegíveis. 
Quem sabe três anos atrás 
ou terça-feira passada 
uma certa folhinha voou 
de um ombro ao outro? 
Algo foi perdido e recolhido. 
Quem sabe se não uma bola 
nos arbustos da infância?

Houve maçanetas e campainhas 
onde a seu tempo 
um toque se sobrepunha ao outro. 
As malas lado a lado no bagageiro. 
Quem sabe numa note o mesmo sonho 
que logo ao despertar se esvaneceu.

Porque afinal cada começo 
é só continuação 
e o livro dos eventos 
está sempre aberto no meio. 

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

APONTAMENTO 289

A vida é um ensaio, diante da plateia, para um show que não ocorrerá. 

LIÇÃO DE EMPREENDEDORISMO

César, 
Antônio, 
Rejane, 
Tatiana, 
Cássio 
Freitas 
são colegas de trabalho.

Fora de lá, 
César dá aulas particulares de matemática, 
Antônio faz aula de dança, 
Rejane cultiva orquídeas, 
Tatiana estuda à noite, 
Cássio pinta quadros.

Freitas quer ser promovido. 
Em evento da empresa, propõe tarefa. 
Pede que
César, 
Antônio, 
Rejane, 
Tatiana
e
Cássio
fiquem todos sobre um só jornal. 
Liga o som e os conclama a dançarem rumba.

Depois, ele mesmo, Freitas, 
antes de sua fala, 
sobe numa mesa grande, 
imita macaco, cuincha. 
Boa parte dos funcionários fica exultante. 
O dono da empresa achou tudo engraçado. 
Chorou de rir. 
Em seu discurso, 
disse que toda a equipe
deveria se espelhar 
no espírito empreendedor de Freitas. 

domingo, 1 de novembro de 2015

FOTOPOEMA 380

O NÃO VIAJANTE

Sempre me espantou o quanto o homem é um animal que viaja. Admiro esse espírito. Muito antes de haver os meios de transporte de hoje, o ser humano já percorria milhares de quilômetros, valendo-se das próprias pernas, das pernas dos outros animais e de embarcações. Esse ânimo para percorrer longas distâncias sempre me impressionou. Vivo me perguntando como as pessoas acham disposição para ir tão longe. Eu, quando tenho de ir, por exemplo, a Lagoa Formosa (que deve ficar a uns vinte quilômetros de Patos de Minas), já acho melhor ficar por aqui mesmo. Independentemente do meio de transporte, minha preguiça de sair de onde estou é maior do que qualquer anseio de ir a algum lugar. Não bastasse isso, fazer e desfazer malas é muito maçante. Melhor ficar quieto. 

ATLÉTICO 0x3 CORINTHIANS

O Corinthians está entrosado, tem bons jogadores e bom treinador. Levando-se em conta a matemática, o time ainda não é o campeão do torneio. Mas tem tudo para ser. O único time que poderia ameaçá-lo era o Atlético.

A equipe mineira é mais aguerrida do que técnica. Não que o Atlético seja um time ruim, mas o Corinthians é melhor do que o Galo. No jogo de há pouco, a despeito da maior posse de bola do Atlético, a equipe de São Paulo teve paciência e soube ser letal.

Ainda que tivesse perdido o jogo, o Corinthians continuaria o favorito para a conquista do título. Depois da vitória de hoje, é muito difícil que isso não ocorra.