terça-feira, 22 de agosto de 2017

Apontamento 368

Que haja amor sem ingenuidade, pois ela estraga não somente o amor. O amor de que falo implica ausência de ingenuidade, que não é a mesma coisa que falta de humor ou falta de senso de pureza.

O mundo sempre foi um lugar violento, desonesto, desleal, perigoso. Não saber disso ou não se precaver contra isso é de uma ingenuidade que pode ser fatal. Não ser ingênuo não torna ninguém imune aos perigos do mundo. Todavia, é menos arriscado viver com a noção das armadilhas do caminho.

Para muitos, não há lugar para o amor num mundo tão conspurcado e burro. Contudo, o amor pode ser encarado como rebeldia, ato de coragem, ousadia, não rendição ao que o mundo nos oferece de ruim todos os dias. Amor é força, é energia. Aquele que tem a coragem de exercer, sem ingenuidade, essa força dá a mais poderosa e loquaz negativa contra o que o que há de estúpido.

Que se supere a ingenuidade, que se busque a maturidade, que a maturidade traga amor. Perigos estão à espreita, a tolice grita. Num cenário em que a selvageria dirige carros, publica em redes sociais ou mata o próximo por ninharias, amar é resistência. 

Perfil

O silêncio dele é imbecil.
O barulho é burro.
A voz é gritante. 
Os textos são em caixa alta.
O ódio é maiúsculo. 
A ignorância é em negrito.

Não sabe que é tolice
o nome do que se orgulha.
Desconhece matizes, nuanças,
sutilezas, semitons.
A disciplina que o excita
é fardada, bate continência.
Ele não sabe que não sabe quem é.

Quando sofre,
a culpa é do outro.
Quando o sexo não se eleva,
a culpa é do outro.
Quando é rico,
tem nojo de pobre.
Quando é pobre,
tem nojo de pobre.

Tosquiaram-no, mas ele não sabe.
Está nu, mas é bufante.
Inchado e doente,
bafeja a morte,
alicia os iguais,
alija os diversos.

Ama o país;
quer construir um muro para dividi-lo.
Ama o estado;
quer construir um muro para dividi-lo.
Ama a cidade;
quer construir um muro para dividi-la.
De tijolo em tijolo, faz ruir.
De tijolo em tijolo, está ruindo.