sábado, 31 de dezembro de 2016

2016-2017

Neste ano, vi
homem matando homem,
guerras de um país contra outro,
guerras dentro de um mesmo país.

Vi
amores que não deram certo,
talentos que morreram,
políticas que mataram,
vidas que se penduraram em cordas,
caminhões que esmagaram celebrações.

Vi
a truculência do não argumento,
a indiferença de quem tem demais,
panelas que bateram no ritmo do preconceito,
mídias se aliançando com golpistas.
Vi a guerra do Brasil contra si mesmo.

No ano que vem, verei “mais do mesmo”.
Há coisas de sempre que seguirão edificando suas casas sem janelas.
Todavia, não sei o que será da mistura entre 
o velho imprescindível e o novo instigante.
Não sei do novo verso,
das releituras,
do novo encontro,
dos reencontros,
dos novos amigos,
dos amigos de sempre.

Ainda nem sei o que a velha esperança é capaz de fazer.
Haveremos de saber. 

"A redoma de vidro"

Sylvia Plath (1932-1963), autora estadunidense, é conhecida como poeta. Publicou um único romance, “A redoma de vidro” [The bell jar], lançado em 1963. Foi a leitura que terminei há pouco. No Brasil, é comercializado pela editora Biblioteca Azul. A tradução é Chico Mattoso.

A obra está na linhagem do que a crítica chamaria de autoficção, em que autobiografia e ficção se misturam, sem que saibamos com exatidão o ponto em que uma termina e a outra começa. “A redoma de vidro” conta a história de Esther Greenwood, brilhante jovem criada nos arredores de Boston. Esther tem a acesso a prestigiosa universidade, a partir da qual consegue bolsa para estagiar um mês numa revista feminina em Nova York.

O que era para ser algo promissor acaba se tornando o começo da derrocada de Esther. A obra, em sua primeira metade, diverte, em função da imaturidade e do humor seco de Esther, que é a narradora, uma narradora divertida e imatura. Num tom displicente, ela vai contando sobre o período que passa em Nova York.

Todavia, mal começada a segunda metade do livro, o caráter de leveza e de ingenuidade some de súbito. O que antes era não mais do que o relato de uma jovem talentosa com um mundo de oportunidades se descortinando se transforma num calvário que a leva a tratamentos de choque em clínicas psiquiátricas.

Do mesmo como narra, digamos, as impressões que teve sobre um vestido, ela conta sobre os procedimentos médicos pelos quais passou nas clínicas ou sobre os pensamentos suicidas que rondam a mente dela. Não importa o que ela conte, seu tom não muda. Nessa curiosa estratégia, de uma página para outra, deixamos de encarar a obra como retrato de um mundo juvenil; o enredo até então descompromissado cede lugar a uma narrativa que perscruta a mente de quem rui por causa de um colapso depressivo. 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Haicai 49

A folha e seu invento:
quando se descola da árvore,
acomoda-se no vento. 

Marcela Temer na capa da Veja

Marcela Temer é capa da Veja. Na manchete, lê-se: “Marcela Temer, a aposta do governo”. Abaixo, tem-se: “Com uma agenda de aparições nacionais, a jovem e bela primeira-dama vira a grande cartada do Palácio do Planalto para tirar a popularidade do atoleiro”.

De cara, tem-se o óbvio: a própria revista assume o atoleiro. Só que a Veja veicula a “solução”: exibir uma mulher bonita resolveria a impopularidade de Temer. Ou seja: o presidente passaria a ser bem visto pela população por ter uma esposa bonita.

Sei que esse exercício de interpretação que faço é rasteiro, óbvio, mas palavras óbvias, dentre outras coisas, podem fazer com que nos demos conta de certas estratégias. A da Veja conta com a burrice e com a superficialidade dos leitores. ou com a má-fé deles.

Quando eu era pequeno, um ditado popular circulava: “Por trás de todo grande homem há uma grande mulher”. A sentença, a rigor, conclamava as mulheres a ficarem na coxia enquanto os maridos estivessem no palco.

Marcela Temer parece assumir o papel que a própria Veja lhe atribuiu: “Bela, recatada e do lar”. Só que Temer e Marcela são uma espécie de paródia do ditado, por terem se tornado a prova de que uma (grande) mulher pode estar por trás de um pequeno homem também.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

A história por trás da foto (99)

Tirei esta foto na segunda-feira (26/12), às 19h40. Eu estava prestes a sair com a câmera para a rua, a fim de fotografar as cores no céu no momento em que o Sol estava se pondo. Como havia a possibilidade de chuva, fechei a parte de metal da janela de meu quarto, deixando a parte de vidro aberta. Foi quando percebi a luz solar passando pelas frestas. Decidi registrar. 

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

“Como conversar com um fascista”

Terminei de ler “Como conversar com um fascista” (2016), da filósofa Marcia Tiburi, publicado pela Record. O livro é uma tentativa de entendimento político-filosófico do Brasil contemporâneo, cuja população tem se negado ao diálogo. Ele, diálogo, implica, é claro, a palavra. Negar-se à palavra é criar em si o vazio. Nesse vazio, instaura-se o ódio, que acha terreno fértil na ausência do discurso, do diálogo, da palavra.

A premissa de Tiburi é a de que só o diálogo levaria à compreensão profunda e profícua de si mesmo e do outro. Na ausência da palavra-ponte que nos ligaria a esse outro, parte da sociedade do Brasil contemporâneo tem se dedicado a reproduzir clichês midiáticos não raro preconceituosos. Em “Como conversar com um fascista”, a filósofa se detém sobre a atualidade brasileira, em que a busca de discursos coerentes tem cedido lugar a manifestações de ignorância.

Marcia Tiburi se debruça sobre o Brasil de agora, sobre o momento político de hoje, sobre as implicações das redes sociais, que podem tanto contribuir para o debate democrático quanto para o compartilhamento de preconceitos. Todavia, o mergulho no Brasil de hoje não impede a autora de perscrutar nosso passado, a fim de se buscar um entendimento maior do que é ser brasileiro.

Com essa abordagem, é inevitável que, em alguns dos breves ensaios do livro, Tiburi aborde a questão da chegada de Colombo à América e do genocídio dos índios brasileiros quando da chegada dos portugueses. O livro, embora tanto relate a quebra da alteridade, tem nessa mesma busca da alteridade a sua essência. 

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A história por trás da(s) foto(s) (98)

Ambas as fotos desta postagem foram tiradas hoje, às 19h41. A de cima é a primeira; segundos depois, tirei a de baixo. O procedimento foi simples: fiquei em frente ao portão aqui de casa. Virando-me para a direita, tirei a foto do Sol se pondo atrás das nuvens; virando-me para a esquerda, tirei a foto de baixo. As duas são instantes quase simultâneos de dois “lugares” do céu. 

Em breve, mais um livro

domingo, 25 de dezembro de 2016

À tona

Quando houver silêncio, 
escutarás o que calas.
Em horas calmas, 
não raro escuras,
irrompe o não dito.
É quando confessas 
para ti mesma
o que de ti mesma
fingiras esconder. 

O último Natal de George Michael

George Michael tinha cinquenta e três anos. Inicialmente, fez sucesso como integrante de uma dupla chamada Wham!, que arrebentou em meados da década de 80; o grande sucesso deles foi a canção “Careless whisper”, que, certa vez, um crítico da Bizz (de cujo nome não me lembro), revista que era dedicada ao mundo do pop/rock, considerou uma das grandes baladas da música pop. George Michael morre no dia de Natal. Numa dessas ironias da vida, há uma canção do Wham! intitulada “Last Christmas”. 

Amor não havido

Amor não havido não deixa de ser uma história.
O que não se concretizou também se conta.
Amor não havido fica sonhando,
prossegue sem se conformar.
Numa ausência nítida e pesada,
insiste em não aceitar a ausência.
Fica na boca o gosto do que poderia ter sido,
o braço ergue a taça em brinde sem graça.
Em amor não havido, o devaneio especula: “E se?”,
o corpo fica sem outra pele para tocar.
Amor não havido rende não se rende a
a uma esperança sem forma e oca. 

Em Patos de Minas

Porte

Tua altura me eleva.
Teu passo de quem aprendeu
a se permitir me atiça.
Teu caminhar altivo
me inspira a compor
minha estrada.
Tendo feito as pazes
com o passado,
és um presente
gostoso e sensual. 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Ah, essas crianças

Certa vez, o Pedro Bial, cobrindo um evento de rock pela Globo, disse, sobre “Sweet child o’ mine”, do Guns n’ Roses. “A canção de ninar dos roqueiros”. Não conheço os “bastidores” da letra, mas a definição do Bial é exata, mesmo a canção podendo não ser exatamente sobre uma criança (ou para uma criança), a despeito da ternura que expressa.

Lembro-me, por exemplo, de “Go gentle”, do Robbie Williams. É uma das canções mais ternas que conheço. Sempre tive comigo que na letra um eu lírico masculino se dirigia com delicadeza à mulher com quem mantém (ou quer manter) relação de amor. Um homem que quer cuidar da mulher que ama, que a aconselha a ter cuidado com as armadilhas do mundo.

Numa das versões ao vivo da canção, Robbie Williams disse que “Go gentle” é sobre a filha dele. O saber disso não anula a ternura da letra da canção. Só que eu não pensava nela como sendo sobre o amor paternal, mas, sim, sobre o amor (também carnal) sentido por um homem em relação a uma mulher. 

Em flor

segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Novamente, Led Zeppelin

Escutar Led Zeppelin é imperioso para o corpo. A pegada deles liga o que temos de visceral, selvagem, libertário, rebelde. A banda é a antítese da caretice, do comedimento, da assepsia palatável. Led Zeppelin faz vibrar o corpo, levando-nos a vislumbres do que temos de básico — o que é nos conduzir à transcendência. 

domingo, 18 de dezembro de 2016

Cheiro

Da poesia quero, agora, o cheiro.
Aroma para que o poema me habite,
fragrância para que eu inale tua essência.
Vida cheirando a amor é mais gostosa.
Vida cheirando o amor é mais inteligente. 

Nome

Já tentei.
Não sei como nomear
tua ausência.
À tua presença, 
dou o nome de amor. 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Convivência

Quando leio,
eu me leio.
Quando leio,
eu me livro. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Além do horizonte

Alguns se embaralham quando têm de virar à esquerda ou à direita, não raro trocando uma pela outra. Nunca foi meu caso. Só que no primário eu fazia confusão entre vertical e horizontal. Foi quando um colega de sala me passou um macete de que nunca me esqueci, ao mesmo tempo em que me concedeu um instante da mais genuína epifania: “Pra você não confundir, é só lembrar que ‘horizontal’ vem de ‘horizonte’”. 

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Diante

Diante do espanto do que és,
do que sou,
do que são.
Diante das formigas,
das galáxias.

Diante da política,
das canções,
do futebol,
do legado de Einstein.

Diante da leitura,
da ressaca,
da mulher bonita,
do tombo,
do ensaio,
da comida,
da entrevista,
da tolice,
da infância,
do divórcio,
de Hamlet,
do sono,
do cosmopolitismo,
da preguiça.

Diante de mim,
a ânsia que sou,
que é a de transformar
em palavras o que
está diante de mim.

O tamanho do Universo

Qualquer um que tenha um conhecimento pueril sobre o que é o Universo (meu caso) sabe que ele é maior do que o que nossa mente é capaz de abarcar. Há sempre uma nova revelação dando conta de que ele é muito, muito maior do que o anteriormente concebido.

A última notícia que li sobre a imensidão dele foi publicada no jornal The Independent. De acordo com a publicação, há tantas estrelas por aí, que era para não ficar escuro quando há aquilo a que chamamos noite. Segundo números atuais, há dois trilhões de galáxias (o número anterior dizia haver de cem a duzentos bilhões).

Se me dissessem haver, digamos, um milhão de estrelas por aí, eu já ficaria espantado. Uma galáxia contém estrelas; o novo número diz haver dois trilhões de galáxias. Com esse tantão de estrelas, de acordo com a matéria do Independent, era para ser claro mesmo depois de o Sol ter se posto; se não é, isso se deve a uma parede de hidrogênio entre nós e a luz das estrelas distantes.

Volto aos dois trilhões de galáxias: não bastasse esse número, que logo, logo será suplantado, o texto do Independent diz que há estrelas tão distantes de nós, que o Universo ainda não é velho o bastante para que a luz delas tenha chegado até aqui. Há uma maravilha nisso que não cabe em meu universo.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Fios

Teu fio levaria até nós.
Meu fio começaria em nós.
Teu fio é cosido com sonhos.
O meu seria tecido com linhas.
Teu fio é imaginado na distância.
O meu seria alinhavado na proximidade.
A beleza de um é poética.
A beleza do outro não houve. 

Apontamento 355

Que as pessoas podem ser sacanas ou perigosas, qualquer um sabe disso. Mas para se perceber a beleza que pode haver nas pessoas é preciso maturidade. 

Se

Se minha mão pudesse
pegar a tua...
Se meus lábios pudessem
beijar os teus...
Se meu tesão pudesse
entrar no teu...

Fosse assim,
minha vida
tocaria a tua.
Assim fosse, 
o amor ficaria tocado. 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Apontamento 354

Não espero pela ocasião certa: quando ela chegar, posso estar morto.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Temer/Trump

A IstoÉ elegeu Temer o grande brasileiro do ano 2016 (sic). A Time elegeu Trump a pessoa do ano (sic). Do you get sick? 

Revelação

Foste deus o tempo todo,
mas não soubeste.
Agora que morreste,
não há como saberes.

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

Curva

Se não sabes 
o que a curva traz, 
pega leve. 

Nunca se sabe 
o que a curva traz. 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Batalha

Publiquei o poema abaixo aqui no blogue em 2012. Na ocasião, fiz um “vídeo” com o texto.
_____

Contra a lesma, sal.
Contra a preguiça, teimosia.
Contra o gol, defesa.
Contra o hiato, ditongo.
Contra a castidade, chave.
Contra o segredo, fofoca.
Contra o peixe, pescador.
Contra o medo, palavra.
Contra o grito, beijo.
Contra o ódio, Cristo.
Contra a barriga, chope.
Contra o ninho, tucano.
Contra o cruzeiro, naufrágio.
Contra Deus, Saramago.
Contra o sapato, pé.
Contra o blefe, zápete.
Contra o vampiro, alho.
Contra o sexo, rotina.
Contra o vinho, pressa.
Contra a claque, silêncio.
Contra a barba, lâmina.
Contra a comida, destempero.
Contra o sorriso, cárie.
Contra a voz, gelado.
Contra o amanhã, suicídio.
Contra o zíper, tesão.
Contra a pipoca, piruá.
Contra o enigma, Einstein.
Contra a solidão, cachorro.
Contra a telha, goteira.
Contra o pássaro, gaiola.
Contra o sítio, hacker.

Contra a morte...
... nada... 

Em branco

Pondo-se

Silente

Fosse a teu lado,
eu olharia para ti
em teu silêncio,
eu te tocaria
em teu silêncio.

Longe dele,
o meu não é bom.
Mas, ainda que
à distância,
tuas palavras
avivam o
silêncio meu.

Ignorância rebaixada

Um dos problemas do ignorante é supor que o outro é tão ignorante quanto ele. Um dia desses, havia um carro prata em frente ao bar em que eu estava. Ocupando todo o vidro de trás do automóvel, um adesivo. Na parte esquerda dele, um desenho com o dedo médio da mão em riste.

Isso, por si, já seria agressivo, desnecessário. É como o caso que comentei em texto anterior, sobre pessoa num restaurante usando camiseta em que se lia “fuck you”. No caso do adesivo do carro, à direita dessa mão com o dedo em riste, os seguintes dizeres: “Não adianta encostar nem buzinar. Vou passar de lado”.

A princípio, não entendi o sentido da agressão. Foi quando alguém no bar me explicou que os dizeres no adesivo foram usados por se tratar de um carro rebaixado; quando esse tipo de veículo tem de passar sobre um quebra-molas, o motorista manobra para que o carro passe de esguelha, pois, se assim não for, o soalho, rente ao chão, vai raspar no quebra-molas.

De antemão, o sujeito agride, ainda que não tenha sido agredido. Ele exibe o dedo médio em riste e diz que a buzina do outro de nada vai adiantar — mesmo o próximo nada tendo feito. Antecipando uma agressão que não veio, o indivíduo agride. Além do mais, ainda que essa agressão já tenha vindo, isso não é justificativa convincente para se usar o adesivo.

Nada há nada de errado em dirigir veículos rebaixados; cada um faz de seu carro o que bem entender. O que é ofensiva é a manifestação da premissa de quem já vê na outra pessoa um agressor. O sujeito já partiu para o embate, na tentativa de afastar de si o próximo, que, na ótica de quem porta um adesivo desse teor, é o problema, sem se dar conta de que entrave e agressão já partiram é de quem se orgulha em exibir pelas ruas desenho e dizeres tão ignorantes.

A mulher que és
não pode deixar de praticar
a mulher que podes ser.
Assume teu corpo,
ousa teu pensamento,
exerce teus dons.

Veste a mulher que és,
tira tua feminilidade do cabide.
Joga fora certas coisas que te cobrem,
seja passado sem remédio
seja roupa meticulosa.

Não te escondas da vida,
não te escondas de ti.
Abusa de ti.
Há toda uma mulher a teu dispor.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Sintonia Fina — edição 35


Adam Levine — Purple rain
Léo Jaime — Charme do mundo
Noah and the Whale — Blue Skies
Marcos Sabino — Reluz
Eddie Vedder e Nusrat Fateh Ali Khan — The long road
Marisa Monte — Não vá embora
REM — Oh, my heart
Tavito e Paulinho Moska — Rua Ramalhete