terça-feira, 31 de julho de 2018

Apontamento 377

Leio para estudar o idioma, para me estudar, para te estudar. Ler é um modo de amar, um jeito de amor. 

Fotopoema 419 / Haicai 71

Fotos com drone (1)










Garoto-propaganda afiado

Do ponto de vista estritamente comercial, o anúncio da Gillette estrelado por Neymar é um sucesso. Ainda sob a ótica marqueteira, investir num texto piegas foi a decisão certa, pois a pieguice comove muitos. O tom é de se buscar uma simbiose entre o "herói" e o público. Se os dois estiverem em sintonia, o "herói" erguer-se-á.

Esse é o astral da estratégia. Todavia, nessa vida tão multifacetada, nem tudo é dinheiro. O comercial soa falso não só pela abordagem melosa, mas porque o jogador não caiu num sentido metafórico. As quedas dele em campo, não importa se fingidas, não importa se inevitáveis, compõem o que faz parte da profissão dele: todo jogador de futebol cai. Ao querer transformar as quedas em campo de Neymar em metáfora que simbolizaria o erguer de quem estava arrasado, a peça publicitária parte da premissa de que houve derrocada do jogador fora (e dentro) de campo, o que não ocorreu. Tanto é assim que num evento ocorrido recentemente em São Paulo, o pai do jogador disse que a carreira do filho continuaria sendo gerenciada como vinha sendo. O comercial da Gillette prova que o pai do atleta falou a verdade.

Neymar não é um derrotado, não caiu, não ruiu. Mesmo nunca tendo sido eleito o melhor do mundo (numa premiação em que um sujeito como o ex-técnico Parreira vota) nem nunca tendo ganhado uma Copa do mundo (título que ele ainda pode conquistar), Neymar é um profissional bem-sucedido. O comercial da Gillette é só a mais recente prova disso.

Tudo na produção foi pensado para causar empatia. Em muitos, causou e vai causar. Só que a pieguice destrói o potencial, a eficácia e o efeito de um texto. Claro que o apelo fácil à comoção era um dos objetivos do comercial. Reitero: foram bem-sucedidos. Mas a ideia de fragilidade e de humanidade veiculada num anúncio publicitário não me comove. Neymar continua sendo um eficiente garoto-propaganda e não é ainda o garoto-futebol que mídia e anunciantes insistem em dizer que ele é. 

sábado, 21 de julho de 2018

Que livro você é?

A edição da revista Quatro cinco um deste julho tem texto de Ramin Bahrani; ele fez refilmagem e roteiro de Fahrenheit 451, que já havia sido adaptado para o cinema por François Truffaut, em 1966. Tanto a versão de Truffaut quanto a de Bahrani têm como base o indispensável livro de mesmo título, publicado em 1953 por Ray Bradbury.

Admiro a coragem de diretores que ousam adaptar para o cinema um grande livro, pois existe a conhecida brincadeira a afirmar que, em geral, livros ruins dão filmes bons e livros bons dão filmes ruins. Tanto o filme de Truffaut quanto o de Bahrani não confirmam a “tese” da brincadeira.

A refilmagem de 2018 incorporou a internete como elemento. Aliás, na distopia do filme, essa internete (ou o desdobramento dela), embora tenha preservado comportamentos bizarros fáceis de serem conferidos em postagens ou comentários de redes sociais ou em sítios de notícias, é a detentora absoluta das mentes dos que nela navegam, algo que já ocorre e que se agiganta mais do que a capacidade de armazenamento dos dispositivos eletrônicos. A distopia no filme de Bahrani tem elementos facilmente identificáveis em qualquer regime totalitário, de modo que não há como o espectador não se remeter, por exemplo, a outra poderosa e eloquente distopia do século XX, 1984, do George Orwell, publicado em 1949. 

Fahrenheit 451 não deixa de tocar a ferida: se a sociedade que exibe é regida por opressores que não querem ter acesso a livros, a conhecimento, a liberdade, assim é por elas, as pessoas, terem permitido que as coisas tomassem o rumo que tomaram. Sem cair em discursos longos ou em libelos juvenis contra a publicidade e contra o controle absoluto nas mãos de poucos, Bahrani não deixa de evidenciar o perigo que há quando a tecnologia, para o cidadão, torna-se um fim em si mesma e não um instrumento para que a pessoa seja alguém melhor, enquanto, para o governo, torna-se ferramenta de esmagamento de individualidades. Essa mesma tecnologia, no filme, faz com que a queima de livros ou de pessoas seja espetáculo curtido e compartilhado, enquanto as imagens ardentes aparecem nas paredes dos edifícios. Mesmerizadas pelo show, as pessoas não têm acesso às palavras que poderiam esclarecer o que ocorre na abafadora atmosfera de Fahrenheit 451.

Em determinado momento do filme, uma personagem diz: “O Ministério tem apagado línguas a fim de apagar o pensamento”. Volto a Orwell; em 1984, há o mesmo procedimento, o de se eliminar a linguagem para se manipular o outro. Aliás, a perda da palavra, do verbo, é o mesmo que acomete os humanos no magnífico O Planeta dos Macacos, publicado em 1963, do Pierre Boulle.

Claro que não é coincidência 1984, Fahrenheit 451 e O Planeta dos Macacos lidarem com a perda da capacidade de verbalização. Reflexos de seu tempo, essas obras têm o cerne das distopias, ou seja, não são exercícios de adivinhação nem são deduções do porvir. Elas são hipérboles ou recrudescimentos de tendências que já estavam presentes na época em que foram escritas. O filme de Ramin Baharani manteve a essência da distopia de Bradbury no universo sufocante que exibe e no amor pelos livros que teima em existir.

O amor pela palavra vai permanecer porque ele é o amor pela humanidade. Podem queimar livros, podem queimar pessoas, podem tentar impedir a rebeldia, podem matar, incinerar, deletar, prender. Não conseguirão impedir o voo das palavras. Vocês passarão, elas passarinho. 

quinta-feira, 19 de julho de 2018

ESPN

Na chamada grande imprensa e nos chamados grandes meios de comunicação, infelizmente, quase que apenas os profissionais da área esportiva têm feito jornalismo contundente no Brasil. Essa contundência faz com que, não raro, resvalem em temas que, a rigor, deveriam ser abordados por colegas de outras áreas. Ainda bem que o bom jornalismo esportivo tem levado em conta não somente o esporte em si, mas tem entendido que há aspectos sociológicos e políticos que se refletem no esporte.

Dos meios de comunicação do Brasil, a ESPN tem feito um serviço louvável. Ao mesmo tempo em que se dedicam a analisar, principalmente o futebol, sob o ponto de vista tático e sob o prisma das contratações e dos bastidores, entendem que há outras facetas que precisam ser mencionadas. Ao mencioná-las, a ESPN faz um jornalismo gigante, ético e de fato comprometido com o país e seu esporte. Muitos não entendem essa abordagem, por preferirem pseudonacionalismos ou patriotadas em formas de gritos. Os que não percebem o poder da sutileza e da inteligência amiúde concluem que a ESPN não torce a favor do esporte brasileiro.

Em redes sociais e em sítios, acompanho alguns dos integrantes da equipe do canal. Um dos que acompanho é o Breiller Pires, que escreve para o El País Brasil. Seja na TV, seja no espaço em que escreve, Breiller se mostra um conhecedor do futebol, das implicações político-sociais-ideológicas que pode haver nele e do idioma. Muitos alegarão que o domínio do português é condição básica para se exercer o jornalismo, mas não é o que tem ocorrido. Por isso, aludi ao português do Breiller Pires, não importa se escrevendo para o El País, não importa se falando na ESPN.

Outro que acompanho, via Twitter, Instagram e Youtube, é o Mauro Cezar. Em suas redes sociais, além de exibir o apurado senso crítico e a aguda inteligência, que já podem ser conferidos na ESPN, o comentarista não se cala diante dos que arrotam ignorância (a resposta do Mauro a um desses sem capacidade de expressão ilustra esta postagem).

Mesmo deixando de ter direitos de transmissão de grandes campeonatos de futebol, a ESPN é um refrigério para os que acreditam no poder que o jornalismo tem. As concorrentes do canal ou apelam para um assepsia acrítica ou para um histrionismo cansativo. A ESPN acerta no tom e na crítica (que assim continuem). O tipo de jornalismo que fazem surpreende, levando-se em conta que a corporação Walt Disney é a dona do canal. Já demitiram o José Trajano, o que foi uma baita perda para a emissora. Mesmo assim, que continuem a fazer no Brasil o que deveria estar sendo feito pelas outras corporações também: jornalismo. 

domingo, 8 de julho de 2018

Resenha sobre meu livro

A “booktuber” Isabella Lubrano, do canal Ler Antes de Morrer, publicou resenha de meu livro Anacrônicas.

sábado, 7 de julho de 2018

Reflexo em campo

É natural que muitos se perguntem o que estava errado quando o Brasil é eliminado de uma Copa do mundo. O torneio de seleções passado, realizado aqui, deixou gritante um traço que não é somente do jogador de futebol brasileiro, mas do brasileiro como um todo: falta de preparo psicológico. Pode haver essa falta de preparo em qualquer idade e em qualquer profissão, e quando se está diante de uma situação drástica ou decisiva, o despreparo desestrutura o indivíduo.

Em 2014, na Copa realizada aqui, a imagem de um Thiago Silva combalido e sentado na bola ilustra a fragilidade psicológica daquele time (e também a deste de 2018). Há momentos na vida em que é preciso haver lastro para que se esteja apto a suportar eventuais grandes desafios. Qualquer um com um pouco de imaginação é capaz de imaginar a gigantesca pressão que há sobre um jogador que disputa uma partida decisiva numa Copa do Mundo. No caso do Brasil, esse jogador não tem na Confederação Brasileira de Futebol uma empresa que se preocupa com o esporte que gerencia. Não bastasse, há o traço sociológico do oba-oba, do improviso, do jeitinho, da ideia de que basta o talento para se ser bem-sucedido em momentos cruciais.

Não faria sentido subestimar o talento, não levá-lo em conta. Só que mesmo em esportes coletivos, o talento, por si, não consegue resolver tudo. E mesmo o talentoso ou mesmo o gênio (o que é algo muito, muito raro), se não tiverem o mínimo de maturidade para lidar com seus talentos (ainda que não haja tal maturidade em outros aspectos da vida), não poderão exercer suas capacidades em plenitude. Mesmo a genialidade requer um mínimo de disciplina.

Não avisto para breve no horizonte uma mudança em nosso famoso jeitinho: o futebol aqui praticado vai continuar sendo comandado pela incompetência da CBF e a ideia (que não corresponde aos fatos atuais) de que somos o melhor futebol do mundo vai continuar sendo bombardeada nas mídias e incentivada por internautas “anômimos” e por ex-jogadores, “parças” que, em redes sociais, repetem chavões que nada acrescentam para a melhoria do futebol, dentro ou fora do campo.

No esporte individual, é possível ao atleta fugir do que é a moeda corrente em seu país de origem. No caso do esporte coletivo, é mais difícil, pois é pouco provável que a maioria dos jogadores de uma equipe tenham a percepção de que há como ser divertido ou espirituoso sem cair no descompromisso ou na crença de que basta o talento para se resolver as coisas.

Numa atmosfera assim, em que a entidade que comanda o futebol nacional é gerenciada por quem nem deve saber o que é uma bola e num país em que disciplina e seriedade são características consideradas caretas, é espantoso o futebol nacional ter tido as conquistas que já teve. Se, como um povo, assumíssemos nossos defeitos e se nos comprometêssemos a assumir que autocomplacência imatura não faz ninguém crescer, isso poderia criar uma onda que chegaria aos gramados. Mas o que chega a eles é o nosso despreparo e nossa falta de disciplina e de seriedade. Poderíamos ser mais, dentro e fora de campo. 

sexta-feira, 6 de julho de 2018

Haicai 71

Na mente, entulho.
Pensamento cismado
é fonte de barulho. 

quinta-feira, 5 de julho de 2018

Textual

Ana não conhecia 
Renato pessoalmente.
Ela sabia que ele
era escritor.
Ele sabia que ela
era apresentadora
de um programa de TV.
Mantiveram contato
por telefone.
No dia seguinte,
ela estava lendo 
um livro dele.
Nesse mesmo instante,
dormindo, ele estava 
sonhando com ela.
Mas só em texto foram
versos de um mesmo poema. 

terça-feira, 3 de julho de 2018

Álbum de figurinhas

Num sonho, 
eu tinha figurinhas
de um álbum.
Todas repetidas.
Se você as quiser,
basta sonhar comigo. 

Oito de julho de 2014

O brasileiro tem vontade de gostar do Brasil, ele quer gostar do Brasil, o que, evidentemente, é ótimo. O lado ruim da questão é que no afã de gostar do país em que nasceu ou em que vive, muitos se apegam a ilusões que não são a essência do que é ser ou edificar uma nação.

Desde quando comecei a lidar com internete, tenho falado sobre futebol, esporte que julgo épico, conforme o que já escrevi. Dito isso, reafirmo que não sou antifutebol. Do que não gosto, é saber que a beleza desse esporte, quando jogado em alto nível, está nas mãos de pessoas que estão se lixando para o esporte do Brasil.

O jeito de alguém torcer é reflexo do que esse alguém é em outros aspectos da vida. Se ele não se preocupa em se informar (sobre o futebol), contentando-se apenas em torcer, isso acaba criando uma cultura que nada acrescenta para ele nem para o esporte. Zoar é uma coisa; levar a sério certas mentiras contadas sobre o futebol praticado aqui é outra.

Depois da eliminação da Alemanha na Copa 2018, ex-jogadores e torcedores brasileiros divulgaram em suas postagens que a organização do futebol alemão nada tem para ensinar para o brasileiro. Disseram platitudes usuais tais como “só o Brasil tem cinco estrelas”, “é preciso respeitar o futebol brasileiro”... Ironizaram o jeito alemão de tratar o futebol deles. Declarações assim somente reafirmam o lado ruim do jeitinho brasileiro.

Quanto à Alemanha, o fato de ela ter sido eliminada na primeira fase desta Copa de 2018 não apaga o vexame do Brasil em 2014, lá em Belo Horizonte. Dizer que a organização da Alemanha não tenha valido a pena por ela ter sido eliminada na primeira fase desta Copa é se esquecer da tunda de 7 a 1 que o Brasil levou.

É justamente o que parte da mídia prega, o esquecimento do avassalador 7 a 1. Fosse haver alguma responsabilidade por parte dessa mídia que prega o olvido ou prega a ausência de informação por parte de torcedores que querem amenizar a derrota do time brasileiro aqui no Brasil, o 7 a 1 não deveria ser esquecido, mas, sim, usado para se aprender alguma coisa.

Todavia, isso não vai ocorrer. A imagem de que somos o país do futebol é mais forte do que qualquer vontade de estudar, de aprender, de ler ou de assumir que a organização de nosso futebol, mancomunado com os barões da mídia, é de um amadorismo que atravanca o progresso desse esporte por aqui. Fia-se no talento, no improviso, no jeitinho; prefere-se ignorar os fracassos. Mas isso não é novo. O jeito de parte do brasileiro e de parte da mídia lidar com o futebol é o mesmo quando se trata de outras questões importantes. 

Tite o Osório

Muito tem sido dito sobre a entrevista do Osório, técnico do México, após a derrota para o Brasil pela Copa. Não entendo o trecho “futebol é para homens”, falado por Osório, como machista. Entendo, no caso dessa entrevista dele, “futebol é para homens” como sendo igual a futebol não é para moleques, não é para meninos mimados. Estando eu correto ou estando eu errado em minha interpretação, não estou errado ao dizer que a crítica do Osório foi contra o Neymar.

Osório argumentou ainda que o jogador brasileiro é um mau exemplo, em função de uma teatralidade desonesta, antiesportiva. Logo, logo, foi resgatada uma entrevista do Tite, concedida em 2012, em que ele critica Neymar pela teatralidade antiesportiva do jogador, quando Tite era o técnico do Corinthians, e Neymar era jogador do Santos. A entrevista de Tite em 2012 e a de Osório depois da derrota para o Brasil nesta Copa têm algo em comum: ambos disseram que Neymar é um mau exemplo.

Tanto Tite quanto Osório escancararam a condição humana. Numa análise ideal, Tite deveria condenar Neymar publicamente (o que ele, Tite, fez em 2012) pela teatralidade do jogador durante esta Copa. Só que agora Tite é técnico do Neymar. Em conversas particulares, o técnico até pode ter chamado a atenção do jogador (não se sabe se isso ocorre(u)), mas, em público, não quer causar um possível mal-estar no time.

Ao defender Neymar agora, durante a Copa, o técnico conferiu dois pesos para a mesma medida, para o mesmo comportamento, para o mesmo jogador. Ao defender Neymar, Tite, no mínimo, foi contraditório. Boa parte da imprensa e dos meios de comunicação parece estar com medo de dizer isso, pois, no todo, o técnico tem sido incensado, bajulado.

Ele foi contraditório, mas exigir dele que não fosse seria esperar demais de um ser humano. Pode-se argumentar, com razão, que no futebol os técnicos quase nunca admitem que erraram ou que determinado jogador deles é desleal ou tem comportamento antiesportivo. A questão é que essa falta de ímpeto ou de coragem ou de sinceridade não se dá somente no universo do futebol. O ser humano, no dia a dia, muito raramente tem a... ousadia de assumir publicamente questões melindrosas ou contraditórias.

As coletivas do Tite são enfadonhas, estudadas demais, delicadinhas em excesso. Não bastasse, há uma parte dos repórteres que o poupam de questionamentos incisivos, mesmo sendo eles necessários. À parte isso, ainda que ele não ganhe esta Copa nem outra qualquer no futuro, Tite já é um sujeito vitorioso na profissão de técnico.

A entrevista em que ele defende Neymar quanto a algo que ele mesmo, Tite, já havia criticado o jogador merece reprovação. Mesmo assim, em situações assim, levo em conta que coragem, rebeldia, ousadia e honestidade não são predicados comuns em nós, não importa a profissão. Isso não elimina a contradição de Tite, mas revela que ele é tão humano quanto eu e quanto você.