terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Minúsculo pela própria natureza

O comunicado (estampado nesta postagem) que o ministério da educação publicou contra Lauro Jardim, há alguns dias, tem dois problemas; um deles é feio, levando-se em conta que se trata do ministério da educação; o outro é muito grave, levando-se em conta que se trata do ministério da educação. O erro feio é o português sofrível do texto; o erro grave são as mentiras, desmentidas posteriormente não somente por Lauro Jardim. O comunicado do MEC tem ainda uma questão estética: ele é todo escrito em caixa alta, que é o correspondente gráfico do grito. O MEC não adotou apenas uma estética de gosto duvidoso: ele emitiu uma nota redigida por alguém que não sabe escrever, publicou-a sem que ela passasse por um revisor e, pior do que isso, mentiu.

A mais recente lambança do ministério foi a carta enviada para as escolas; pedia-se que o hino nacional fosse executado e que os alunos fossem filmados durante a cantoria do símbolo nacional. A missiva é um festival de arbitrariedades contra a constituição: abandona a laicidade e, contrariando os princípios da impessoalidade, ostenta bordão de campanha política; há mais: atenta contra leis de uso de imagem e de privacidade. Uma nova carta será enviada às escolas.

O ato em si de cantar o hino nacional não é sintoma de amor ao país. Há muito sonegador estufando o peito e entoando de modo pungente (essa palavra é muito feia) os versos de Joaquim Osório Duque-Estrada e a música de Francisco Manuel da Silva. Nessa mixórdia, eu me lembrei da letra da canção: “Vamos cantar juntos o Hino Nacional / A lágrima é verdadeira”. 

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Eficácia

O corpo está 
velho, cansado. 
É honesto. 
Sempre foi. 
Nunca deixou 
de trabalhar. 
Triste, 
o corpo decente e 
humano é 
menor 
do que 
indecências.

“Mas um corpo honesto, 
cansado e 
pobre 
serve para quê?”, 
perguntam os indecentes.

Um corpo não 
consegue se aposentar.
Outro se aposenta com quase nada.
Banido da história,
o corpo velho,
cansado e pobre
expira.

Indecências são eficazes. 

Ainda a reforma da previdência

Segundo informa a Folha de S.Paulo, uma das consequências da reforma da previdência será a seguinte: vai incentivar os jovens, especialmente os menos qualificados, a aceitar trabalhos com menos direitos. Na mesma matéria, Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estudos Socioeconômicos), disse haver o risco de que “muitos cheguem aos 60 anos sem trabalho e não tenham uma proteção contra a pobreza”.

O tal do mercado está exultante, pois sabe que a reforma será aprovada. Sabe também que ela tem de ser aprovada mais rapidamente, ciente de que alguma hecatombe possa ocorrer no governo federal, o que dificultaria a aprovação. Empresas, grandes ou não, estão interessadas nessa aprovação, exatamente por, dentre outras razões, terem de arcar com menos obrigações trabalhistas.

Para o trabalhador, a regra é simples: ele terá de trabalhar mais com menos direitos. Dentre outras desumanidades, o texto da reforma da previdência prevê, por exemplo, que uma pessoa entre sessenta e sessenta e nove anos pode receber quatrocentos reais por mês, sendo que esse valor não está ligado a nenhum indexador, o que pode fazer com que, daqui a algum tempo, esses quatrocentos reais podem equivaler a cem.

No entanto, diga-se, quando em campanha, o atual governo nunca sinalizou que estava preocupado com pobres (nem com negros, com homossexuais, com índios, com árvores). O que o então candidato havia dito é que era contra a reforma da previdência. Não me surpreende ele ter mudado de ideia, pois a reforma é deletéria em relação aos pobres. Seria estranha uma atitude dele que favorecesse algum lado mais fraco das relações sociais. A compra de votos de parlamentares já começou. Para fechar, um lembrete: grandes empresas devem quatrocentos e cinquenta bilhões para a previdência. 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

(Des)apontamento 55

Em 1517, Martinho Lutero propôs a reforma da providência. 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Previdência

O mercado, monstro onipresente com cara de mocinho, vem se regozijando com a reforma trabalhista. Agora já está esfregando as mãos para que a reforma da previdência, proposta pelo governo federal, seja aprovada (mais cedo ou mais tarde, será). Os militares? Não estão preocupados com isso, pois estão de fora da futura previdência. Eles estão de olho é na reforma apresentada pelo Moro, que dará a eles carta branca para matarem mais (pobres), alegando “violenta emoção”.

E os parlamentares? Ah, sim, os parlamentares. Os atuais não serão afetados pela reforma da previdência. De quebra, foram escutados pelo Moro, que deixou de fora da proposta apresentada por ele a criminalização de caixa dois (seria causar nos parlamentares violentas emoções).

Tem-se então: boa parte dos parlamentares, capachos das grandes corporações, nada perderão do muito que já têm; elas, por sua vez, já estão fabricando mais látegos. Os militares, de prontidão, estão batendo continência.

E os pobres? Muitos morrerão recebendo, de acordo com texto da reforma, quatrocentos reais por mês. Os que a previdência não matar, emoções violentas matarão. No caixão, os homens podem usar azul; as mulheres, rosa.

Lá do alto, observando, acima de todos, o deus mercado sorri e toma um gole de uísque, contemplando sua obra. E viu que isso era bom. 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

B&B

Os áudios que Bebianno e Bolsonaro enviaram um para o outro são insossos se considerarmos o conteúdo deles. Ainda assim, chamou minha atenção o tom subserviente de Bebianno. No mais, o episódio não vai melar o governo de Bolsonaro, que, de quebra, conta com o peleguismo de seus “exércitos” e de seus acólitos. Mesmo insossas, as conversas, pelo menos, têm momento de humor involuntário por parte de Bolsonaro, que, vetando a ida à Amazônia dos ministros Ricardo Salles e Damares Alves, pergunta: “Quem tá sendo o capeta dessa viagem à Amazônia?”. (A Damares aprovaria as palavras que o presidente usou nessa pergunta?...)

Vade-retro! 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Inteligência banida

Deve ser muito difícil escrever ou falar na obrigação de causar polêmica ou na de vender muito. Causar polêmica é fácil, mas fico pensando em quantos espíritos muito capazes têm de usar seu talento em textos escritos com o único propósito de causar impacto midiático ou com o único propósito de soar polêmico ou, o que é pior, de soar verdadeiro quando não passa de engodo.

Mesmo o público que supõe consumir informação densa ou que a ela tem acesso está acostumado a se guiar pela falta de análise e de profundidade. Para esse público, Boechat morreu porque criticou Malafaia, um texto de meia página é chamado de textão. Esse público, precisamente por ser superficial, vende-se ou rende-se ao “jornalismo” de grupos de WhatsApp, incentiva o “debate” com memes de gosto duvidoso e de teor mentiroso, preconceituoso; é um público que não produz ideias, que não consome ideias. A fim de faturar e de agradar a esse grupo superficial, além, é claro, de manter o cabresto nesses superficiais leitores, espectadores e ouvintes, grande parte da chamada grande mídia não faz jornalismo. O que essa grande parte da mídia tem feito é tão superficial quanto o público que a alimenta e por ela é alimentado, numa danosa, perigosa e acomodada via de mão dupla.

De um lado, o jornalismo não se aprofunda por querer um mau leitor; do outro, o leitor nada exigente continua acessando a grande mídia porque o que ela oferece é palatável, embora esquálido e, não raro, mentiroso. Aquele que quiser uma análise sem os vícios da preguiça e da falta de profissionalismo tem de fugir de veículos consagrados (Veja, Estadão, Globo, Jovem Pan...), os quais iludem muitos consumidores, que acreditam no arremedo de jornalismo dessas e de outras grandes corporações.

Para o ouvinte, o espectador ou o leitor exigente e que não seja bobo, uma alternativa é o jornalismo independente, não vinculado às grandes corporações; outra é o jornalismo do exterior ou o jornalismo de algumas empresas estrangeiras que atuam no país (The Intercept, Le Monde Diplomatique Brasil...).

Inteligências com muito a contribuir nas redações vão sendo banidas das grandes empresas, que passam a dar espaço a subservientes e a pessoas sem lastro como um Kim Kataguiri. São poucos os que sabem escrever, que sabem pensar, que sabem analisar e que não têm preconceitos a ter espaço nas megacorporações midiáticas nacionais. Elas preferem um papagaio puxa-saco a um profissional questionador. Num espaço assim, as grandes inteligências, caso não consigam outro ambiente para trabalhar, não florescem. Pelo menos, não para o leitor, o espectador ou o ouvinte. 

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Superfície

Se o Marcos Pontes contradissesse em público e com veemência (ele não fará isso) os que dizem que a Terra é plana, setores do governo federal resolveriam a questão rapidamente: acionariam ruralistas ricaços e pediriam a estes que passassem o trator sem dó. Fariam planície a perder vista. 

Quatro homens e meio

Levei um susto há pouco. Diante da manchete “homens estão casando com 4,5 homens ao mesmo tempo”, eu a li assim: “Homens estão casando com quatro vírgula cinco homens ao mesmo tempo”; ou então assim: “Homens estão casando com quatro homens e meio ao mesmo tempo”.

Ainda sem entender nada, leio que a fala é atribuída à ministra Damares. Pensei então: “Vindo dela, tudo é possível”. Quando assisti ao vídeo, entendi que a leitura minha deveria ter sido esta: “Homens estão casando com quatro, cinco homens ao mesmo tempo”. Três coisas contribuíram para meu erro: eu mesmo, a Damares e o fato de o redator ter escrito o trecho “casando com 4,5 homens” sem espaço depois da vírgula. Uma redação um pouco melhor seria “homens estão casando com 4, 5 homens ao mesmo tempo”, ou, melhor ainda, “homens estão casando com quatro, cinco homens ao mesmo tempo”.

Precisamente por ser a Damares, ainda fiz, a fim de me divertir, uma rápida conta. Se a ideia fosse a de que um homem estivesse se casando com quatro homens e meio, para se ter números (e seres) inteiros, haveria então que dois homens estariam se casando com nove.

À parte minha incorreta interpretação, fiquei me perguntando de onde a Damares extraiu o dado de que “homens estão casando com quatro, cinco homens ao mesmo tempo”. Terá sido pesquisa realizada durante o “mestrado” dela?
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O texto acima está em meu perfil no Facebook. Elisa Guedes Duarte, cronista e leitora, deixou comentário na rede social: “De toda forma, Lívio, fiquei confusa. Um homem está casando com 4 homens ao mesmo tempo? Está falando de homossexuais polígamos? Seriam haréns gays?”.

Elisa, conforme resposta dada por mim após seu comentário no Facebook, não sei como seria a “logística” de acordo com o “pensamento” da ministra Damares. Ainda assim, tentarei imaginar possíveis cenários, indagações sobre como os enlaces dar-se-iam.

Para que o raciocínio se desdobre, imaginemos, a princípio, cinco hipotéticos homens cujos nomes, para o que importa agora, seriam A, B, C, D e E. A ministra disse que “homens estão casando com quatro, cinco homens ao mesmo tempo”. Digamos, então, que A tenha se casado com B, C, D e E. Nesse caso, B poderia se casar com C, D e/ou E? Ou B, nesse arranjo, teria de se casar com F, “que não tinha entrado na história”? Do que também não sei, é se A, tendo se casado com B, C, D e E, teria de escolher um deles para viverem sob o mesmo teto ou se todos teriam as chaves da mesma casa. Ou isso seria decisão de cada grupo de consortes?

As perguntas são retóricas, tentativas de entendimento sem resposta, pois somente a ministra poderia responder aos questionamentos. Mas posso estar sendo injusto: as respostas podem estar, quem sabe, numa goiabeira ou na “dissertação” de Damares.