quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Canções em casamentos

Recentemente, a Carina Fragozo, responsável, no YouTube, pelo canal English in Brazil, publicou um vídeo em que ela menciona cinco canções que são escolhidas com frequência para serem executadas em casamentos porque parecem românticas. Todavia, esse suposto romantismo estaria nos arranjos, mas não nas letras. Dentre essas canções, Carina menciona, por exemplo, “More than words”, da banda Extreme. 

O vídeo dela me fez lembrar de que aqui em Patos de Minas, é comum os noivos pedirem que “Hallelujah”, a clássica canção do Leonard Cohen, seja executada em cerimônias de casamento. É claro que o casal tem direito de escolher a canção que bem entender. Mesmo assim, tenho a impressão de que parte desses casais não pediriam a execução de “Hallelujah” durante seus casamentos se conhecessem o teor do que é cantado. Ainda no terreno das impressões, outra que tenho é a de que os noivos, talvez, deixem-se guiar pela melodia e pelo pequeno coral. Reunidos — o título da canção, a melodia, o coral e o arranjo — confeririam uma atmosfera “sagrada” ao aleluia de Leonard Cohen.  

Abaixo, tradução da letra. Levei em conta o original gravado pelo compositor canadense. Ele mesmo canta uma versão estendida do texto num show gravado em Londres. Essa versão estendida poderia “redimir” a letra original, para que ela soasse “apropriada” numa cerimônia de casamento. Mesmo assim, ou seja, mesmo levando-se em conta a versão gravada ao vivo em Londres, estão presentes os originais versos “problemáticos” para serem cantados durante um casamento. Não bastasse isso, essa versão tem os seguintes versos:

Bem, talvez haja um Deus lá em cima
Quanto a mim, tudo o que aprendi do amor
É como atirar em alguém que sacou a arma mais rápido do que você
Mas não é um crime você estar aqui hoje à noite
Não é algum peregrino que alegue ter visto a Luz
Não, é um frio e um muito sofrido Aleluia

Agradeço aos músicos Edgar Medeiros e César Braga em virtude das pacientes explicações que me deram quanto ao trecho da letra que faz referências à nomenclatura e às características dos acordes mencionados nos versos da canção. Sem as ajudas do Edgar e do César, eu teria um painel menos vasto do esmero de Cohen. Eis, pois, a tradução, em consonância com a gravação original de “Hallelujah”:  

Agora ouvi dizer que havia um acorde secreto
Que Davi tocava e que agradava ao Senhor [1]
Mas você realmente não se importa com música, não é?
É assim, o quarto, o quinto
O menor desce, o maior sobe
O perplexo rei compondo Aleluia [2]

Sua fé era forte, mas você precisava de prova
Você a viu se banhando no telhado
A beleza dela e o luar sobrepujaram você
Ela amarrou você a uma cadeira da cozinha
E ela destruiu seu trono e cortou seu cabelo
E dos seus lábios ela fez sair o Aleluia [3]

Você diz que levei o nome em vão
Eu nem sei o nome
Mas se eu soubesse, numa boa, o que é isso para você?

Há um clarão de luz em cada palavra
Não importa qual você tenha ouvido
O Aleluia sagrado ou o sofrido

Eu fiz o meu melhor, isso não foi muito
Eu não conseguia sentir, então tentei tocar
Eu falei a verdade, eu não vim para enganar você
E embora tudo tenha dado errado
Ficarei diante do Senhor da Canção
Com nada em minha língua a não ser Aleluia 
_____

[1] O Davi da estrofe é o do antigo testamento. Segundo o relato bíblico, ele gostava de dançar e de compor elegias.

[2] A segunda metade da primeira estrofe é metalinguística: os versos descrevem o que está ocorrendo nos acordes e em seus graus na harmonia da canção.

[3] A segunda estrofe faz alusão a duas histórias bíblicas. Os três primeiros versos envolvem Davi, Betsabeia e o marido dela, Urias. Davi a vê tomar banho, manda buscá-la, ela engravida dele. Não assumindo a paternidade e livrando a barra de Betsabeia, Davi arquiteta para que Urias morra durante uma batalha. Os três últimos versos envolvem Sansão e Dalila, que, depois de insistências, o convenceu a contar para ela qual era o segredo da descomunal força dele. Tendo por fim obtido a resposta, Dalila, mediante pagamento, entrega Sansão aos inimigos dele.
 

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Bacana















Este é o Vicente, conhecido como Bacana (ou como Chazim). Meu pai e o Bacana tocavam juntos com muita frequência. Era comum ensaiarem num cômodo que ficava ali na praça Bandeirantes (quem também participava dos ensaios era o Formiga, de cujo nome não me lembro). Na época em que esses ensaios ocorriam, eu devia ter, suponho, uns sete ou oito anos. O Bacana gostava de bater na corda mais grave do contrabaixo imitando o que seria o embarque de uma locomotiva. Ele começava golpeando a corda e ia gradativamente aumentando o andamento, até o momento em que a “locomotiva” atingia velocidade de cruzeiro. Meu pai sempre me levava a esses ensaios. Eu mal via o Bacana e já pedia a ele algo do tipo “cara, faz a locomotiva”. 

Com muita frequência, passo em frente ao local de trabalho do Bacana, onde ele ainda vive às voltas com instrumentos musicais, com equipamentos de som e com quem lida com música, seja em que nível for. Sempre que eu passava por lá, ocorria-me o pensamento de que eu precisava fotografar o Bacana, um modo meu de homenagear não só um personagem que marcou minha infância, mas também um modo meu de homenagear uma das grandes figuras da cidade. Na sexta-feira, dia 19 de novembro, conversei pessoalmente com ele e mencionei o desejo de fotografá-lo. Ele topou. Fizemos as fotos hoje pela manhã. 

quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Atlético (quase) campeão

Quando o Atlético/MG contratou o Hulk, pensei: “Estão jogando dinheiro fora”. Não jogaram. O jogador é um dos destaques do time, que é cheio de destaques. No que diz respeito ao futebol em campo, as decisões têm sido acertadas. Não sei dizer sobre as finanças e os negócios do clube. Será que amanhã o Atlético será o Cruzeiro de hoje? Não sei. Torço para que não seja, pois esse seria um fiasco não somente para o futebol mineiro, mas para o futebol nacional. Quanto maior o número de times fortes, melhor para o esporte.

Da década de 70 para cá, a única vez em que o Atlético venceu o campeonato brasileiro foi em 1971. Uma das consequências disso é que a maioria da torcida atleticana nunca testemunhou o alvinegro conquistar esse título. O torcedor do time só não se sentirá plenamente satisfeito porque o Atlético não venceu o Flamengo há dias, lá no Maracanã, e porque o Cruzeiro, em tese, assim parece, não vai cair para a série C. Isso não quer dizer que parte da torcida atleticana não se regozije com a continuidade do Cruzeiro na série B. O futebol é como a vida, é a vida em movimento; assim como há na vida, no futebol há Schadenfreude.

De fato, o Atlético não é o campeão brasileiro deste ano. Tem tudo para ser, mas não é. Há jornalistas que andam dizendo que essa recusa em confirmar o time como o campeão brasileiro deste ano é coisa de mineiro, que seria, por natureza, ressabiado, comedido, desconfiado. Nada disso. Boa parte do que dizem sobre o mineiro e sobre o que é a mineiridade é um mito ou um estereótipo. Nem este nem aquele se sustentam diante do que há em meio às montanhas do estado. (Não mineiros dirão que escrever assim é coisa de mineiro.)

O torcedor atleticano não bate o martelo, declarando o time como campeão brasileiro, simplesmente porque esse torcedor seria muito burro se assim declarasse. Uma coisa é o time ser favorito para a conquista do torneio, uma coisa é ter uma das melhores equipes do Brasil, uma coisa é conquistar pontos mesmo quando a equipe não joga bem; outra coisa é não mais poder ser alcançado por nenhum dos adversários. O galo não conta com o ovo da galinha, no que está certo. Seria no mínimo precipitado já se declarar o campeão da peleja.

O efeito psicológico sobre o time, caso o título não venha, pode ser devastador. Em anos anteriores, depois de 1971, o clube esteve com as mãos perto da taça de campeão. Não é novidade disputarem esse título. A novidade é que desde 2003, quando a disputa do torneio passou a ser por pontos corridos, nunca foi tão grande a possibilidade de o Atlético ser o primeiro colocado.

Torcedores imbecis, há deles em todos os times do mundo, assim como há, em todos os times do mundo, torcedores inteligentes. Dito isso, reconheça-se que a torcida do Atlético merece o título que está muito perto de ser conquistado. O Cuca, que não prima por jogos de palavras, disse, todavia, antes da partida de ontem, contra o Corinthians, que era para o torcedor ir para o Mineirão não para torcer, mas para trabalhar.

A torcida foi e trabalhou; a torcida do Atlético trabalha muito. Neste 2021, sendo o time campeão brasileiro, o grito vitorioso, suspeito, embora sem saber se o torcedor atleticano concorda comigo, será mais catártico do que o grito de quando a equipe ganhou a Libertadores. 

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Feijão com arroz

Pessoas com pratos cheios de comida apoiarem um governo que, por enquanto, levou vinte milhões a passarem fome é algo que diz muito sobre os apoiadores e sobre o apoiado.