quinta-feira, 28 de abril de 2022

Fórmula

O mundo progride apesar da burocracia, não por causa dela. O que melhora as coisas são ideias, não preenchimento de formulários inúteis. 

terça-feira, 26 de abril de 2022

Lavoura

A leitura pode ser, em minutos, o tempo da semente, do fruto, da colheita. A leitura é o tempo da vida que eclode, da criatividade que brota, da compreensão que alegra. 

Câncer à brasileira

Que grandes corporações não dão a mínima se causam cânceres ou doenças outras, disso, todo mundo sabe. O que muitos fingem não saber é que no Brasil substâncias cancerígenas, proibidas no exterior, foram ou têm sido liberadas pelo governo federal e estão nos agrotóxicos que por aqui aportam. Seja negligenciando a covid, seja indicando tratamentos ineficazes contra ela, seja louvando tortura, seja elogiando ditadores, seja desmatando, o executivo federal, conotativa e denotativamente, mata rápida ou lentamente. De modo literal e de modo metafórico, o governo da república é um dos cânceres do país. O Brasil tem câncer no corpo. Nada mal para algo que tem o fascismo na alma. 

Cardápio

Senhoras e senhores,
o governo federal liberou:
o câncer está servido.
Pode ser degustado
em grãos, em carnes, 
em verde ou em goles.
Águas fascistas 
irrigaram as lavouras, 
“chefs” renomados
temperaram os venenos.
Apreciem o cardápio.
Os ossos irão para o lixo.
Do lixo, para os pobres.
Nossa democracia
é genocida,
nosso genocídio 
é democrata.
Bom apetite. 

Mourão e messias

Um é mourão: cerceia.
Outro é messias: engana.
O exército comporta ambos.

Um é leite condensado.
Outro é remédio excitante.
O exército goza — de ambos.

Gênese

No princípio era o verbo.
Escolheu não caber em si.
Criou os corpos celestes.
Todo corpo é celeste. 

Chão e céu

Não há anjo para me salvar.
Não há demônio para me seduzir. 
O que há sou eu.
Libero meus anjos
e meus demônios. 
Sou anjo caído.
Sou homem elevado. 

Letras e números

Sete gatos.
Cada gato tem sete vidas.
7 x 7 = 49.
4 + 9 = 13.
1 + 3 = 4.
Os quatro cavaleiros.
Fim. 

Luzes

O exercício físico ilumina a forma do corpo. A leitura ilumina a fórmula do corpo. 

Função

Para passar cal no meio-fio, exército.
Para torturar, exército.
Para comprar Viagra, exército. 

A continência soldadesca,
a incontinência generalícia.
O exército é piada que mata.

Ri quem não morreu,
ri aquele que matou. 
O exército não tem graça.

Desgraça fardada, 
bebe leite condensado,
mama nas tetas do estado. 

Insígnias insignificantes.
O exército tem mourão, 
o exército tem messias.

A sós

As fardas no chão.
No corpo do capitão,
Leite Moça. 
No corpo do general,
Viagra.
Refestelam-se os corpos
num só momento e
numa só cama graças
a dinheiro público.
São o exército de
dois homens sós. 

Edificação

Não preciso tocar 
todas as paredes
para saber que
estou protegido.
Não preciso tocar
todos os livros
para saber que
estou protegido.
Tijolos e palavras 
são meu refúgio.
Argamassa verbal,
verbo concreto.
Eu sou. 

Visita

Se a inspiração for a visita, receba-a bem. Recebê-la bem não é recebê-la com a memória nem com o caração, mas com as mãos. Escreva, anote, esboce, registre. Preocupe-se com a organização depois. Se a inspiração chegou, abra a porta da casa, sirva um cafezinho, deixe a inspiração se manifestar. Quando ela quiser ir embora, não insista para que ela fique. Se muito, peça com jeito que ela permaneça um pouco mais. Se ela decidir mesmo por ir-se, convide-a, sem afobação, para que ela volte. Tendo ela partido, desenvolva com disciplina, atenção e entusiasmo o presente deixado pela visita.

Fotopoema 424

De manhã






 Fotos tiradas hoje pela manhã, às margens da Lagoa Grande, em Patos de Minas. 

domingo, 24 de abril de 2022

Paira

O mau cheiro em Patos de Minas 
é o mau cheiro do Brasil. 
A cidade fede,
o país é fedorento. 
O maquinário local
tritura ossos,
o Brasil leva pessoas 
a buscarem ossos
em lixos. 
Fedorento, o país;
fedorenta, a cidade.
O metrô nova-iorquino,
as esquinas parisienses
(“é Patos ou Paris”),
o ar patense.
A essência do Brasil. 

Leitura de crônicas

Para leitores esporádicos, a crônica é o gênero mais palatável; a poesia, o menos. 

"Ordens são ordens"

(O texto abaixo era para ter sido publicado há um mês. Ainda assim, ei-lo.)

Bolsonaro manda.
Milton Ribeiro obedece. 

Os amigos deles ganham.
O restante das escolas perdem.

A caterva aplaude.
A horda bate palma. 

"Divino"

Muitas coisas feitas em nome de deus deixam o diabo muito feliz ou o fazem dar zombeteira gargalhada. 

Entrevista com Luís André Nepomuceno


Dos filtros em redes sociais

Enquanto os pobres estão procurando por comida em lixeiras, a classe média faz de conta que não tem nada com isso, o que significa fazer de conta que não elegeu, conscientemente, a barbárie, a defesa de ditadores e de ditaduras, a pobreza em qualquer sentido e a violência em todos os sentidos. Essa mesma classe média, fingindo bom-mocismo, faz suas doações de alimentos, postando a seguir as fotos em redes sociais. Um dos filtros do Instagram é a hipocrisia. 

Tolhimento

Sou contra qualquer coisa que tolhe o crescimento psíquico e intelectual. Por isso, sou contra a burocracia. Ela sequestra nosso tempo, nosso corpo e nossa mente, jogando-nos num porão sem luz, quente e abafado, pleno de coisas que não servem para nada, mas com as quais somos obrigados a lidar. 

Ode à velha camiseta surrada

Está no romance Relicário de todas as coisas, do escritor Luís André Nepomuceno: “Profundas como são, as noites dizem mais do que o dia”. Sim. Sou criatura da noite. Não só pelo que cantam o Bruce Springsteen e a Patti Smith: “A noite pertence aos amantes”. Ou estes àquela. Tanto faz. Além do mais, noites abarcam “mistérios”, sugestões, aquilo que só é intuído mas não tornado claro nem clarividência. Felizes os que mergulham na noite saindo de casa; felizes os que mergulham na noite ficando em casa.

Todavia, a noite, em tese, não tem algo que é um prazer dos dias: a velha camiseta surrada. Sim, ela pode ser usada à noite, mas essa velha camiseta é insuperável quando vestida, por exemplo, numa pacífica tarde de domingo. A noite tem suas belezas, suas sombras, suas luzes, seus meios-tons, seus matizes indefinidos, imprecisos. O dia e a noite têm glórias diferentes. Uma das glórias do dia é usar a velha camiseta surrada. Elas podem ser usadas à noite, o que seria uma libertação. Afinal, isso seria levar para a noite a essência do que somos durante o dia.

A velha camiseta surrada em que entramos durante o dia, num dia de folga, é companheira que gostaríamos de levar para a vida toda. Nem precisam ser passadas; se estão limpinhas, nos envolvem com sua tranquila experiência, fazendo com que sejamos aquilo que somos quando destituídos de vaidades, de acessórios, de manhas, de artimanhas, de invólucros. A velha camiseta surrada é expressão do que somos quando estamos à vontade, seja sozinhos, seja acompanhados. Usualmente, não a vestimos diante dos quais não conhecemos bem, não a vestimos perante desconhecidos, não a vestimos quando queremos conquistar, não a vestimos quando é hora de sair para o trabalho. Fazer tudo isso com ela, repito, seria libertador, mas não é a norma.

A velha camiseta surrada é abrigo, familiaridade, descompromisso bom, preguiça benéfica, relaxamento necessário, paz revigoradora, refúgio ascético. Ela, sim, conhece nosso cheiro real, sabe daquilo que somos quando não precisamos fingir nem usar máscaras. A noite nos dá a possibilidade de exercemos um lado que é um rito, e, como ritual, requer preparo, roupagem, essências não produzidas por nós. A noite com suas poções e suas nuances é o exercício de nosso lado escuro, obscuro, de que somos também feitos e de que tanto precisamos. A velha camiseta surrada é a nossa parceira de nossa faceta solar.

Não é fácil se livrar de uma velha camiseta surrada. Os desavisados, por vezes, não entendem os motivos pelos quais não nos desapegamos de vez de uma peça que, em aparência, nada mais tem a oferecer. Tenho três ou quatro dessas camisetas mantidas há décadas (a velha camiseta surrada é um dos prazeres da maturidade). Sempre que abro o guarda-roupas e me deparo com uma delas, penso ser chegado o momento de me livrar dela. Resoluto, retiro-a do cabide. No momento de jogá-la fora, eu a revisto, revestindo-me de regozijo. A velha camiseta surrada me lembra de que a simplicidade é confortável e sábia. 

segunda-feira, 11 de abril de 2022

Fascismo e viço

Há pessoas feias sem viço e pessoas feias com viço. Há pessoas bonitas sem viço e pessoas bonitas com viço. O viço em si não torna ninguém feio nem torna ninguém bonito. Quando o viço existe, confere a quem o tem uma “atmosfera” ou um “astral” que é fácil perceber mas que não é fácil de definir. O viço confere a quem o tem um aspecto geral que passa a ideia de um corpo saudável e de uma mente ativa. Quem é viçoso transmite uma ideia de saúde, de madura paz. No outro lado da moeda, uma pessoa sem viço passa a ideia de murchidão. 

Levando-se em conta o que o bolsonarismo tem feito com o Brasil, não é possível constatar viço. O Brasil perdeu o viço porque os indivíduos não têm terreno propício para vicejarem. Quem vota em quem defende tortura não é viçoso, quem defende a morte como conduta não é viçoso. E quem está preocupado com belezas ou com elevações ou com inteligências tem sido banido, seja com sutileza, seja com brusquidão. Não é fácil vicejar quando o fascismo abre suas asas. O vicejo pleno está ligado ao ambiente do indivíduo, pois, sozinho, não há como ninguém ser mais forte do que a sociedade em que está inserido.

O Brasil apodreceu, murchou. É uma terra em que alguns ignorantes bradam descarada violência e outros ignorantes bradam disfarçada violência. Aqueles tiraram as máscaras, assumindo que são a favor da morte do que for diferente deles; estes mantém disfarce de civilidade. Estes e aqueles são idênticos em essência. O que muda são os métodos de que se valem para implantar uma sociedade em que o indivíduo pensante e sensível deve ser apagado. O Brasil é um país cuja população foi carcomida pelos vermes do fascismo, os quais adentraram os corpos e, de dentro para fora, fizeram jorrar pústulas doentias e trevosas. 

As bocas sem dinheiro têm o mau hálito da fome; as bocas com dinheiro têm o mau hálito da perversidade travestida de ilustração; com dinheiro ou sem dinheiro, há pobres e podres bocas. O Brasil bolsonarista é fétido. O fascismo é encarniçado; para se alimentar, precisa fazer com que o outro seja carniça. Um país putrefato não dá à subjetividade a possibilidade do florescimento. O fascismo é o apagamento e a anulação do indivíduo. O que se vê nas ruas do Brasil bolsonarista não são almas férteis, mas hordas mortíferas. Somos um país sem viço. 

domingo, 10 de abril de 2022

Em breve, novo livro de Luís André Nepomuceno

Em breve, o escritor Luís André Nepomuceno lança seu novo livro, Relicário de Todas as Coisas. Neste vídeo, o autor lê trechos do romance.



quinta-feira, 7 de abril de 2022

Gerenciamento

O funcionário José alertou o gerente Masterson sobre a copiadora, que estava sem tinta. O gerente enviou e-mail para todos da empresa passando endereço onde cópias são baratas.

O funcionário Pedro alertou o gerente Masterson sobre a máquina de etiquetar, que havia estragado. O gerente enviou e-mail para todos da empresa pedindo que alguém com caligrafia bonita escrevesse os preços nos produtos.

O funcionário Bernardo alertou o gerente Masterson sobre o teto do almoxarifado, que estava com goteira. O gerente enviou e-mail para todos da empresa pedindo que alguém com habilidade para reparos em edificações parasse o gotejamento.

O funcionário João alertou o gerente Masterson sobre animas peçonhentos estarem sendo vistos nas dependências da firma. O gerente enviou cartilha para todos da empresa sobre o que fazer em caso de males causados por animais peçonhentos.

No fim do mês, José, Pedro, Bernardo e João foram demitidos. O gerente Masterson teve aumento de salário. E um escorpião picou Marcos, “que não tinha entrado na história”. 

terça-feira, 5 de abril de 2022

Não sou pró-ativo

Pró-ativo: esse é novo termo, a nova modinha no mundo trabalhista. É um jeito perfumadinho de dizer que o trabalhador tem de, sem receber a mais por isso, prestar serviços aos superiores, devido à tecnologia, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana; é um modo cheirosinho de dizer que o trabalhador tem de fazer aquilo que não é a função dele. Os chefes vão dizer que não é nada disso; os puxa-sacos dos chefes, que chefes se sentem, vão dizer que não é nada disso. Recitarão credos do empreendedorismo dos “coaches”. 

Interiores

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