segunda-feira, 6 de abril de 2020

“Grande” Brasil: Verezas

O presidente tem mais um ex-apoiador, o Carlos Vereza. Mais um para o time dos cínicos. Insisto, repito, reitero: o presidente tem de ser acusado de muita coisa, mas não pode ser acusado de estar sendo o que ele não era. Nada nele mudou desde quando ele era deputado. As circunstâncias mudaram; ele, não. Hoje, ele é mais nocivo não porque seja diverso daquele que um dia foi, mas porque tem mais poder do que tinha quando não ocupava a presidência.

Se houve alguma mudança, terá sido o recrudescimento de características que ele já deixava claras: empáfia, ignorância, desdém pela vida, elogio à violência, odes a torturadores, negação da ciência, apoio a milicianos... Não faz o menor sentido dizer-se decepcionado com o presidente, pela simples razão de que nada nele mudou. As características que mencionei são exatamente as razões pelas quais parte do eleitorado votou nele e sempre vai apoiá-lo. Vereza e malta não se dignam nem de serem genuínos. Vereza e súcia não têm o pretexto de que não sabiam que o presidente era como é. Ele mesmo já divulgava o que é muito antes de ser candidato ao cargo que hoje ocupa. Ele jamais posou de cândida ovelhinha. 

Há eleitores do presidente que o apoiam pelas razões que mencionei acima, ou seja, que o apoiam por ele defender a morte de quem tem uma visão de mundo diferente da dele (“o erro da ditadura foi não ter matado mais”) ou por ele ter desprezo pela vida do outro (“o exército não matou ninguém”). Embora eu não concorde com quem apoia ditaduras, homenageia milicianos e faz elogio da tortura, coisas que já eram sabidas antes de o presidente ser eleito, pelo menos os que são pró-morte alheia assumem que são: não ficam com essa balela de “ah, eu me decepcionei com o presidente” ou algo do tipo “eu pensei que o cargo fosse conferir a ele alguma polidez”... 

As arbitrariedades presidenciais neste cenário de covid-19 são apenas o preâmbulo de outras crueldades, desumanidades e inconsequências que estão por vir. Tudo ainda vai piorar muito — ou, levando-se em conta os que não negam que votaram no presidente não apesar de ele ser quem sempre foi, mas exatamente por ele ser quem sempre foi, tudo ainda vai melhorar muito. No time dos que creem em melhora está um Junior Durski, por exemplo, que, pelo menos, não vem com a lenga-lenga de ter suposto que a conduta do chefe do executivo seria diferente. Esperar que o presidente fosse diferente do que está sendo seria como esperar que um monte de cascalho se transformasse numa macieira — ou vice-versa. 

Não faz sentido dizer-se decepcionado com quem nada mudou. Não cabe a desculpa de que o caráter presidencial não fosse conhecido. Todo mundo já sabia do destempero, do gosto pela violência, da falta de espírito, da negação da história. Nunca houve da parte do mandatário a menor tentativa em negar esse tipo de coisa. É uma infâmia dizer-se decepcionado com o presidente.