domingo, 12 de fevereiro de 2017

Os dois

Viverão o
Cântico dos cânticos,
comporão hinos.
Vão tomar sorvete,
idealizar jantares.
Vão dar presentes
um para o outro.
Inventarão surpresas,
códigos que só os dois
sabem reconhecer.

Herdaram um arcabouço
de tradições e de
inevitáveis clichês.
Não sendo poetas,
viverão poesia.
Inéditos um
para o outro,
revivem séculos
de um amor
que não se cansa,
mesmo sendo
os dois cansáveis.

Não sabem ainda
com clareza que
entre eles há um
amor que começa.
Haverá susto e medo
quando souberem.
Aí já será tarde.
Do amor, já serão
cativos, devotos
e fazedores. 

Contraste

De cor

Minhas pegadas 
têm imagens 
e palavras.
O que ficou 
é legado.
O coração,
herança 
que recebi,
fulminante,
deixando de
repercutir,
fará em mim
e de mim
silêncio. 

“Tudo vai ficar bem”

No passar lento-rápido dos dias, quanto tempo é necessário para que uma pessoa supere uma experiência traumática? É a reflexão feita em “Tudo vai ficar bem” (2015) [Every Thing Will Be Fine], do diretor Wim Wenders. O roteiro é de Bjørn Olaf Johannessen. Logo nas cenas iniciais, o escritor Tomas Eldan (James Franco), dirigindo carro durante nevasca, atropela uma criança.

A partir daí, passamos a acompanhar a vida não só de Tomas Eldan, mas também da mãe do garoto atropelado, do irmão dele, que quase havia também sido atropelado no mesmo acidente, e dos que gravitam em torno de Eldan. Se, por um lado, o tempo se esvai rápido, por outro, a tentativa de superação de um evento radical é algo feito um dia após o outro.

Louvável como “Tudo vai ficar bem” é sem pressa. Isso, todavia, está longe de implicar monotonia. Os cortes não seguem a linguagem de videoclipe ditada por Hollywood. As dores de Eldan e de Kate (Charlotte Gainsbourg), a mãe do garoto atropelado, teimam em não irem embora, fazendo com que o espectador se pergunte se eles vão, por fim, sucumbir. Num curioso paradoxo, o ritmo lento é capaz de gerar momentos de tensão e de suspense, principalmente a partir de quando Christopher (Robert Naylor), o irmão que sobrevivera ao atropelamento, anos depois, entra em contato com Eldan.

A sequência inicial da produção mostra Tomas Eldan num cubículo. A luz que vem de fora e passa por uma janela enche o ambiente de calidez. É instigador observar justamente a incidência da luz natural sobre os personagens, como se ela estivesse, em várias sequências, a sugerir uma metáfora... luminosa, sem contudo definir se o desfecho será de fato reluzente. “Tudo vai ficar bem” é uma bela reflexão sobre o efeito da passagem do tempo nos sentimentos.