O sentimento é de quase pena dos personagens quando se lê “Esperando Godot”, do Samuel Beckett. Não conseguem sair do emaranhado em que estão. A espera deles por Godot, no antienredo de Beckett, é o que define o destino deles. Calharam de estar juntos, mas nem sabem o que isso significa, se é que significa algo, nem sabem o que fazer com isso. Há um desespero, uma angústia de que se dão conta turvamente, mas que manifestam.
“Não somos feitos para a mesma estrada” [1], Estragon diz para Vladimir em determinado momento. Uma estrada inócua, improdutiva. A despeito disso, prosseguem, levando uma existência impotente. Enquanto os personagens esperam, ficam inventando o que fazer, mantendo diálogos em que tanto faz cogitar o suicídio, falar sobre sapatos ou mencionar Godot. Não há hierarquia de assuntos nos diálogos. Para eles, uma observação prosaica ou uma reflexão de cunho filosófico têm o mesmo peso. Os diálogos são expressão de abobamento e de desespero, um desespero de que os personagens não se dão conta com nitidez, embora consigam intuí-lo.
Outra fala de Estragon: “Estamos sempre achando alguma coisa, não é, Didi, para dar a impressão de que existimos?” [2]. Quer-se dar um sentido à existência, mas fora desse desejo não há nada que ajude os personagens a acharem algum senso na absurdidade da vida que levam enquanto estão esperando Godot. Estragon quer ter a impressão de que existe. Depois, é a vez de Vladimir:
“O certo é que o tempo custa a passar, nestas circunstâncias, e nos força a preenchê-lo com maquinações que, como dizer, que podem, à primeira vista, parecer razoáveis, mas às quais estamos habituados. Você dirá: talvez seja para impedir que nosso entendimento sucumba. Tem toda razão. Mas já não estaria ele perdido na noite eterna e sombria dos abismos sem fim?” [3].
Eles maquinam, cogitam, tentam, mas o que rege a existência é a espera por Godot. A espera é estúpida, as vidas deles são estúpidas, o que fazem durante a espera é estúpido. Em toda essa estupidez, há um desespero, uma angústia de que se dão conta com clareza fugidia, mas que expressam. É desolador acompanhar os personagens enquanto tentam tirar do vazio a existência sem sentido que levam. Terminada a leitura, e, suponho, em maior intensidade, a peça, leitores e espectadores olham para si mesmos quase que com a mesa pena com que olham para os que esperam Godot.
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[1] BECKET, Samuel. Esperando Godot. Tradução e prefácio de Fábio de Souza Andrade. São Paulo. Cosac Naify. 2005. Pág. 107.
[2] Idem. Pág. 138.
[3] Ibidem. Pág. 161.