quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

ENTREVISTA COM CRISTOVÃO TEZZA

Enviei meu primeiro e-mail para Cristovão Tezza no dia oito de fevereiro; era uma e doze da madrugada. Acostumado a não receber resposta de intelectuais, escritores e editores, tive a grata surpresa de ler a resposta de Tezza logo pela manhã, quando abri a caixa de entrada. Segundo o registro em meu programa de e-mails, a resposta dele foi enviada às nove e onze da manhã.

Solícito e extremamente gentil, o escritor se prontificou a conceder uma entrevista para meu blogue. Relutei em pedi-la, ciente de que ele, escritor de renome, tem inúmeros compromissos.

Depois do primeiro contato, enviei as perguntas, deixando-o à vontade para ignorar uma ou outra (todas as perguntas que enviei foram respondidas). Atencioso, ele confirmou o recebimento do e-mail e disse que enviaria as respostas.

Publicamente, agradeço demais a Cristovão Tezza pela gentileza e pela atenção que dele recebi.
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Cristovão Tezza é autor de peças teatrais, ensaios, livros didáticos, contos, crônicas e romances.

Homem das letras, já foi professor nas federais de Santa Catarina e do Paraná. Atualmente, não mais leciona; deixou as aulas e se dedica à literatura.

Em 2007, Tezza lançou “O filho eterno”. No livro, logo nas primeiras páginas, o narrador-pai recebe a notícia de que seu filho nascera com síndrome de Down.

O tom da narrativa é sóbrio, verdadeiro. Uma verdade que cutuca: tem-se um narrador corajoso, que confessa ora sua empáfia, ora sua inicial incapacidade de conviver com o filho (o pai-narrador chega a pensar no “alento” de que as crianças com Down podem morrer cedo).

Enquanto narra o aprendizado pelo qual vai passando ao lado do filho, paralelamente vamos recebendo notícias da juventude, das viagens, dos episódios e das tentativas de publicação do narrador. O fim do livro, sóbrio e comedido, não deixa de ser tocante.

Para conferir o site do escritor, clique aqui. Abaixo, a entrevista.
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Liviano: O que “O filho eterno” é em maior grau: ficção ou confissão?

Cristovão Tezza: Certamente ficção. A confissão, quando não mediada pela ficção, tem grande chance de se tornar má literatura. “O filho eterno” é um romance, uma ficção, que entretanto usa muitos ingredientes biográficos.

Liviano: Você está, pelo menos em parte, no narrador de “O filho eterno”. Em suas entrevistas, você se mostra bem-humorado, risonho. Já o narrador de “O filho eterno” é sério, circunspecto. Foi só a temática do livro que levou ao tom que se lê no livro?

Tezza: O narrador, para mim, é sempre uma espécie de personagem. O olhar que vê, descreve e organiza os fatos em um romance nunca pode se confundir com o olhar do autor ele-mesmo. Isto é, o narrador de “O filho eterno” não é o Cristovão. Pessoalmente, sempre fui uma pessoa bem-humorada. Acho que não há muito mérito nisso, porque já descobriram que essa qualidade (digamos assim…) é determinada em parte pela genética. Mas, ao escrever, não sou eu que importa, mas o narrador – que, como eu disse, é também um “personagem”.

Liviano: O Felipe ainda assiste aos jogos do Atlético Paranaense?

Tezza: Sim, continuamos dois fanáticos (no bom sentido!) torcedores do Atlético. Hoje mesmo, 13 de fevereiro, tem jogo daqui a pouco, do campeonato paranaense. Esse ano não começamos bem, mas o time está melhorando muito e acho que vamos incomodar no Brasileirão.

Liviano: Em recente entrevista para o Provocações, da TV Cultura, você disse que num mundo pós-internet a literatura funcionaria justamente como uma espécie de contraponto a esse mundo cheio de imagens, sons e... fúria. Você defende, na entrevista, uma literatura que seja “pura linguagem verbal”. Você acredita ter atingido essa “pura linguagem verbal” em “O filho eterno”?

Tezza: O que eu quis dizer é que a literatura, para sobreviver como tal nos novos tempos, não pode abdicar de seu “texto”, digamos assim. Concentrar todas as suas forças no poder da linguagem verbal, sem se entregar ao canto de sereia da fragmentação imagética, dos recursos visuais, da suposta “morte do autor”. Para mim a literatura é afirmação da voz individual, um contradiscurso do indivíduo. Por enquanto é mais uma intuição que eu tenho sobre esse tema do que uma “tese” – mas eu quero pensar ainda sistematicamente sobre isso. De qualquer modo, a expressão “pura linguagem verbal” é uma qualidade intrínseca do que imagino deva ser a literatura, não um índice de valor.

Liviano: Que escritor ou escritores você sempre tem relido desde quando passou a conviver com a literatura? E por quê?

Tezza: Há dois dias respondi a uma enquete da folha.com sobre livros que me marcaram. Para não me repetir, vai o link:
http://paineldasletras.folha.blog.uol.com.br/. Sobre releituras: na verdade, são raras – tem tanta coisa que eu ainda não li, que prefiro avançar no que desconheço. Mas sinto que logo vou dar uma freada para reler alguns livros que me marcaram.

Liviano: Você é ex-professor de universidade federal. Que tipo de texto lhe dá mais prazer em produzir – o texto de ficção ou o texto acadêmico?

Tezza: O texto de ficção, mil vezes. Embora seja também mil vezes mais difícil. Um texto acadêmico anda meio que sozinho, se você tem uma ideia, os pressupostos e as referências. Já há uma linguagem prévia consolidada, uma “língua” acadêmica que você domina. Na ficção, você sai mais ou menos do zero, da página em branco, da viagem solitária por conta própria.

Liviano: Você está escrevendo ficção atualmente? Caso sim, conto ou romance?

Tezza: Estou quase na reta final de um livro de contos.

Liviano: É muito comum grandes escritores dizerem que seu livro mais conhecido não é o livro de que mais gostam. “O filho eterno” é seu livro mais conhecido e o que mais prêmios recebeu. É sua obra de que você mais gosta? Por quê? (Ou por que não?)

Tezza: Tenho grande dificuldade para responder a essa pergunta, sempre que me fazem. Não querendo fazer média, gosto igualmente de todos os meus livros – cada um deles correspondeu a um tempo da minha vida e deu forma ao que me inquietava. Uns fazem mais sucesso, outros menos. Lembro, por exemplo, de “Breve espaço entre cor e sombra” (Rocco, 1998), que amei escrever, que foi bem recebido pela crítica, e que quase ninguém leu. A resposta do público é imponderável. Eu jamais sonhava que “O filho eterno” teria essa repercussão, tanto de crítica quanto de público.

Liviano: Pergunta prosaica: você escreve primeiramente à mão ou já vai produzindo o texto no computador?

Tezza: Escrevi todos os meus livros à mão, até “O fotógrafo” (que saiu em 2004, pela Rocco – agora em março sai uma nova edição, revista e definitiva, pela editora Record). “O filho eterno” foi escrito no computador, mas porque eu não planejava escrever um romance, e sim um ensaio (sempre escrevi textos críticos, didáticos ou teóricos no computador). Quando me decidi pela forma do romance, já estava acostumado com a ideia de escrever no computador, mesmo sendo ficção. E não voltei mais. Agora já me adaptei.