segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

AGORA HÁ POUCO


Hoje, tendo chegado do trabalho, saí para fotografar. Deparei-me então com este gavião-carijó (Rupornis magnirostris). Nem preciso dizer do quanto valeu a pena ter saído para fotografar. 

SOBRE ALMAS E VIAGENS

Em meados da década de 90, enquanto eu assistia à CNN, noticiaram a queda de um avião. O porta-voz, de cujo nome não me lembro, funcionário de uma companhia aérea, ao anunciar o número de mortos, disse : “Havia 215 almas naquele avião” (o dado que usei é ilustrativo; não me lembro do número real de mortos).

Há instantes, conferindo no UOL as fotos tiradas do espaço pelo astronauta canadense Chris Hadfield, ele escreveu como legenda para uma foto de Teresina vista do espaço: “Morada tropical para um milhão de nós no Rio Parnaíba”, postou o astronauta no Twitter. Em legenda de foto tirada sobre Recife, ele edificou construção similar: (...) “Cerca de 4 milhões de nós moram aqui” (...).

Tanto a construção do porta-voz da companhia aérea quanto as do astronauta são, sobretudo, poéticas. O porta-voz poderia ter dito algo como “215 pessoas morreram na queda do avião”. Contudo, o uso da palavra “almas” dá um tom grandioso ao enunciado, mesmo considerando-se que o que se conta é uma tragédia. Nem sei se existe alma; ainda assim, jamais me esqueci do anúncio do porta-voz.

Hadfield, ao escrever “morada tropical para um milhão de nós” ou “4 milhões de nós moram aqui”, veicula uma obviedade (quase nunca praticada) que é também bonita: somos uma só humanidade, não importa onde estejamos. O astronauta, por assim dizer, coloca-se no nível de nós, que estamos aqui embaixo; ou nos eleva para o nível dele...

Além do mais, observando a Terra do espaço, ele tem acesso a uma porção de... terra e mar que é inacessível para nós. Sugerir uma só humanidade, estilisticamente, está em sintonia com quem tem o privilégio de olhar para a casa que habita de um ponto de vista inatingível para a maioria: o olhar dele abarca mais do que teremos oportunidade de contemplar.

Fotografando a Terra ou fotografando uma lagarta, somos um só. As frases de Hadfield transmitem um senso de unidade e de pertencimento que é poético, que não é excludente, que propõe o gênero humano como sendo uno. Algo muito whitmaniano e, não só por isso, poético. 

FOTOPOEMA 365

BREVE RELATO DE UMA TRAJETÓRIA

Tudo começou por causa de uma profunda admiração pela inteligência. Isso, muito antes de eu me tornar um leitor. Tanto que o primeiro fascínio foi pelos professores (isso se mantém). Daí, estender essa fascinação para outras inteligências que não somente as dos professores foi um passo um tanto natural.

O desejo era o de destrinchar os mecanismos da inteligência do outro, que podia ser um professor, um amigo, um filósofo que li, um cientista ou um músico. Decifrar os meandros da inteligência a fim de tentar aprender a ser inteligente. A veneração pela inteligência é o que acabou causando uma vontade firme de querer ser inteligente.

O Borges escreveu que “ninguém escreve o que quer, mas o que consegue”. De modo análogo, por mais inteligente que se queira ser, há limites que não podem ser transpostos por absoluta falta de talento. Se dependesse de eu fazer uma escultura ou pintar um quadro, por exemplo, eu não saberia como começar. Após flertes com alguns ramos do conhecimento, acabei tomando o caminho das letras. Não por um talento abissal na área, mas por falta de talento em outros campos.

O resto é leitura, é escrita. Aferrei-me às palavras. Passei-me a dedicar à riqueza do português. Trata-se de meu idioma, e me sinto quase que na obrigação de esmiuçá-lo. Além do mais, é uma língua que acho bonita, cheia de possibilidades, seja para a fala, seja para a escrita. A palavra passou a ser a meta. A palavra exata ao escrever. A palavra exata, pronunciada com exatidão, ao falar.

Há muito de sonho nessa história, muito de busca, muito de ideal. Em meu caso, a concretização está sempre longe do que se tinha em mente. Por outro lado, sem esmorecimento, é preciso não exigir tanto de si. Há que se ter resignação, aceitando com rebelde tranquilidade o que se é capaz de produzir.