quarta-feira, 18 de maio de 2016

O jogo sujo dos torcedores

Considerada unicamente em si mesma, uma partida de futebol pode ser um dos mais emocionantes espetáculos que o homem é capaz de criar. Partidas desse naipe são raras, mas, quando ocorrem, deixam no coração marcas indeléveis. Se consideradas unicamente em si mesmas.

Quando se leva em conta os bastidores do que é uma grande produção, não raro depara-se com o que há de mesquinho, de corrupto ou de selvagem em nossa natureza. Com o futebol, não seria diferente. Se dentro das quatro linhas ele é mais um esporte, fora delas, há um tecido social, apaixonado e — não raro — tolo.

A prática não é só brasileira; sei que é sul-americana. Pode ser que ocorra do outro lado do Atlântico: quando um time vai jogar fora de casa, torcedores da equipe local atrapalham o sono do adversário, geralmente soltando fogos de artifício. Na madrugada que passou, foi assim lá em Belo Horizonte, onde torcedores do Atlético se dedicaram a atrapalhar o sono do time do São Paulo (os dois se enfrentam logo mais pela Libertadores). Nessas ocasiões, as torcidas geralmente se valem de gritarias e de fogos de artifício.

Há vídeos circulando no WhatsApp. Num deles, em meio a fogos que riscam o céu escuro, um torcedor diz: “Dorme, Bambi, filha da p... Quero ver cê jogar amanhã, Ganso”. Em outro vídeo, morador nas proximidades do hotel em que o time do São Paulo está abre a janela de seu apartamento e comenta que já passava da meia-noite e que os torcedores do Atlético é que estavam soltando foguetes perto do hotel. O morador arremata: “Tática de guerra”.

Embora desnecessário, devo dizer que esta postagem não é contra somente a torcida do Atlético. Se me valho dela, é somente por ser algo que ocorreu na madrugada que passou. O que fez a torcida do Galo lá em BH é só o gancho a partir do qual comento sobre a baixeza que é agir desse modo. Sei que isso não é prática nova, sei que a torcida do Atlético não é a única a se valer dela. Venha de onde vier, a atitude é condenável, não valendo aqui o “raciocínio”: “Se fazem com o time da gente lá, vamos fazer com o time deles aqui”. Bonito mesmo é derrotar o adversário quando ele está descansado, em plena forma, no auge.
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Aproveito a deixa e menciono, mais uma vez, dois textos que me são muito caros: um deles foi produzido para um comercial do Comitê Olímpico Internacional; a narração é de Robin Williams. O vídeo foi ao ar mundialmente em 2004. O outro texto é um poema do americano Walt Whitman, poeta que muito admiro. O contexto do poema de Whitman não é o esporte, mas pode ser transposto para o cenário esportivo, pois os versos declaram que uma derrota pode ser bela. A tradução do texto do comercial e do poema do Whitman é minha.
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Walt Whitman — Canção de mim mesmo 18

Com música forte eu venho, com minhas cornetas e meus tambores,
eu não toco marchas para os vitoriosos aceitos apenas, eu toco marchas para as pessoas dominadas e assassinadas.

Você ouviu que foi bom ganhar o dia?
Eu digo que também é bom cair, as batalhas são perdidas no mesmo espírito em que são ganhas.

Bato forte meu ritmo pelos mortos,
sopro pela embocadura o mais alto e contente por eles.

Vivas para aqueles que fracassaram!
E para aqueles cujos navios de guerra afundaram no mar!
E para aqueles mesmos que afundaram no mar!
E para todos os generais que perderam batalhas, e para todos os heróis derrotados!
E para os inumeráveis heróis desconhecidos, iguais aos maiores heróis conhecidos!
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Abaixo, texto do comercial produzido pelo Comitê Olímpico Internacional

Você é meu adversário, mas não é meu inimigo, pois sua resistência me dá força, sua garra me dá coragem, eu espírito me enobrece. E embora seu meu objetivo derrotar você, caso eu tenha êxito, eu não vou humilhar você. Em vez disso, eu honrarei você, pois, sem você, eu sou um homem menor.

Minha parte

Existe o mar;
eu sou a gota.

Existe a praia;
eu sou o grão.

Existe o amor.
Eu te amo.