terça-feira, 21 de junho de 2016

Por favor, uma dose de nódoa

Estou lendo “La verdad de las mentiras”, do Mario Vargas Llosa. Além de uma bela introdução em que o escritor discorre sobre o paradoxo de que a literatura “mente” para trazer à tona verdades que de outro modo continuariam escondidas, o livro tem vinte e cinco ensaios sobre romances que marcaram o século XX.

Um dos ensaios do livro de Llosa é sobre “Mrs. Dalloway”, da Virginia Woolf. Septimus Warren Smith é nome de personagem criado por ela nesse livro. O enredo, que prima por aquela famosa aparente simplicidade de alguns grandes escritos, narra um dia da senhora Dalloway. A “monotonia” é quebrada por um evento drástico — o suicídio de Septimus Warren Smith.

A partir daí, escreve Llosa: “En alguna parte leí que un célebre calígrafo japonés acostumbraba macular sus escritos con una mancha de tinta. ‘Sin ese contraste no se apreciaría debidamente la perfección de mi trabajo’, explicaba. Sin la pequeña huella de cruda realidad que la historia de Septimus Warren Smith deja en el libro, no sería tan impoluto y espiritual, tan áureo y tan artístico el mundo en el que nació — y contribuye tanto a crear — Clarissa Dalloway”. O suicídio de Septimus Warren Smith “conspurca” a “pureza” da narrativa em “Mrs. Dalloway”. O personagem “estraga” o livro.

Tudo isso me remete ao Manuel Bandeira. Não somente por ele ter a aparente simplicidade a que já fiz referência, mas por ele ter expressado tão bem, com tão poucas palavras, que o espírito da poesia, por mais paradoxal que possa soar, é o de “estragar” as coisas, é o de “incomodar” as coisas. É curioso: a beleza precisa de uma “mancha”. No modo como encaro as coisas, isso vale até para a beleza física das pessoas. É preciso algo que “destoe”. Escreveu o Bandeira: “A poesia é a nódoa no brim”. 

A história por trás da foto (92)


O Bruno Fontoura, cantor e compositor local, nos versos iniciais de “Despertar”, canta:

Faça tudo cedo. 
Deixe todo enredo ficar pra trás.
O que se faz mais cedo 
é muito menos peso pra se deixar.
E tudo que lhe causa medo, 
será só mais algum brinquedo
e nunca mais vai causar.

Hoje, seguindo o belo “preceito” do Bruno, comecei a fotografar cedo. Trabalho no IFTM, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro, campus Patos de Minas. Ontem, indo trabalhar, eu me arrependi de não ter levado a câmera comigo, pois o nascimento do dia, próximo ao horizonte, estava muito bonito. Ontem mesmo, eu havia decidido que hoje eu levaria o equipamento fotográfico.

Assim foi. Só que, saindo aqui de casa, mal tendo passado pelo portão que dá acesso à rua, percebi que a Lua estava no céu. Como ainda não estava muito perto do horizonte, eu soube que haveria tempo de eu chegar ao trabalho e fotografá-la de lá.

Assim foi. Próximo ao portão de entrada do IFTM, tirei a foto do Sol nascendo. Já dentro do instituto, minutos depois, tirei a foto da Lua, que, nesse momento, já se aproximava do horizonte.