Estou lendo “La verdad de las mentiras”, do Mario Vargas Llosa. Além de uma bela introdução em que o escritor discorre sobre o paradoxo de que a literatura “mente” para trazer à tona verdades que de outro modo continuariam escondidas, o livro tem vinte e cinco ensaios sobre romances que marcaram o século XX.
Um dos ensaios do livro de Llosa é sobre “Mrs. Dalloway”, da Virginia Woolf. Septimus Warren Smith é nome de personagem criado por ela nesse livro. O enredo, que prima por aquela famosa aparente simplicidade de alguns grandes escritos, narra um dia da senhora Dalloway. A “monotonia” é quebrada por um evento drástico — o suicídio de Septimus Warren Smith.
A partir daí, escreve Llosa: “En alguna parte leí que un célebre calígrafo japonés acostumbraba macular sus escritos con una mancha de tinta. ‘Sin ese contraste no se apreciaría debidamente la perfección de mi trabajo’, explicaba. Sin la pequeña huella de cruda realidad que la historia de Septimus Warren Smith deja en el libro, no sería tan impoluto y espiritual, tan áureo y tan artístico el mundo en el que nació — y contribuye tanto a crear — Clarissa Dalloway”. O suicídio de Septimus Warren Smith “conspurca” a “pureza” da narrativa em “Mrs. Dalloway”. O personagem “estraga” o livro.
Tudo isso me remete ao Manuel Bandeira. Não somente por ele ter a aparente simplicidade a que já fiz referência, mas por ele ter expressado tão bem, com tão poucas palavras, que o espírito da poesia, por mais paradoxal que possa soar, é o de “estragar” as coisas, é o de “incomodar” as coisas. É curioso: a beleza precisa de uma “mancha”. No modo como encaro as coisas, isso vale até para a beleza física das pessoas. É preciso algo que “destoe”. Escreveu o Bandeira: “A poesia é a nódoa no brim”.