sexta-feira, 10 de junho de 2022

Bulgákov e Drummond

O russo Mikhail Bulgákov é autor de uma novela intitulada Morfina. O narrador, um médico, está a trabalho num ermo russo, numa pequena localidade. Convive com pacientes e com colegas de trabalho. O médico se envolve com uma enfermeira. Escreve ele: “Anna K. tornou-se minha amante. Não podia ser diferente, de jeito nenhum”. Posteriormente, o Drummond escreveria: “Que pode uma criatura senão, / entre criaturas, amar?”. 

Limite

A extroversão, quando não exercida com inteligência, facilmente descamba para a inconveniência. 

Bradesco

Depois do estúpido vídeo elogiando o exército, gravado por Octavio de Lazari Junior, diretor-presidente do Bradesco, algumas pessoas anunciaram boicote contra a empresa ou instaram os clientes dela a encerrarem as contas que têm. O boicote e o pedido têm boas intenções, mas são ineficazes. Levando-se em conta a beligerância e a ignorância, que supõem que prestar continência e impor disciplina tacanha implicam lisura e patriotismo, arrisco: o período de cinco de junho a cinco de julho deste ano terá aumento no lucro do Bradesco de pelo menos trinta por cento em relação ao mesmo período do ano passado. O vídeo de Lazari fará com que o banco passe a ter mais clientes. 

Não país

O rico finge falar inglês ou ser europeu.
A classe média finge ser rica.
O país que nunca foi finge que é
enquanto o pobre, sem fingir,
cata comida no lixo.

O Brasil, arremedo de país,
feito de um arremedo de consciências,
louva um arremedo de estadista
com base num arremedo de jornalismo. 

Haicai

Orgulho na chacina.
Matar pobres e pretos,
consideram faxina. 

Que nada

Saúde? Educação? Que nada!: as prefeituras contratam shows de artistas com fama nacional, uma estratégia eficaz. A multidão sai do espetáculo se sentindo curada e alfabetizada, não se dando conta de que está enferma e ignorante.