terça-feira, 7 de janeiro de 2020

Água cadente

A sede não tem fim.
No país dos alimentos envenenados,
querem privatizar a água.

Os que já morrem famintos
morrerão de sede.
Os que já morrem sedentos
Morrerão de sede.

A carne é cara,
o combustível é caro,
a água será cara.

Na líquida meritocracia,
ricas taças em mãos
que empunham látegos
invisíveis e eficazes.

Na sólida sarjeta,
a sede de um homem
ergue, com fome,
os lábios para o céu,
bebendo da água
que cai para todos.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2020

Variações sobre um tema

Tema:
Presidente diz que, se tivesse este poder, “teria anulado, cancelado” investigações contra Flávio Bolsonaro.

Variação 1:
O presidente não anula a investigação contra o filho Flávio Bolsonaro porque não tem poder para isso.

Variação 2:
Houvesse como, o presidente livraria o filho Flávio Bolsonaro das investigações de que este é alvo.

Variação 3:
Tivesse poder para isto, o presidente cancelaria investigações contra Flávio Bolsonaro.

Variação 4:
As investigações contra Flávio Bolsonaro não foram anuladas porque o pai dele afirmou que não tem esse poder.

Variação 5:
Flávio Bolsonaro não está livre de investigações porque o pai dele diz que não tem poder para cancelá-las.

Variação 6:
Flávio Bolsonaro ainda está sob escrutínio da justiça porque o pai dele alega não ter poder para anular as investigações.

Variação 7:
Dependesse do pai dele, Flávio Bolsonaro não estaria sendo investigado.

Variação 8:
O pai de Flávio Bolsonaro diz não ter poder para impedir as investigações contra o filho, mas que, se tivesse, impedi-las-ia.

Variação 9:
Haveria interrupção nas investigações contra Flávio Bolsonaro se o pai dele tivesse poder para bani-las.

Variação 10:
Flávio Bolsonaro é investigado; não seria se dependesse do pai.

O escrevinhador deste texto acredita que as investigações contra o rebento serão anuladas. Ou canceladas. Ou arquivadas. Ou “esquecidas”. 

domingo, 5 de janeiro de 2020

Fartura e falta

Livros didáticos têm “muita coisa escrita.
O céu tem muita estrela.
A partitura tem muita nota.
O mar tem muita água.
O carro tem muita peça.
O prédio tem muito tijolo.
O corpo tem muito átomo.
A floresta tem muita árvore.

A mente dele tem muita burrice. 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

2020 hoje, sempre

2020 não será melhor. Torturadores continuarão torturando; defensores de torturadores continuarão os defendendo. Ditadores continuarão governando; defensores de ditadores continuarão os defendendo. Milicianos continuarão comandando; defensores de milicianos continuarão os defendendo. Ignorantes continuarão atacando o conhecimento; defensores de ignorantes continuarão os defendendo.

Os que acreditam em “kit gay” e em mamadeira de piroca continuarão existindo. Os que acham que “o exército não matou ninguém” continuarão existindo. Os que desejam câncer para o outro continuarão existindo. Os que se dizem de bem e defendem assassinatos e assassinos continuarão existindo. Os que não querem cultura continuarão existindo, bem como os que não querem ciência. 2020 não será melhor.

Isso não é pretexto para que nada façamos. O embate deve prosseguir não porque um novo ano começou, mas porque ideias de extermínio e de exclusão não desapareceram junto com a fumaça dos fogos de artifício depois de meia-noite. Corpos afundam no mar, mas há mitos inaugurais bonitos e atávicos que são recriados, há ventos e espíritos que pairam sobre a água de que bebemos.