quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Mandando balas nos estudos

A mais recente do Trump foi divulgar a ideia de que o problema das mortes causadas por atiradores nas escolas de lá pode ser resolvido assim: dê armas para os professores. O presidente dos EUA aventou a possibilidade de pagar bônus aos docentes que topassem. Trump sabe que não está sozinho na burrice dele, não somente lá. No Brasil, há quem sente até frêmitos em pensar na excitante possibilidade de trocar horas de leitura e de estudo por um curso de tiro. 

Na terra e no céu

Um helicóptero pode servir
para jogar panfletos sobre favela
ou para transportar cocaína.
Num caso ou noutro,
o “aviãozinho”
cairá por terra,
voará pelos ares. 

"As impurezas do branco"

Embora, ao longo dos séculos, os detentores do poder tenham se valido de diferentes estratégias, um dos objetivos continua o mesmo: varrer os pobres para debaixo do tapete. Com o advento da República, por exemplo, no Rio de Janeiro, houve o bota-abaixo, que teve como consequência o deslocamento de milhares de pobres das áreas centrais para locais de difícil acesso. A intenção era correr com os pobres para que dessem lugar a largas avenidas, no projeto de urbanização da época. Recentemente, foi a vez de João Doria tentar afugentar pobres do centro de São Paulo. O “modus operandi”? Contratar empresa para jogar água fria nos mendigos que estivessem dormindo nas calçadas.

No Rio de Janeiro do século XXI, com suas largas avenidas, a ocupação da cidade pelo exército é teatro sinistro que, se prender, prenderá os de sempre — negros, pobres. Não há cerco contra poderosos corruptos, apenas contra pobres, não importa se desonestos ou honestos. Dândis ricos continuarão a comercializar e a cheirar a cocaína deles em helicópteros. Ricos (ou os que se acham ricos) podem circular ou voar ou cheirar à vontade. 

Haicai 63

Retina 
cansada:
rotina. 

“Gilbert Grape: Aprendiz de sonhador”

É comum a ideia de que livros ruins geram filmes bons e a de que livros bons geram filmes ruins. Há exceções. “Drácula”, do Coppola, é um filmão baseado num grande livro. Não sei se “What's eating Gilbert Grape”, de Peter Hedges, é um grande livro, mas ele é a base de um grande filme, de 1993, que em inglês tem o mesmo título do livro. Releve o título brega que o filme recebeu em português (Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador). É um filmaço. O diretor é Lasse Hallström; Peter Hedges é também o autor do roteiro do filme.

Há as atuações de Leonardo DiCaprio, que tinha dezenove anos na época, e de Johnny Depp, então com trinta anos. Depp interpreta o Gilbert Grape do título; Arnie, interpretado por DiCaprio, é irmão de Gilbert. Arnie tem problemas mentais. Quem cuida dele a maior parte do tempo é Gilbert. A mãe deles é Bonnie Grape. Ela é interpretada por Darlene Cates, que morreu em março do ano passado. Ela tinha obesidade mórbida. Bonnie Grape foi um dos poucos papéis dela no cinema.

Este trabalho de Lasse Hallström tem o maior dos apelos que uma narrativa pode ter: é uma boa história. Sei que isso soa impreciso, turvo, mas sabemos reconhecer uma grande história quando estamos diante de uma. “Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador” não precisa apelar para firulas técnicas a fim de convencer e de sensibilizar. A poderosa narrativa fala por si.

Um grande filme não precisa ter espiões, magnatas, gente com superpoderes. Personagens assim podem estar em belos filmes; mesmo assim, é bonito assistir a uma produção em que a força das pessoas está exatamente nos dramas por que passam em suas “vidinhas”. Não é fácil produzir arte a partir de personagens tão triviais. A maioria de nós é gente sem nada de acachapante. Todavia, trabalhos como “Gilbert Grape: Aprendiz de Sonhador” não nos deixam esquecer de que as pequenas-grandes lutas da maioria de nós todos os dias podem assumir dimensões artísticas ou grandiosas.