terça-feira, 29 de março de 2016

Jogo dos sete erros

Nós, os errados, somos dois.
Meu erro foi acreditar em seu erro.
Antes de tudo, você se enganou.
Eu me iludi a partir de seu engano.
Você errou ao acreditar que sentia.
Eu errei ao acreditar que você sentia.
A crença pode ser um erro. 

domingo, 27 de março de 2016

Corporal

O olhar entende, 
a pele sabe, 
os braços compreendem.

O amor é concreto, 
tem forma de corpo.
O corpo é que
sabe do amor.
De dentro
do corpo é que
a saudade 
quer sair.
O invólucro 
do amor 
é a pele.
Amor é corpo
querendo corpo.
Do amor, 
o corpo é casa.

Tu moras 
em meu corpo. 

"Podemos ser heróis"

Brandon Routh é o Super-Homem em “Super-Homem: o retorno”, de 2006, dirigido por Bryan Singer. Há um momento em que ele é levado a um hospital, após cair do espaço. A sequência evidencia o lado “humano” ou “fraco” de um super-herói, que, de repente, está na dependência dos humanos para se salvar.

Seis anos depois, em 2012, veio “O espetacular Homem-Aranha”, dirigido por Marc Webb. O fazedor de teias é interpretado por Andrew Garfield. A despeito das críticas que podem ser... tecidas contra o filme, há uma sequência belíssima em que o cinema, mais uma vez, “fragiliza” ou “humaniza” a figura do super-herói.

Na parte final do filme de Webb, um baleado Homem-Aranha se vê em dificuldades para chegar a tempo a um edifício que está a muitas quadras de distância; o herói tem de impedir o gosmento Lagarto, interpretado por Rhys Ifans, de transformar os humanos em... lagartos. É quando um operador de guindastes aciona outros operadores de guindaste; operando as máquinas, criam uma disposição nelas que permite ao Homem-Aranha chegar ao prédio.

A trilha sonora, sob responsabilidade de James Horner, compõe o elevado clima da sequência, que também enfatiza a interação ou a interdependência entre os humanos e um super-herói. Momento em que homem e super-herói têm uma dependência mútua, sugerindo uma comunhão possível entre seres de diferentes naturezas ou essências. Ou ainda a ideia de que podemos ser “heróis”; ou de que heróis podem, como nós, “fraquejar”. Acabei me lembrando do Bowie: “We can be heroes just for one day”. 

quarta-feira, 23 de março de 2016

"Espanglês"

Só recentemente assisti a “Espanglês” (Spanglish, 2004), do diretor James L. Brooks, que também é o roteirista do filme, o qual é leve, divertido. Todavia não deixa de ser reflexivo e de carregar uma nota de tristeza ante as decisões que a vida nos leva a tomar.

A belíssima Paz Vega interpreta Flor Moreno. Ela deixa o México e vai para os EUA com a filha Cristina, interpretada por Shelbie Bruce. Flor acaba indo trabalhar na casa de John Clasky (Adam Sandler), casado com Deborah Clasky (Téa Leoni). Com Flor, posteriormente, vai a filha dela. John e Deborah têm como filhos um casal de crianças. Também vive com eles a mãe de Deborah, Evelyn, interpretada por Cloris Leachman.

Flor não fala nada de inglês, o que acaba gerando situações divertidas, em função da convivência que ela precisa ter com a família. Antes que ela começasse a tentar aprender o idioma, era auxiliada pela filha, que era a intérprete entre Flor e a família Clasky.

A despeito das neuroses de Deborah e da paciência de John em tentar lidar com elas, o que me chamou a atenção foi mesmo a delicada relação que vai se formando entre John e Flor. Em meio às piadas, tiradas e situações cômicas do roteiro, o que impede “Espanglês” de ser “simplesmente” uma comediazinha romântica são a atuação de Paz Vega e o desfecho do filme.

Há momentos em que Flor olha para John de um modo muito apaixonado e terno, ao mesmo tempo em que se esforça para não deixar transparecer o que sente por ele; essas cenas são o ponto alto do filme. Em determinado ponto, John a leva para o restaurante dele (ele é “chef”), quando o estabelecimento já está fechado. Numa bela metáfora que expressa o estar dividido entre o sonho e a realidade, os pés de Flor se recusam, inicialmente, a tocar o chão, enquanto ela e John estão acomodados num dos móveis do restaurante.

Quando o filme já está quase terminando, é Deborah quem diz a Flor uma frase muito forte. Algo assim: “Eu vivi inteiramente para mim mesma; você vive inteiramente para sua filha. Nós duas estamos erradas”. “Espanglês” é uma daquelas produções que misturam peso e leveza; ou um daqueles filmes em que a leveza não impede que haja reflexões acerca das decisões que somos “obrigados” a tomar.

Para terminar, permitam-me um comentário pessoal sobre Paz Vega: que mulher sensual! Ela me lembrou Nimrat Kaur, que interpreta Ila no filme “The lunchbox”, que também já comentei. Tanto Paz Vega em “Espanglês” quanto Nimrat Kaur em “The lunchbox” vestem figurinos simples mas, que, se observados, não deixam de sugerir a sensualidade das atrizes. 

terça-feira, 22 de março de 2016

?

O que faremos
de nossas bocas
se a minha não beija a tua
e se a tua não percorre a minha?

O que faremos
de nossas mãos
se elas não se conduzem?

O que faremos
de nosso tesão
se o meu não causar o teu
e se o teu não provocar o meu?

O que faremos
de nossos corpos
se não estão juntos
de madrugada?

O que faremos
de nossa saudade,
de nossas risadas,
de nossos livros,
de nossos poemas?

O que faremos
do que queremos contar
um para o outro?

O que faremos
de nosso agora
sem um aqui nosso?

O que faremos
de nosso aqui
sem um agora nosso?

O que faremos
de nossos olhares
quando um procurar
pelo olhar do outro?

O que faremos
do bar se não estamos
à mesa?

O que faremos
do chão se ele não apoia
a urgência de nosso amor?

O que faremos
um do outro
se um está
longe do outro?

O que farás de ti?
O que farei de mim?
O que fazer deste texto? 

Clinton, Fidel, Márquez, Obama

García Márquez era amigo de Fidel Castro e de Bill Clinton. Era criticado tanto pela amizade com este quanto pela amizade com aquele. Dizia que muitas das desavenças entre Cuba e EUA desvaneceriam se Fidel e Clinton simplesmente se sentassem para conversar. Hoje, Obama em Havana. Suponho que o escritor teria gostado de assistir a isso. 

segunda-feira, 21 de março de 2016

Trilha sonora

— Amor, vem rápido! 
— Acabei de entrar no carro.
— Óh, hoje eu tô mais pra rock do que pra árias.
— Já tô escutando Led Zeppelin. 

domingo, 20 de março de 2016

Do fundo do cérebro


Certa vez, numa aula de inglês do ensino médio, havia na apostila um texto sobre o amor. Um determinado trecho dizia sobre amar do fundo do coração. Foi quando uma aluna pediu para falar: “A gente ama é do fundo do cérebro”.

Eu soube na hora que não me esqueceria disso, por concordar demais com o que ela acabara de dizer. Perguntei à aluna se a frase era dela; ela me disse que não, contando-me de quem ouvira a pérola; não me lembro do nome da pessoa que havia dito a ideia para a aluna. De tempos em tempos, a frase volta a meu... cérebro.

Ontem, fui conferir música ao vivo com os amigos Piêit e Alexandre. Executaram uma canção que eu não conhecia. Mas foi uma daquelas canções pelas quais, de imediato, sentimo-nos atraídos. Hoje, entrei em contato com o Alexandre, que me passou o nome dela: “Love on the brain”, da Rihanna.

Naturalmente, foi só ler o título da canção para que eu me lembrasse do que minha aluna havia comentado em sala de aula. Entrei em contato com o Alexandre há pouco, às 20h43. Desde então, tenho escutado a canção sem parar. Sei que essa história vai longe hoje ainda, bem como vai continuar amanhã. É só uma canção pop. Mas, do fundo do cérebro, logo gostei dela, também pela pegada da letra. 

Bairro

Teu lugar é perto. 
Esta lonjura
não combina 
com nossas bocas. 

Pegada

Foi quando
ela disse:
“Você me deixa 
na boca
um gosto de
quero ais”. 

sábado, 19 de março de 2016

O corpo da palavra

Quando tenho 
palavras, 
piso firme, 
voo alto. 
Entre o
chão e
o céu, 
meu corpo
entre livros, 
meu corpo
entre linhas, 
meu corpo
entretido. 

Apontamento 321

Suponho que só uma pessoa se divertia mais do que o leitor diante dos aforismos de Oscar Wilde: Oscar Wilde. 

Gnoma

É sabido que 
curvas e 
bacadas 
ensinam.

Caminhos 
retilíneos 
e uniformes 
também. 

Exortação

Escrevo de chofre uma exortação 
para que haja mais uma poeta no mundo.
Não sei se terá muitos leitores.
Asseguro: terá um.

Se há uma poeta
e há um leitor,
há literatura.
Se a literatura vive,
vive quem escreve,
vive quem lê.

Palavra de leitor. 

quinta-feira, 17 de março de 2016

Dois fios

Se cada um deles 
sair de sua ponta e 
seguir rumo ao meio, 
não se acharão: 
o fio que os ligava
se rompeu.

Nas mãos de cada,
a metade do fio,
que é a metade de
uma história que
aconteceu pela metade. 

quarta-feira, 16 de março de 2016

Toda

Tuas palavras são uma extensão do que és.
Não me deixes sem elas.

Teu beijo é uma extensão do que és.
Não me deixes sem ele.

Teu gozo é uma extensão do que és.
Não me deixes sem ele.

Tua inteligência é uma extensão do que és.
Não me deixes sem ela.

Tua voz,
teu sorriso,
tuas mãos,
teus cabelos,
teu gosto,
tua vontade de ficar.

Não me deixes tu sem nada de ti.
Tu és uma extensão do amor. 

Apontamento 320

Certa vez, tive de participar, em Belo Horizonte, de um evento promovido pela escola em que eu então trabalhava; uma escola aqui de Patos de Minas. Da programação, constava uma palestra sobre ética. Logo, logo, torci o nariz, supondo de antemão ser mais uma daquelas palestras a que tantas e tantas vezes eu havia assistido: carregada de chavões, de humor duvidoso e forçado e temperada por constrangedoras obviedades.

Com exceção das primeiras palavras do palestrante, de cujo nome não me lembro, não me recordo de mais nada do que ele disse. Todavia, essas primeiras palavras sempre me acompanham desde então. Ao iniciar a fala dele, o conferencista disse que se estávamos lá reunidos para discutir ética, isso seria sintoma de que ela estava faltando. A seguir, sim, afirmou o que foi marcante para mim: “Além do mais, a gente percebe se o sujeito tem ética pelo modo como ele abre uma porta”.

Somos metonímias, metáforas, indícios, índices, signos. Dizemos o que somos em corpo, em palavras e em silêncios. Somos o que dizemos e aquilo que queremos dizer. Nós nos “denunciamos” o tempo todo; em cada gesto nosso dizemos ao outro o que somos; mesmo no silêncio (ou, talvez, principalmente nele), contamos para o outro o que somos. Em contrapartida, no todo, somos maus leitores do que o outro nos envia.
_________

Estou com forte impressão de que já contei sobre o palestrante mencionado acima e de que já escrevi as digressões contidas neste texto. 

Fotopoema 387

terça-feira, 15 de março de 2016

Concreto e abstrato

Esse 
teu corpo...

Essa 
tua inteligência...

Quero-te
dos pés
à mente. 

segunda-feira, 14 de março de 2016

Entrevista para o Conexão Unipam


Entrevista que concedi para o programa Conexão Unipam. O bate-papo foi ao ar no dia 11/03. Durante a conversa, falei de meu mais recente livro, Dislexias, lançado aqui em Patos de Minas recentemente. 

Tessitura

Para ti,
uma palavra. 
Depois, 
outra e outra. 
Assim
vou tecendo
a manta que te oferto.
Conforto e aconchego 
para aquecer 
de dentro
para fora. 

Apontamento 319

Só aparentemente está a árvore desguarnecida: ela tem raízes. 

Haicai 47

Somos nós, é mito.
Podemos até perder o fio da meada,
mas seremos nós, akai ito. 

domingo, 13 de março de 2016

Apontamento 318

Palavras me servem para que eu adentre cada vez mais no reino da beleza e da lucidez. 

Noite nossa

O brilho das estrelas 
nos olhos das pessoas.
As cores da noite
no rosto das pessoas. 
O cheiro da noite
na pele das pessoas. 
As roupas da noite
envolvendo as pessoas.

Um gemido de prazer, 
mais um gole, 
a mensagem inesperada. 
Desejos edificam a noite.
O Sol que nasce nos acolhe. 

Pairando

Borboleteando

quinta-feira, 10 de março de 2016

Apontamento 317

A ignorância truculenta da turba não deve ser motivo para desânimo, mas um dos combustíveis para que não estejamos em meio a ela. 

"Zen Socialismo", de Cynara Menezes

Terminei de ler “Zen Socialismo”, da blogueira Cynara Menezes. O livro, publicado pela imprescindível Geração Editorial, é uma coletânea de postagens da jornalista no blogue mantido por ela, o Socialista Morena.

De viés esquerdista, mas tendo a necessária lucidez de assumir os erros da mesma esquerda que defende, Cynara discute, com coragem, os temas que andam agitando debates ou arremedos de debate no Brasil de hoje. Os títulos das seções do livro já deixam entrever os tópicos abordados pela escritora: ‪#‎Socialismo‬ ‪#‎Comunismo‬, ‪#‎Brasil‬, ‪#‎Literatura‬, ‪#‎Camaradas‬, ‪#‎Mundo‬, ‪#‎Maconha‬, ‪#‎Jornalismo‬, ‪#‎Vida‬, ‪#‎Sexualidade‬, ‪#‎Entrevistas‬.

O texto de Cynara Menezes é simples, direto; tem um coloquialismo que, todavia, não impede a autora de debater em tom adequado os temas polêmicos a que se dedica, seja, por exemplo, a descriminalização do aborto, seja o preconceito contra mulheres, homossexuais, negros e pobres. Por vezes, vale-se do humor para ser didática; o texto “Teorias estapafúrdias da direita comunistofóbica” ilustra tanto o humor quando o didatismo a que me referi.

O estilo simples e os ocasionais toques de humor no texto não retiram a contundência da abordagem de Cynara (ademais, não raro, o humor torna ainda mais contundente um determinado assunto). Não bastasse isso, há espaço para o lirismo ou para a poesia. O texto “Elogio ao loser” é um belo exemplo disso.

Hoje, Cynara trabalha de modo independente. Ela se mantém graças às contribuições financeiras de seus leitores. A jornalista já esteve na Veja e na Folha de S.Paulo, que hoje, como nunca, têm linhas editoriais diferentes dos interesses e dos ideais da Socialista Morena. Para os interessados em conhecer o trabalho dela, ou em com ele contribuir financeiramente, basta clicar aqui. Há também a página no Facebook

quarta-feira, 9 de março de 2016

(Não) Dito

Eu não deveria dizer,
mas sinto tua falta.
Nem deveria dizer
que penso em ti
o tempo todo.
Muito menos
que acordo
pensando 
em ti,
que adormeço
pensando em ti,
que habitas
meus sonhos.

Claro que eu
não deveria dizer
que comprei 
“aquele” vinho,
que aparei a barba,
que escrevi
um texto
para ti,
que estou
te imaginando
de vestido.

Eu não
deveria dizer
que vejo
teu rosto
na multidão,
que quero
te contar
o que acontece
comigo.
(Por exemplo:
voltei, de novo,
para a academia.)

Não deveria
eu te dizer
que é em ti
que penso quando
vou escolher
uma camisa
ou quando 
tomo café.

Sei que eu
não deveria dizer
o que digo agora.
Nem deveria
dizer da
vontade 
de dizer
o que nunca
foi dito.

Mas agora
é tarde.
Algo foi dito.
Que fique,
do dito e
do não dito,
este poema,
que é um
modo de dizer.
Por um lado,
muito calei;
por outro,
algo eu disse.

Depois de tudo,
silêncio. 

terça-feira, 8 de março de 2016

Chama

Eu aqui.
Você aí.
Nesta
história
feita de
distâncias,
estou mesmo
é pensando
em colocar
lenha na
fogueira.
O que 
achas? 

Rito

Primeiro,
tirar, 
do corpo,
o peso.
Retirar
do corpo
essas coisas
que cheiram
a civilidade.
Deixar o corpo
exalar um pouco
do que ele é.

Feito isso,
resgatar,
da alma,
a leveza.

Vale 
humor,
música,
livro,
silêncio,
dança.

O que vier é festa.
Isto é um convite. 

segunda-feira, 7 de março de 2016

Fotopoema 386

Aos poucos

Pela manhã, 
disse que começaria à tarde.

Quando veio a tarde, 
deixou para a noite.

Quando veio a noite, 
deixou para o outro dia.

Quando veio o outro dia, 
deixou para semana seguinte.

Quando veio a semana seguinte, 
deixou para o mês seguinte.

Quando veio o mês seguinte, 
deixou para o semestre seguinte.

Quando veio o semestre seguinte, 
deixou para o ano seguinte.

Quando veio o ano seguinte, 
deixou para a década seguinte.

Quando veio a década seguinte, 
a vida não resistiu. 

Apontamento 316

A literatura não rejeita nem a transcendência nem a vileza. A literatura comporta o que o ser humano é; nada do que somos deve ser estranho para ela. Servem para o texto literário o momento de ascese ou o desejo de pacto com o demônio, uma cena terna entre amantes ou a maldade absoluta levada a cabo numa viela de uma cidadezinha. A literatura é o que o homem é; é tudo aquilo que ele é capaz de realizar, seja nobre, seja torpe; seja ridículo, seja sagaz; seja engraçado, seja monótono. 

domingo, 6 de março de 2016

Como? Onde? Quando?

Anteriormente, já escrevi sobre o que talvez tenha me tornado um leitor. Já falei de livros e de revistas que me influenciaram. Hoje pela manhã, lembrei-me de duas leituras que, suponho, também fizeram com que eu adquirisse o gosto pelo ato de ler.

Penso haver muito de imprecisão nesses “diagnósticos”. Parece-me impossível rastrear todas as causas que nos fazem sermos o que somos. Suspeitamos de algumas, que podem nem ser causas daquilo que supomos que são. Mesmo assim, arriscamo-nos, e isso é bom, pois é uma tentativa de desvelar um fio que, talvez, leve-nos a nosso passado; quem sabe, leve-nos ao que somos.

Quando estudei no Polivalente, aqui em Patos de Minas, onde acabaria por fazer um curso técnico — edificações —, eu ia com frequência à biblioteca. Lembro-me de, por lá, ter tido contato com a literatura (Fernando Pessoa, por exemplo). Mas havia uma coleção que muito me atraía. Eram, não me lembro ao certo, quatro ou cinco volumes. Os títulos, eram algo assim: “O livro do como”, “O livro do onde”, “O livro do quando”...

Eram escritos em forma de perguntas. Assim, em “O livro do como”, poderia haver uma pergunta do tipo “como se fabrica um livro?”; em “O livro do onde”, poderia haver uma pergunta do tipo “onde ocorreu o Maio de 68?”; em “O livro do quando”, uma do tipo “quando o rádio foi inventado?”. Eu gostava muito de ler os volumes da coleção, que era, em essência, se não me engano, de divulgação científica. Já devo ter dito anteriormente que sempre gostei de ler textos de divulgação científica. É o tipo de leitura que faço até hoje.

Já em outra biblioteca, acho que na do Cesu, tive contato com um livro que deixou marcas em mim. Não me lembro do título, não me lembro do nome do organizador, mas era um livro extenso; continha máximas de cunho edificante. Lembro-me da primeira: “Um caminho de mil léguas começa com o primeiro passo”. Devo ter lido todo o livro durante as frequentes idas ao Cesu. Lá, eu também gostava de ler enciclopédias.

Curiosamente, esse livro de máximas, assim suponho, acabaria influenciando meu jeito de escrever, em que tento dizer as coisas com o mínimo de palavras (já tentei me livrar disso, mas não consigo). Não é o caso de afirmar com veemência que assim escrevo só por causa desse livro, mas parece-me que ele, com os epigramas que continha, teve influência definitiva no meu modo um tanto epigramático de escrever em verso.

sábado, 5 de março de 2016

O que é trazido

Quando é dia, 
meus pensamentos te trazem.

Quando é noite, 
meus sonhos te trazem.

A vida não te trouxe. 

sexta-feira, 4 de março de 2016

... E de repente...

Querem nosso fim, sem saberem que sabemos renascer. Na década de 80 (talvez na de 90), vi pichado num muro, na Rua Dona Luíza, aqui em Patos de Minas: “Eles destruíram nossas vidas, mas não as nossas ondas. Assinado: Os Surfistas”. O espírito da fênix habita também as águas, habita a Ilha de Vera Cruz. 

Convite de festa

Hoje a festa é aqui em casa.
Mirando um oceano marinho,
viramos as costas para a terra.
Toda esta festa é em minha casa;
toda a minha casa é para ti.
Meu quintal é o Brasil.

Em uníssono, cantaremos:
hoje a festa é nua,
nossa é a festa hoje,
é daqueles que vierem.
Brindaremos felizes,
enquanto a onda desfere
na areia da praia mais um golpe. 

À porta

Quando a saudade bate, 
não há como a gente fingir 
que não está em casa. 

Ela bate é de dentro para fora. 

Enquanto isso

Procuro um silêncio que não seja bobo.
Silêncio de quem deixa as palavras maturarem,
de quem rumina ideias, desejos, contextos.
Pondero, moldando em quietude aparente
as palavras que serão meu legado.
Estou juntando a multidão de peças.
Em breve, digitarei organização e lucidez. 

quinta-feira, 3 de março de 2016

Hoje de manhã



De uns dias para cá, indo para o trabalho, eu vinha reparando que havia algumas possibilidades fotográficas ali nas imediações do estádio do Mamoré, aqui em Patos de Minas. Hoje pela manhã, parei de adiar, levei a câmera. Nesta postagem, três das fotos que tirei. 

Ilusão engravatada

São poucas as pessoas que têm a oportunidade de realizar no trabalho o que têm de melhor. Não bastasse isso, e já é grave o bastante tantas pessoas não terem a oportunidade de serem o melhor que são em seu trabalho, há uma teia burocrática e um arranjo pseudossofisticado que pode deixar a impressão, em alguns, de que o trabalho é intelectual, criativo, quando, na verdade, é braçal; é uma espécie de linha de produção em que se trocaram esteiras e bigornas por papéis e carimbos.

É triste que muitos passem uma vida toda mergulhados num trabalho que nada lhes acrescenta; quando muito, recebem pouco dinheiro, não raro iludidos de que estão recebendo mais do que o bastante pelo que fazem. Dizem com orgulho que estão trabalhando muito, sentem-se úteis para seus chefes, para sua comunidade, sem ter a noção de que estão é matando o que têm de melhor em nome de uma causa que pouco se importa com o modo como alguém pode ser uma pessoa melhor, mais ampla, mais capaz, mais inteligente. A melhor maneira de contribuirmos para a sociedade é termos a oportunidade sermos o que podemos ser.

Engravatados e com ternos de preciso corte, muitos se emaranham no jogo, desperdiçando energia física e intelectual em ilusões que minam o poder criativo. Lamentável não ocorrer a muitos a ideia de que podem se despojar de parte do trabalho que têm de executar. Se fizessem isso, teriam mais tempo para si; tendo mais tempo para si, poderiam descobrir recantos inexplorados e ricos no próprio terreno, no próprio quintal. Mas é tarde de sábado. O chefe está ligando. O estudo de astronomia pode ficar para outra hora. 

Duas felicidades

Há um paralelo, que reconheço ser um tanto ingênuo, que faço entre as obras de Borges e de García Márquez: ambos produziram uma literatura feliz, por mais pobre que esse adjetivo soe.

O argentino, por intermédio de um ludismo nobre e elevado, cheio de referências literárias; o colombiano, por meio de uma prosa fluente, com senso de humor e permeada pelas facetas do sentimento amoroso.

Em García Márquez, a questão política fala mais alto do que em Borges, que, no todo, voltava-se mais para uma literatura que faz de si seu grande tema, bem como para deliciosas questões metafísicas. Já García Márquez, a despeito de magias macondianas, tem, por assim dizer, um enfoque mais terreno.

Ambos, contudo, tanto em suas literaturas quanto em suas entrevistas, apontam para uma felicidade possível, tanto a partir da criação literária quanto a partir das circunstâncias da vida. Parece-me que foram dois felizes. 

"Credo", de Mario Benedetti

quarta-feira, 2 de março de 2016

A história por trás da foto (90)

Estas criaturas são ligeiras, irrequietas; gosto de fotografá-las durante o voo. Num dia em que minha intenção não era fotografar beija-flores, dei-me conta deste pousado nas proximidades de onde eu estava. Creio que ele estava descansando.

Na câmera, estava acoplada uma lente macro, nada apropriada para fotografar beija-flores, pois, com uma lente dessas, eu teria de ficar um tanto próximo do beija-flor se quisesse uma imagem que o mostrasse mais de perto.

Como quem não quer nada, passo a passo, fui me aproximando, até o ponto em que eu estava a uma distância em que seria possível fotografá-lo com a lente macro. Com vagar, quase sem respirar, aproximei o equipamento do rosto, encaixei o olho no visor e cliquei. 

Anunciação

Os sinos dobram.
Nesse instante,
dobrando a esquina, 
Francisco vai embora.
Fica no peito de Maria
o dobro de saudade. 

Lições

O gato sobe na árvore. 
Nem sempre consegue descer. 
Aprende, com os gatos, a procurar alturas. 
Aprende, com as minhocas, a ser telúrico. 

terça-feira, 1 de março de 2016

And the Oscar...

Ainda estou com o evento de entrega do Oscar na cabeça. Atribuo esta postagem a isso.

Sempre achei um barato as frases de pôsteres de filmes. Não tenho o filme, mas já tenho a frase do pôster, mesmo sem haver pôster:

O que você faria para tentar esquecer um amor?

Ou então:

Até onde você iria para tentar esquecer um amor?

Se eu não ficar com preguiça, vou pensar em outras frases para hipotéticos pôsteres referentes a imaginários filmes. 

Para casa

Ainda não pisei a terra a que pertenço.
Já nasci no exílio, mas sei que
voltarei para a casa que é minha.

Um sangue dançante me agita.
Sou herdeiro de um ar
que ainda não sorvi.

A vida me levará a meu destino.
Estarei em casa quando eu acabar.
Vou estar na África pelo resto da vida.