segunda-feira, 30 de junho de 2014

PARA NÓS

Quando há comunhão, 
as coisas fazem sentido.
Pode haver sentido 
à noite ou 
às dez da manhã.

Quando há comunhão, 
as coisas fazem sentido.
Pode haver sentido 
na multidão ou 
no silêncio único do quarto.

Quando há comunhão, 
as coisas fazem sentido.
Existe comunhão aqui, agora. 
Quero que ela seja tua também.
As coisas fazem sentido 
quando a comunhão é partilhada. 

ALEMANHA X ARGÉLIA

Que bom que a vida me deu a chance de estar vivo para assistir a uma partida como a realizada há pouco, em Porto Alegre, entre Alemanha e Argélia. 

sexta-feira, 27 de junho de 2014

CONCRETO

A poesia não precisa do amor.
O amor não precisa da poesia.
Mas se o amor desemboca em poesia,
ou se a poesia ornamenta o amor,
então a palavra habita o corpo. 

SEM GRAVATA

Leio no Pragmatismo Político que parte da elite uruguaia não aprova o governo de Mujica. Isso não surpreende, bem como não surpreende o tipo de “raciocínio” de que se valem para criticar o estadista. Num dos camarotes de estádio da Copa do Mundo, o seguinte “argumento” contra Mujica foi proferido: “Ele não usa gravata, não tem presença para representar o país”... 

terça-feira, 24 de junho de 2014

QUARENTA E TRÊS

Mondragon: realismo mágico. 

CAIMENTO

Meteoro,
granizo, 
chuva,
raio, 
neve, 
gente: 
as coisas 
caem do céu. 

segunda-feira, 23 de junho de 2014

CADENTE

A estrela risca a escuridão.
Fecho os olhos,
faço o pedido — 
ciente de que as coisas 
não caem do céu. 

EM CORES

Já não sabe de si. 
Coração dispara, 
adolescente aos 
quarenta e três.
A boca, fascinada, tem, 
na baba, as cores do arco-íris. 

SOU O QUE LEIO

Meu jeito de ser é profundamente influenciado pelas leituras começadas na adolescência. Se por um lado me dediquei a livros para os quais eu ainda não estava pronto, por outro, essas mesmas leituras deixaram marcas indeléveis. É claro que não sei como eu seria se não tivesse havido tais leituras, mas não consigo me imaginar sem elas. Não sei o que há de sorte nem o que há de mérito nas escolhas de leitura que comecei a fazer por volta dos doze, treze anos. Do que sei, é que agradeço à vida por essas leituras terem existido.

Não estou certo de onde vem meu interesse por biografias. Pode ser que ele seja consequência das leituras que comecei a fazer sobre o Renascimento. Quando dessas leituras, eu não tinha a dimensão histórica; o que me fascinava era somente o ecletismo, a diversidade de tarefas a que os gênios do período se dedicavam. Esse fascínio acabou me levando a não engavetar o conhecimento, levou-me a valorizar tanto a arte quanto a ciência, a buscar uma mescla das duas. Ainda bem jovem, adquiri o que chamo de senso de ecletismo.

Enquanto eu devorava biografias (tendo adquirido gosto pelo gênero, passei a ler não somente sobre os renascentistas), certo dia eu me deparei, no trabalho, com uma velha revista de divulgação científica. Uma das matérias que compunham a publicação se chamava “Gênios idiotas”: era sobre pessoas que têm uma enorme habilidade mental para determinada tarefa (fazer cálculos complexos de cabeça, por exemplo), mas que se embaralham diante de tarefas simples. Outra matéria discorria sobre a memória.

Eu nunca soube o nome da revista, que não tinha capa nem contracapa; as páginas internas não continham identificação. Até há bem pouco tempo essa revista estava em meio a velhos papéis; não sei onde pode estar agora. De qualquer modo, a gana por esse tipo de leitura se esbaldou quando a revista Superinteressante foi lançada. Por anos fui leitor do periódico, que eu aguardava com ânsia e devorava com fervor. Paralelamente, eu prosseguia com a leitura de biografias. Passei a ler a coleção O pensamento vivo, publicada pela Martin Claret. Meu primeiro contato com Borges foi por intermédio dessa coleção.

Meu pai tocava violão, gostava de escutar rock. Cresci ao som de Beatles, Led Zeppelin, Pink Floyd... Na adolescência, tendo já sedimentado o gosto pela leitura, foi natural, em função da convivência com a música, que eu acabasse tendo contato com a revista Bizz, que também li com entusiasmo por anos e anos. A leitura da Bizz e da Superinteressante acabaram fazendo com que eu me tornasse também um leitor de revistas. Atualmente, leio a Piauí. Da leitura de periódicos, de biografias, de filosofia e de literatura veio o que chamei de senso de ecletismo.

Ao mesmo tempo, um outro senso ia se formando, solidificando-se: chamo-o de senso de rebeldia. Eu o devo também às leituras: não venho de estirpe rebelde, contestadora. Não me lembro, por exemplo, de meu pai criticar a ditadura militar, embora também não me lembre de ele a elogiar. Mesmo procurando estar informado, principalmente escutando rádio, meu pai não me parecia interessado em política. Se era, esse interesse não transparecia em casa. Pelo menos por aqui, o que o absorvia era mesmo a música.

Todavia, o senso de rebeldia a que me referi não é estritamente, digamos, político. Num sentido amplo, é bem verdade que toda ação pode ser interpretada como sendo política; ainda assim, desde cedo foi se esboçando em mim uma desconfiança dos meios de comunicação (desconfiança essa que é maior do que nunca), das versões ditas oficiais e do comportamento das turbas, que não raro são produto do que a mídia determina. O que considero rebeldia está mais interessado na "sujeirinha", na imperfeição, mais ligado na “nódoa no brim”, expressão com que Bandeira definiu a poesia. Na adolescência, ler sobre e escutar o legado de gente como Renato Russo ou Ian Curtis intensificaram essa rebeldia.

Há por fim o que chamo de senso do belo. Eu o devo graças à convivência com a ciência, com a filosofia, com a ficção e com a poesia. Ensinaram-me o cosmopolitismo, deram-me a capacidade de me espantar com sutilezas, de não hierarquizar as áreas do conhecimento, de entender que em essência somos os mesmos. Desde quando eu era bem jovem, a literatura e a filosofia me incutiram uma ideia de coletividade, de pertencimento. A rigor, esse pertencimento poderia ser outro senso, mas o deixo como consequência do senso do belo. Existe beleza em constatar que “as pessoas são as mesmas aonde quer que você vá”, como na letra de “Ebony and ivory”.

Não exagero se digo que sou resultado do que tenho lido. O que sou, o que penso e o que faço são consequências de minha convivência com as palavras, que me deixam mais lúcido, que fazem com que eu fique de bem comigo mesmo, aceitando-me sem comodismo. Não deletei utopias. À medida que a gente vai envelhecendo, vai ficando cada vez mais com os pés no chão, o que é benéfico. Mas, graças à convivência com livros, não joguei fora a rebeldia que é sonhar. 

domingo, 22 de junho de 2014

QUASE

Afia a faca — vida por um fio.
Em momento cortante, 
o gume se rende. 

CLAROESCURO

Qualquer luz 
é uma espécie de luz do dia. 

Mas pode haver clarividência 
no que imita a noite. 

sábado, 21 de junho de 2014

ANAGRAMAS

O aroma da amora,
o pardo prado.
O quarto, o quatro.
Lidar com o ardil,
o caos, o caso:
coisa ciosa.

O poder podre.
Escalo a escola.
Lavo o alvo,
a lava alva.

Algo, lago, Olga;
usada, suada.
Salta no atlas.
É dia, é ida.

Lato alto.
Pena, pane.
Nado na onda.
Misto de istmo.

Revelar, relevar.
Eu queria — queira.
Alegria, alergia.
Temi o time,
a alma na lama.
Na sala, alas.
Anda, nada.
O ator na rota.

A lata é alta.
Nela, anel.
Aram, Mara.
No ramo, amor.
Usar, suar,
soar raso.
No solo, em Oslo.
Luar, Raul.
Assim, missa.

O atol lota.
Gato em toga,
gato em gota.
Ave, Eva!
O gelo, o gole.
Tanto e tonta.

Ando na onda.
O faro, o fora.
Garça e graça.
O parto é porta,
a pedra é perda.
Orar é raro.
Rubro rubor.
O fruto do furto
em torno do trono. 

15

The record is getting Klose.
The record is getting, Klose. 

TIRANDO O CHAPÉU

Tendo saído para fotografar, eu me deparei com este chapéu no mastro de uma cerca. Não haveria como não fazer os registros.


É VERMELHO, CONSTANTINO

É preciso ser um grande artista ou ser muito inteligente para fazer com que paixões, ódios ou ranços não destruam um texto. O Rodrigo Constantino, da Veja, até agora, não deu provas de ser um grande artista. E deu provas de que não é muito inteligente.

Escreveu ele que o logotipo da Copa do Mundo, com o “2014” em vermelho, seria propaganda subliminar para o PT. O colunista tornou-se motivo de chacota. Segundo o Pragmatismo Político, Vincent Bevins, do Los Angeles Times, fez piada com o colunista da Veja.

Ainda segundo o Pragmatismo Político, o logotipo é uma criação da agência África. Integravam a equipe que escolheu a arte com o “2014” em vermelho: o presidente do Comitê Organizador Local da Copa (COL), Ricardo Teixeira, o secretário da Fifa, Jerome Valcke, Oscar Niemeyer, Paulo Coelho, Ivete Sangalo, Gisele Bündchen e Hans Donner.

Num tributo à neura do Constantino, posto, abaixo, a letra de “Vermelho”, composição de Chico da Silva. A canção foi um grande sucesso na voz da Márcia Freire. A Fafá de Belém também a gravou. Há ainda, pelo menos, uma outra gravação que já escutei, embora não me lembre com quem (lembro-me de que era voz masculina).
_____

Vermelho (Chico da Silva)

A cor do meu batuque
Tem o toque, tem o som da minha voz
Vermelho, vermelhaço, vesmelhusco
Vermelhante, vermelhão
O velho comunista se aliançou
Ao rubro do rubor do meu amor
O brilho do meu canto tem o tom
E a expressão da minha cor (vermelho)

A cor do meu batuque
Tem o toque, tem o som da minha voz
Vermelho, vermelhaço, vesmelhusco
Vermelhante, vermelhão
O velho comunista se aliançou
Ao rubro do rubor do meu amor
O brilho do meu canto tem o tom
E a expressão da minha cor (meu coração)

Meu coração é vermelho
De vermelho vive o coração
Tudo é garantido após a rosa avermelhar
Tudo é garantido após o sol vermelhecer

Vermelhou no curral
A ideologia do folclore avermelhou
Vermelhou a paixão
O fogo de artifício da vitória avermelhou 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

MUNDO DE COISAS

Respiro fundo, 
respiro o mundo.
Mergulho fundo, 
mergulho no mundo.

Um mundo de coisas 
banhando-se de mundo.
Mundo, imundo, sou
mundaréu no mundão. 

domingo, 15 de junho de 2014

ESPN BRASIL

É um refrigério poder assistir a um canal como a ESPN Brasil. Não bastassem as análises que dizem respeito aos esportes em si mesmos, os profissionais da emissora dão uma aula de civilidade, de espírito democrático, de ousadia e de musicalidade. Sim, de musicalidade. 

Além dessa musicalidade, fácil perceber, de tempos em tempos, a cultura geral que os integrantes da emissora têm. Tudo bem que cultura geral é meio que condição indispensável para quem trabalha num grande meio de comunicação, mas o modo como a ESPN deixa-nos entrever isso é sutil, inteligente.

Não embarcando num confortável e preconceituoso jornalismo panfletário, as análises esportivas da emissora transmitem independência e autenticidade. Cosmopolitas, não apelam para uma patriotada interesseira e boba; sagazes, acabam exibindo o lado saudável e sensato que o ufanismo pode ter.

Uma pena se tratar de um canal fechado. Por outro lado, ainda bem que o acesso à televisão por assinatura tem se tornado cada vez mais fácil. Que assim continue, para que mais e mais pessoas tenham acesso a uma aula de jornalismo, de comprometimento, de paixão e de cidadania. 

FENAMILHOS

Pode ter havido um tempo em que a Fenamilho era uma parceria entre prefeitura e sindicato rural. Parece-me que essa parceria não mais existe; pelo menos, não nos moldes como pode ter existido um dia. A festa do sindicato agora é em junho. Isso sugere uma não pareceria entre a prefeitura e a entidade dos produtores rurais.

Tem havido uma elitização da Fenamilho, considerando-se o que é realizado no parque de exposições. O valor da entrada é alto, o mesmo valendo para os valores dos produtos que são comercializados dentro do parque.

Levando-se em conta somente este ano de 2014, poder-se-ia argumentar que houve o Balaio Cultural, cuja entrada era de graça; há ainda o chamado passaporte, que pode fazer com que se pague um valor menor do que o que é pago quando se compra o ingresso avulso, na bilheteria. Isso, todavia, não anula o alto valor dos ingressos nem os preços altos cobrados no parque.

À parte isso, caso haja mesmo esse “cisma” entre prefeitura e sindicato, considero o que ocorre no parque um evento particular. Sendo esse o caso, os que o promovem têm o direito de cobrar o que quiserem — ou de convidarem quem quiserem.

Não havendo mais a parceria que pode um dia ter havido entre o poder público e o sindicato, restaria ao governo municipal idealizar, para valer, uma festa. Algo parecido com uma festividade tem sido feito na Getúlio Vargas. Mas, quem sabe, por que não a festa num outro espaço, num outro formato, com opções no decorrer de todo o dia? 

sexta-feira, 13 de junho de 2014

TORCIDA

1
Os dentes são branquinhos,
A boca, reveladora, imunda.

2
Duas classes:
os sem grana para o estádio 
e os sem classe. 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

PALAVRA POR PALAVRA

Se há palavras, 
nada me impede de tomar rum;
depois, de tomar, rumo;
por fim, de tomar prumo.

Se há palavras, 
brinco com coisa séria.
Se não há palavras, 
meu silêncio é bobo. 

INTELIGÊNCIA COMPARTILHADA

Já escrevi que não basta uma coisa ser ruim para que ela obtenha sucesso. Isso não quer dizer que tudo o que atinja o sucesso seja ruim, embora o usual seja a burrice ser propagada, divulgada e compartilhada.

Não é o caso da página Dilma Bolada, criada por Jeferson Monteiro. O espaço eletrônico mostra o ranço da direita, exibe as realizações da presidente e alerta para o jogo desonesto de boa parte da imprensa e dos meios de comunicação. Tudo isso, com um delicioso senso de humor. É muito engraçado imaginar a Dilma se valendo do “internetês”.

Dilma Bolada é a prova de que redes sociais podem também abrigar inteligência. Monteiro consegue tratar os temas mais controversos com graça, sem ao mesmo tempo deixar de chamar a atenção para o quanto são cabais. 

quarta-feira, 11 de junho de 2014

AÉCIO, O "NOBRE"

Em declaração para a revista Piauí deste junho, Aécio Neves disse: (...) “Se eu vencer as eleições vai ser muito bom para o Brasil. (...) Mas se eu não ganhar as eleições (...), vai ser muito bom para mim do ponto de vista pessoal”. Quero que o país fique bem; do mesmo modo, que Aécio fique bem: não votarei nele. 

terça-feira, 10 de junho de 2014

UM VELHO NA PIAUÍ

A revista Piauí deste mês de junho traz um texto de Roger Angell, jornalista americano e editor da revista The New Yorker. O título é “Eu, um velho”; a tradução é de Claudio Marcondes. Angell tem noventa e três anos.

O relato tem uma feliz mistura de ternura e inteligência. Mostra que o cotidiano de cada um, com seus gestos e ações “simples”, é especial. Especiais somos nós, são todos aqueles com quem convivemos.

Não há brecha para a pieguice, o que não significa haver secura, anulação da poesia ou da beleza. Angell não quer ensinar nada, não quer transmitir solução, não anuncia uma verdade. Com lucidez e leveza, deixa-nos com vontade de ser amigo dele e de ter noventa e três anos. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

TRÍADE

CONTO ESCOLAR

Alan apaixonara-se por Adriana, uma colega de sala. Tímido demais, ficava procurando um jeito de dizer a ela as coisas que o coração o mandava dizer. Crendo em algum dom telepático da parte dela, ele era sempre abstrato demais, sempre muito etéreo, na esperança de que ela captasse alguma efusão emanada por ele. Foi quando soube que ela estava de casinho com Fábio, que era da mesma sala. A curiosidade infernizou o espírito de Alan: rendendo-se, perguntou a Fábio como ele conquistara Adriana. Alan ficou estarrecido com a resposta de Fábio: “Cara, nem sei se conquistei. Chamei ela pra sair, ela topou. Foi assim”. 

domingo, 8 de junho de 2014

DE COR

Haja coração,
Aja, coração. 

FICANDO VELHO

Segundo Pablo Picasso, “leva-se muito tempo para ser jovem”. Há uma leveza, uma calma e um “descompromisso” que só a velhice pode trazer. A questão de que a velhice é necessariamente sábia é um mito — há velhos que são uns imbecis. Em contrapartida, para se chegar à sabedoria é preciso passar pelo tempo.

Dito de outro modo, tem-se então que a sabedoria é coisa de velhos, embora, é claro, não necessariamente de todos eles. A sabedoria não vem num clique: é preciso que ela seja buscada desde a juventude. É pouco provável que um jovem sem densidade se transforme num velho sábio. A juventude e o começo da maturidade já deixam entrever possível sábio.

A sabedoria é o prêmio da busca de toda uma vida. A velhice nem sempre pode dispor de um corpo saudável; ainda assim, uma saúde aceitável é uma grande aliada numa procura que deve ser diária, que leva tempo. Como coroação, quem sabe, ter-se-á a leveza e o espírito sugeridos na frase do Picasso. 

SEM BANDEIRAS

O fato de eu já ter escrito que sou contra a Copa por aqui (desde o anúncio de que o Brasil sediaria o torneio, fui contra) não me impede de prestar atenção no contexto. Tenho observado uma certa timidez com relação às manifestações a favor da Copa do Mundo. Até agora, poucas são as bandeiras, tanto nos carros quanto nas casas, mesmo a Copa sendo realizada em cidades brasileiras. Pode ser que esse cenário mude até a quinta-feira, quando começa o torneio; ou que mude caso o Brasil vá realizando um bom desempenho durante a competição.

Na cidade de São Paulo, alega-se que haveria o medo de se enfeitar um carro pela possibilidade de ele ser vandalizado por black blocs. Contudo, pelo que me consta, não há esse medo por aqui. Suponho que se mais pessoas não colocaram bandeira em seus carros, estando aqui em Patos de Minas, a razão seria outra. Em nome de um, vá lá, senso de pertencimento, estariam com vergonha de demonstrarem a paixão pelo futebol e serem consideradas alienadas? Estariam com medo de... darem bandeira? Não me parece ser o caso.

Ruas pintadas, igualmente, têm sido raridade. Uma creche aqui perto de casa pintou bolas de futebol e a bandeira do Brasil no asfalto; já vi escola com a fachada enfeitada. Se por um lado bem sei que enfeitar fachadas ou ruas não implica necessariamente patriotismo, por outro, paira uma atmosfera única: parece haver no ar um certo medo, bem como uma alegria contida. 

sábado, 7 de junho de 2014

DESTINO

Se há predestinação, você está lendo estas palavras agora porque isso estava nos desígnios do Universo. Se não há, a vida vai se fazendo à medida que vai havendo interações entre nós e as coisas que nos cercam; tudo o que existe faz parte dessa engrenagem a que chamamos de destino, mesmo não sabendo nós se ele já está escrito ou se vai sendo escrito por nós também.

É preciso levar em conta fatores externos, os quais influenciam nossas vidas: alguém sai para o trabalho, está chovendo. Por causa da chuva, a moto derrapa e a pessoa se machuca. Se há predestinação, não haveria como fugir do tombo, ainda que tenha havido fator externo para que ele ocorresse — nesse caso, a chuva é um dos fatores externos. Se não há predestinação, o tombo poderia não ter ocorrido — mas ocorreu; tendo ocorrido, é destino que ficou no passado, é história.

Acabei de levantar meu braço esquerdo; se a predestinação existe, isso não foi decisão minha. Se a predestinação não existe, foi decisão minha. Se há predestinação, não há nada que possamos fazer com nossas vidas; se não há, o controle é nosso, mesmo eu não vislumbrando um absoluto controle de nossa parte; há os fatores externos, que não sei se são predestinação ou se não são.

Quando penso sobre a predestinação, tenho a sensação de que se trata de mais uma daquelas coisas que parecemos estar prestes a decifrar, mas que nunca compreendemos. À parte isso, não me parece insano cogitar um mundo em que houvesse, ao mesmo tempo, um mínimo controle nosso sobre nossas vidas e uma interferência externa, digamos assim.

Somos pequenos demais, estamos sujeitos a um sem-fim de fatores que podem mudar nossas vidas de um instante para outro. Ainda assim, há a minha desconfiança (que pode ser ilusória) de que temos algum controle sobre aquilo que somos. Todavia, pode ser coisa da predestinação eu pensar coisas assim neste momento. 

quinta-feira, 5 de junho de 2014

FOTOPOEMA 353

NOME

Já senti a saudade arranhando a pele.
Já senti a saudade bombardeando o coração.

Sei o que é saudade em réveillons.
Em hotéis, abri a mala — a saudade não saiu.

Já tive saudade doida
Já tive saudade doída.

Sei os componentes da saudade.
A minha é uma mistura que carrega o teu nome. 

quarta-feira, 4 de junho de 2014

É MUITO IMPORTANTE LER A VEJA

Um grande escritor ensina muito, não somente sobre o ofício de escrever, mas também sobre a vida. Um mau escritor ensina muito, principalmente sobre o ofício de escrever. Sem querer, o mau escritor acaba ensinando um monte de coisas a serem evitadas. Ler ensina.

Por isso, de modo análogo, é muito importante ler a Veja. A revista é uma aula de como não se deve fazer jornalismo. À maneira dela, acaba ensinando muito sobre o que é uma postura jornalística, precisamente pelo motivo de não tê-la. 

INTERAÇÃO

Abro a janela.
Interessado não somente 
no que receberei, 
mas também 
no que posso enviar. 

terça-feira, 3 de junho de 2014

ROGER, O "INTELIGENTE"

Há uma lenda antiga que reza o seguinte: Roger, o vocalista do Ultraje a Rigor, teria uma inteligência acima da média. A prova de que a lenda é ancestral é esta: eu me lembro dela desde minha adolescência...

Nessa época, não havia redes sociais. Isso significa que não se tinha acesso ao que gente, por exemplo, como o Roger escreve quando não está fazendo letra de música. Hoje, sabe-se que o cérebro dele parece funcionar somente com letras. Ou pelo menos funcionava.

O roqueiro, a despeito de sua propalada inteligência, não tem o tino para sacar uma ironia. Quando o Antônio Prata, na Folha de S.Paulo, em três de novembro de 2013, publicou um texto (“Guinada à direita) tanto irônico quanto sarcástico, o Roger viu a casca de banana jogada por Prata — e mesmo assim o “inteligente” vocalista escorregou.

Mais recentemente, segundo o Pragmatismo Político, Roger provou novamente sua “sagacidade”. Ao comentar, via Twitter, a manchete “USP gasta R$ 90 milhões a mais do que recebe por mês, diz reitoria”, o “perspicaz” roqueiro deu provas mais uma vez do que é capaz: “Pronto, fuderam com a USP tb”.

Roger quis, com esse verbo na terceira do plural, referir-se ao governo federal. Guilherme Fernandes, um internauta, chamou a atenção de Roger para o seguinte: a USP é estadual, não federal. A universidade é do governo de São Paulo, não do governo federal. Mesmo assim, o roqueiro manteve sua opinião. “Inteligência” obstinada, a dele.