Terminei de reler hoje o estupendo e imprescindível “As relações perigosas”, de Choderlos de Laclos.
Pierre-Ambroise Choderlos de Laclos nasceu em Amiens, na França, no dia 18 de outubro de 1741. Morreu em outubro ou novembro de 1803 (há divergências entre os biógrafos quanto ao mês).
Durante boa parte de sua vida foi oficial do regimento francês. Envolveu-se com política – foi preso por causa disso. Construiu fortificações. Segundo biógrafos, teria sido excelente marido. Hoje, não é lembrado por nada disso. Tornou-se conhecido por conta de “As relações perigosas”.
O livro foi publicado em 1782. Antes, o autor já se aventurara em versos de ocasião e numa peça teatral, “Ernestine”, que foi um fracasso.
A trama do romance de Laclos se desenvolve por intermédio de cartas. À medida que vamos lendo as missivas, vamos tomando conhecimento do caráter pérfido de dois dos personagens centrais: o Visconde de Valmont e a Marquesa de Merteuil.
A edição que tenho do livro tem a tradução de Carlos Drummond de Andrade. Em posfácio, o poeta escreve um breve relato sobre a vida de Laclos, bem como faz alguns comentários sobre “As relações perigosas”. Escreve Drummond que o livro “depõe contra o tempo, mas principalmente depõe contra a natureza humana”.
De fato. Em linguagem extremamente elegante e requintada, as peripécias cruéis do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil vão sendo executadas. Não há um único palavrão no livro, que, ainda assim, explicita a conduta sexual dos personagens, bem como seus hábitos. A linguagem é primorosa, mas o que é narrado é reles.
É um livro cruel e sem amor. Poder-se-ia argumentar que a boa moral e os bons costumes prevalecem, levando-se em conta o que ocorreu com o Visconde de Valmont e com a Marquesa de Merteuil. Parece haver no fim uma moral bastante clara: os maus serão punidos.
Contudo, não vejo assim. Não concordo com o pensamento de que o livro se insere na dialética do mal contra o bem e que este vai triunfar. A obra é mais relativa e tênue do que isso. O fim do livro, em meu entendimento, é de um cinismo absoluto.
Laclos quase faz com que caiamos na armadilha de que o livro “prova” que a maldade será punida, seja de que modo for. Contudo, há um personagem que pouco aparece, mas que em minha opinião destroi a ideia de que “As relações perigosas” é um livro moralista: trata-se do personagem Prévan.
Ele é tão canalha quanto o Visconde de Valmont. Tão pérfido quanto a Marquesa de Merteuil. Lá pelo meio do livro, Prévan aparece, muito rapidamente, e é logo vítima de mais um dos ardis da marquesa. É então ridicularizado nos salões aristocráticos, sendo por fim banido da sociedade. Já nas últimas páginas, volta e é ovacionado.
O retorno triunfal de Prévan dá ao livro um tom profundamente sarcástico, zombeteiro e triste. Ao trocar o Visconde de Valmont por Prévan, a sociedade estava trocando um canalha por outro. Ou ao trocar a Marquesa de Merteuil por Prévan, essa mesma sociedade estava trocando a vileza pela vilania.
Recomendo com fervor a leitura de “As relações perigosas”. Leiam esse livro. Pelo brilhantismo da linguagem (segundo o próprio Drummond, “como escrevia bem esse danado”, referindo-se a Laclos), pelas finas e sofisticadas observações sobre o amor e sobre as diferenças entre o homem e a mulher, pelo teatro social, pelo mesquinho jogo de sedução empreendido pelo Visconde de Valmont e pela Marquesa de Merteuil. E pela atualidade. Sim: pela atualidade.
Se fosse escrito hoje com a mesma estrutura, penso que não haveria cartas na trama, mas, certamente, e-mails. Contudo, as mesmas paixões, encantos, decepções, maldades, sonhos, tramas, amores e mentiras estariam presentes nesses e-mails.
Entretanto, minhas recomendações estão obviamente aquém do que é o livro. Como todo livro necessário, ele não se esgota, ele se mostra mais rico com o passar do tempo, mais profundo. Há onze anos eu o li pela primeira vez; hoje terminei uma segunda leitura. Quero que outras venham.
É minha intenção comentar em breve uma das adaptações para o cinema de “As relações perigosas”.
Pierre-Ambroise Choderlos de Laclos nasceu em Amiens, na França, no dia 18 de outubro de 1741. Morreu em outubro ou novembro de 1803 (há divergências entre os biógrafos quanto ao mês).
Durante boa parte de sua vida foi oficial do regimento francês. Envolveu-se com política – foi preso por causa disso. Construiu fortificações. Segundo biógrafos, teria sido excelente marido. Hoje, não é lembrado por nada disso. Tornou-se conhecido por conta de “As relações perigosas”.
O livro foi publicado em 1782. Antes, o autor já se aventurara em versos de ocasião e numa peça teatral, “Ernestine”, que foi um fracasso.
A trama do romance de Laclos se desenvolve por intermédio de cartas. À medida que vamos lendo as missivas, vamos tomando conhecimento do caráter pérfido de dois dos personagens centrais: o Visconde de Valmont e a Marquesa de Merteuil.
A edição que tenho do livro tem a tradução de Carlos Drummond de Andrade. Em posfácio, o poeta escreve um breve relato sobre a vida de Laclos, bem como faz alguns comentários sobre “As relações perigosas”. Escreve Drummond que o livro “depõe contra o tempo, mas principalmente depõe contra a natureza humana”.
De fato. Em linguagem extremamente elegante e requintada, as peripécias cruéis do Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil vão sendo executadas. Não há um único palavrão no livro, que, ainda assim, explicita a conduta sexual dos personagens, bem como seus hábitos. A linguagem é primorosa, mas o que é narrado é reles.
É um livro cruel e sem amor. Poder-se-ia argumentar que a boa moral e os bons costumes prevalecem, levando-se em conta o que ocorreu com o Visconde de Valmont e com a Marquesa de Merteuil. Parece haver no fim uma moral bastante clara: os maus serão punidos.
Contudo, não vejo assim. Não concordo com o pensamento de que o livro se insere na dialética do mal contra o bem e que este vai triunfar. A obra é mais relativa e tênue do que isso. O fim do livro, em meu entendimento, é de um cinismo absoluto.
Laclos quase faz com que caiamos na armadilha de que o livro “prova” que a maldade será punida, seja de que modo for. Contudo, há um personagem que pouco aparece, mas que em minha opinião destroi a ideia de que “As relações perigosas” é um livro moralista: trata-se do personagem Prévan.
Ele é tão canalha quanto o Visconde de Valmont. Tão pérfido quanto a Marquesa de Merteuil. Lá pelo meio do livro, Prévan aparece, muito rapidamente, e é logo vítima de mais um dos ardis da marquesa. É então ridicularizado nos salões aristocráticos, sendo por fim banido da sociedade. Já nas últimas páginas, volta e é ovacionado.
O retorno triunfal de Prévan dá ao livro um tom profundamente sarcástico, zombeteiro e triste. Ao trocar o Visconde de Valmont por Prévan, a sociedade estava trocando um canalha por outro. Ou ao trocar a Marquesa de Merteuil por Prévan, essa mesma sociedade estava trocando a vileza pela vilania.
Recomendo com fervor a leitura de “As relações perigosas”. Leiam esse livro. Pelo brilhantismo da linguagem (segundo o próprio Drummond, “como escrevia bem esse danado”, referindo-se a Laclos), pelas finas e sofisticadas observações sobre o amor e sobre as diferenças entre o homem e a mulher, pelo teatro social, pelo mesquinho jogo de sedução empreendido pelo Visconde de Valmont e pela Marquesa de Merteuil. E pela atualidade. Sim: pela atualidade.
Se fosse escrito hoje com a mesma estrutura, penso que não haveria cartas na trama, mas, certamente, e-mails. Contudo, as mesmas paixões, encantos, decepções, maldades, sonhos, tramas, amores e mentiras estariam presentes nesses e-mails.
Entretanto, minhas recomendações estão obviamente aquém do que é o livro. Como todo livro necessário, ele não se esgota, ele se mostra mais rico com o passar do tempo, mais profundo. Há onze anos eu o li pela primeira vez; hoje terminei uma segunda leitura. Quero que outras venham.
É minha intenção comentar em breve uma das adaptações para o cinema de “As relações perigosas”.