Dom Quixote é uma alma boa, um coração puro. Ele é a vontade de que o mundo seja um lugar justo. Jamais será. Mesmo assim, embora Quixote lute contra o que seu delírio vê como inimigo, a essência do que o move, que é o desejo de uma vida bonita e sem ultrajes, é bonita demais. Quixote vale não pelo que tem de risível, mas pelo que tem de puro, por seu desejo em lutar a favor dos desvalidos. (Sobre alguém ser risível, Melville, outro gigante, no monumental Moby Dick, escreveu: “O homem que tenha alguma coisa de abundantemente risível a seu propósito, estai certos, há nele mais do que supondes”, segundo tradução de Pericles Eugênio da Silva Ramos.)
Quixote será sempre perdedor na labuta a que se propõe; mesmo assim, ela deve ser realizada por ser nobre. Louco, lírico, delirante... Quixote ensina não somente sobre a natureza da insânia, mas também, e principalmente, sobre a beleza de um ideal bonito. Ainda que se alegue insanidade para ele e sanidade para nós, o doce cavaleiro nos ensina que existe uma centelha de pureza e de preocupação com o destino dos que não têm vez. Quixote nos revela que loucura são o comodismo, a pasmaceira, a futilidade. Ele não está sozinho, Sancho Pança não está sozinho, eles estão conosco — e o mundo está cheio de moinhos. Prontos para a batalha?...