domingo, 24 de julho de 2016

À tua boca

Gosto da tua boca 
Quando ela é silêncio.
Gosto da tua boca 
quando ela dá forma a tuas palavras.
Gosto da tua boca
quando meus lábios encostam nela.
Gosto da tua boca 
quando sedenta por gozo.

Dedico à tua boca fabulosa, 
uma ode e um beijo. 
Embora breve a ode,
que seja longo, o beijo. 

Uma formiga sem qualidades

Sempre volto à questão do trabalho. Se eu não me policiar, acabo me tornando monotemático. Não que eu me culpe por isso. Mas sempre busco variações, seja por atender a um desejo interno de escrever algo com outro teor, seja na ilusão de soar eclético. Só que desta vez volto à arena trabalhista. Que o assunto não esteja cansando supostos leitores.

Nas páginas iniciais de “O homem sem qualidades”, do Robert Musil, o narrador, segundo tradução de Lya Luft, diz: “Ganhou-se em realidade, perdeu-se em sonho. Não nos deitamos mais sob a árvore, espiando o céu entre o dedo grande do pé e o dedo médio, mas trabalhamos; também não devemos nem passar fome nem sonhar demais, se quisermos ser eficientes, mas comer bifes e fazer exercício. É exatamente como se a velha humanidade ineficiente tivesse adormecido sobre um formigueiro; quando despertou a humanidade nova, as formigas tinham entrado no seu sangue, e desde então ela precisa fazer movimentos incessantes, sem conseguir se livrar desse chatíssimo ímpeto de fanatismo pelo trabalho”.

Qualquer cidade com cem mil habitantes já deixa nítido que a imagem do formigueiro, usada por Musil, cai bem para o mundo que criamos para nós. Talvez, nessa comparação, possa-se dizer que elas, as formigas, sejam mais organizadas do que nós. Sendo ou não, vistos de cima, somos, por assim dizer, formigas nos movimentando pelas cidades.

Boa parte desse movimento é causado pelo trabalho. Rendemo-nos a um furor veloz que precisa ser produtivo, que necessita de números, de estatísticas, de bater as metas do mês anterior ou do ano anterior. Joga-se sobre o indivíduo a responsabilidade por coisas que não dependem só dele. Se a venda de março foi inferior à de fevereiro, a culpa é sempre de quem não soube navegar nas “águas de março”. É mais fácil culpar alguém do que admitir que há coisas que não estão sob nosso controle.

O maior ato de rebeldia é acreditar na individualidade. Que seja luta inútil, mas é luta nobre de que não se pode desistir. Tal qual é configurado no todo, não se pode deixar que o trabalho seja nosso dono. Em maior ou menor grau, todos somos vítimas do mundo. É preciso fugir dos algozes, que são poderosos. Todos estão aí para nos impedir de sermos o que somos, ainda que não tenhamos exatidão quanto ao que somos.

Apesar dessa inexatidão, estamos muito longe de sermos o que quer de nós o mercado. Quando me refiro ao trabalho, não defendo uma horda de preguiçosos, mas uma legião de criativos. São poucos os que têm a oportunidade de trabalhar naquilo que de fato sabem fazer, em algo que não tome mais da metade de suas vidas com alguma coisa que terá embotado a criatividade. No mundo trabalhista como ele é, no geral, o que querem de nós são somente números, seja de horas a mais trabalhadas, seja de metas a serem batidas.

Nem menciono a impossibilidade de cada um fazer o que tivesse vontade de — isso é privilégio de poucos. O que sempre defendo é que não podemos ser engolidos pela sanha trabalhista. É imprescindível preservar em nós o poderio que temos de criar, não importa o pendor da criatividade. Precisamos achar um tempo para nós, para o que somos.

Volto a Musil. Ainda nas páginas iniciais de “O homem sem qualidades”, e ainda na tradução de Lya Luft, lê-se: “E como a posse de qualidades pressupõe certa alegria por serem reais, podemos entrever como uma pessoa que não tenha senso de realidade nem em relação a ela própria pode sentir-se de repente um homem sem qualidades”. O trabalho, na maior parte dos casos, impede que tenhamos acesso a nossas maiores riquezas. Privados da realidade que somos em essência, tornamo-nos formigas sem qualidades. 

"A lenda de Tarzan"

A vida real não tem Tarzans que intercedam a favor dos colonizados. Menciono isso porque a relação do colonizado com o colonizador é um dos temas abordados por “A lenda de Tarzan” (2016), em cartaz nos cinemas. A direção é de David Yates; o roteiro ficou por conta de Adam Cozad e de Craig Brewer.

O embate entre colonizados e colonizador não é novo. Foi assim na hoje chamada América Latina, é assim no Congo que serve de cenário para “A lenda de Tarzan”. Mal tendo chegado à América, os europeus quiseram saber se havia ouro; no filme, a busca é por diamantes, que o colonizador sabe existirem.

A partir daí, é inevitável que também esteja presente na produção o embate entre o que se convencionou considerar civilizado e o que é tido por selvagem. O europeu, ao invadir, considera-se superior precisamente por se ver como o civilizado na relação que tem com os nativos, que são vítimas do poderio do invasor.

No filme de David Yates, há o mote de que a natureza é superior à civilização. Assim, é claro, o homem... natural, que literalmente dialoga com a natureza, é eticamente superior ao citadino, a despeito da tecnologia e da etiqueta inventadas pela civilização.

Alexander Skarsgård faz um ensimesmado Tarzan; Margot Robbie interpreta uma topetuda Jane. Samuel L. Jackson está na pele de George Washington Williams, que, fazendo um mea-culpa, está do lado de Tarzan. Christoph Waltz é, mais uma vez, o vilão, que se chama Leon Rom.

Rom tem um rosário que sempre carrega consigo. Há um cinismo amargo nisso, pois o rosário que ele porta é usado como arma (sic). Esse rosário, precisamente pelo que tem de signo religioso, acaba remetendo à prática de alguns colonizadores religiosos que, em nome da catequização ou da salvação da alma dos chamados selvagens, acabavam, sim, levando maus tratos e morte.

Deixando de lado essas minhas digressões, é preciso lembrar que “A lenda de Tarzan” é, antes de tudo, um filme de aventura, é entretenimento. É mais uma releitura da criação de Edgar Rice Burroughs, a qual, desde o começo do século XX, tem seduzido a imaginação de leitores e de espectadores. 

Manga

O Artur da Távola tem uma crônica cujo título é “Manga, pelo amor de Deus”. De minha parte, já comentei anteriormente que a manga está muito longe de estar dentre as frutas de que gosto. A verdade é que não gosto de manga. Isso não quer dizer que eu não as ache bonitas. Tanto é assim que ao me deparar com a que está nesta postagem, a única saída foi tirar a foto. 

Cortesia que não houve


Há alguns dias, tentei achar na internet um texto que publiquei há muito, muito tempo num “site” dedicado à língua inglesa. Digitando no Google o título do texto e meu nome, não achei o que escrevi. Suponho que a página em que o escrito foi publicado não mais exista.

O curioso é que acabei chegando a um endereço no Pinterest em que publicaram uma foto de minha autoria sem minha autorização. No perfil, escreveram: “Photo courtesy of Lívio Soares de Medeiros”. Contudo, nunca fui consultado quanto ao uso da imagem. Nos “prints” que estão nesta postagem, tapei com tarja vermelha os nomes dos que divulgaram a foto na rede social.

Sei que a internet é assim: valem-se do trabalho alheio sem consulta do autor ou autores do trabalho. A primeira pessoa a se deparar com alguma foto minha usada sem minha autorização foi o amigo Rusimário Bernardes, que, há muito tempo, me enviou “link” em que havia uma foto que tirei de uma antiga máquina de datilografia. Também não fui consultado quanto ao uso dessa foto.

No dia em que procurei pelo texto que eu havia publicado na página voltada para a língua inglesa, eu havia usado o celular. Nessa ocasião, eu havia acessado dois “links” no Pinterest em que havia a mesma foto minha (a que está no “print” de tela desta postagem). Creio que um usuário copiou ou compartilhou a imagem do outro (não sei como funciona o Pinterest, de modo que não sei se há mesmo a possibilidade de compartilhamento).

De qualquer modo, a postagem a que cheguei no Pinterest dá uma medida de como as pessoas se sentem à vontade para compartilhar o trabalho de alguém sem sequer consultar o autor. Fosse eu agir estritamente de acordo com leis de direito autoral, eu poderia, no mínimo, exigir que a foto fosse retirada do Pinterest. Não farei isso, mas tentarei entrar em contato com quem postou a imagem. Mesmo aqui em Patos, fotos minhas já foram divulgadas em “sites” de notícias sem os créditos. Não encrenquei contra eles, mas pode ser que um dia vão se deparar com quem encrenque...