domingo, 23 de fevereiro de 2014

INDIVIDUAL E COLETIVO

A política, em teoria, é uma solução coletiva. A filosofia, em teoria, é uma solução individual. Parece-me que apenas uma dessas possíveis soluções não basta. Um homem sereno terá mais dificuldade em manter a serenidade em meio ao caos; um ambiente favorável parece-me inútil se é feito por pessoas infelizes.

Não creio numa hierarquia. Não penso que seja necessário haver primeiro uma solução individual para depois se buscar uma coletiva ou vice-versa. Uma solução pode levar à outra. Vejo como exercício infrutífero ficar se perguntando se o estado ruim das coisas se deve a uma falta de uma política melhor ou se ao fato de a sociedade ser composta por indivíduos doentes.

Todas as pessoas da Terra poderiam ser vistas como um só organismo, um só todo, mas esse todo é feito por individualidades. Concebo um intercâmbio ideal em que o todo e o indivíduo realizariam permutas criativas e saudáveis. Mas bem sabemos que o todo, tal como está, é feito de políticas cruéis e de indivíduos sem interesse em benefícios filosóficos. 

NATURALMENTE

Ao contemplar a foto de um soberbo pôr do sol ou ao observar a imagem de um majestoso tucano, é comum as pessoas comentarem que a natureza é perfeita. Contudo, geralmente não dizem o mesmo quando estão diante da imagem de um gavião devorando sua presa.

O modo como o homem se refere à natureza é “egoísta”, no sentido de que ele se vale de termos... humanos para se referir a coisas que não são humanas — mas que nem por isso deixam de pertencer à natureza.

Uma cachoeira pode ser adjetivada como perfeita; em contrapartida, não imagino a foto de uma inundação nas ruas de uma cidade receber tal adjetivo. Ainda assim, tanto as águas da cachoeira quanto as da inundação são manifestações da natureza.

Poder-se-ia argumentar que as tragédias naturais que destroem o homem são, no fundo, causadas por nós, que estaríamos tratando mal a natureza. Se por um lado estamos mesmo tratando-a mal, por outro, não podemos nos esquecer de que séculos antes da Revolução Industrial a natureza já matava o homem.

Para alguns, pode ser desconfortável a assunção de que a natureza não se importa com o destino humano. Não somos preservados por ela, não contamos com suas benesses nem com sua proteção. Somos simplesmente mais uma manifestação natural. Somos também natureza, mas não somos os eleitos dela. A natureza não se importa conosco; a natureza não tem eleitos.

Assim como um bem-te-vi devora o inseto, um leão vai nos devorar se estiver com fome. Esse hipotético leão não levará em conta se a presa humana era um exemplar pai de família ou se tratava-se de um assassino de gente. Se amanhã um corpo vindo do céu se chocar contra a Terra, a natureza não levará em conta o gênero humano ter produzido algo como “O leopardo”.

Parece-me haver algo de senso estético quando alguém diz, ao contemplar um luar, que a natureza é perfeita; o conceito estético é humano. Se, ao ver foto de uma ave que parece acariciar outra, alguém diz que a natureza é terna, é preciso ter em mente que ternura é nome dado pelo homem, é conceito humano.

A natureza quer ser. A natureza é. Na natureza, para que um seja, outro, às vezes, tem de deixar de ser. Há momentos em que esse outro pode ser um de nós. A natureza é mutável. Quando o Sol explodir, ele não levará em conta que em torno dele navegava um planeta que chamamos de Terra. 

RELÓGIO 7