A princípio, Sérgio sentiu regozijo ao receber convite da universidade em que estudara; realizaria uma conferência. Depois de terminar a graduação em biologia, deixou Montes Altos, onde nascera e havia sido criado; foi para o Rio de Janeiro. Lá, fez mestrado, doutorado, pós-doutorado. Quando voltava à cidade natal, não visitava a instituição em que havia se formado. Quando o avião embarcou, com destino a Montes Altos, Sérgio estava contente de voltar à cidade, dessa vez por uma razão acadêmica.
Quando já estava em terra firme, o ânimo do embarque arrefecera. Embora a viagem tenha durado pouco mais de uma hora, Sérgio estava entediado. No saguão de desembarque, a irmã esperava por ele. Na casa dela, ele descansou durante o dia todo. Em torno de 18h, no carro da irmã, deu a partida, começou a dirigir.
Segundo instruções que havia recebido, quando chegasse ao centro universitário, bastaria dizer o nome dele, acrescentando que estaria lá para uma conferência. Mesmo tendo feito assim, o funcionário da entrada não conseguia achar o nome de Sérgio numa folha presa em prancheta. O funcionário lia os nomes, relia, lia de novo, mas não achava o nome de Sérgio. Enquanto isso, uma fila de carros foi se formando na entrada. Olhando pelo retrovisor, Sérgio sentiu-se irritado. Também irritado, um motorista buzinou. O funcionário da entrada soltou um palavrão em voz baixa. Pegou um telefone, trocou algumas palavras com alguém e deu a Sérgio as instruções de como ele poderia chegar ao local em que teria de estar.
Tendo ficado muitos anos sem visitar o centro universitário, os parentes de Sérgio com frequência comentavam com ele que as instalações do lugar haviam sido aumentadas, o que de fato vinha ocorrendo. Havia mais prédios, o estacionamento estava bem maior. Mesmo assim, não foi fácil achar vaga. Tendo achado, antes de ir para a sala em que seria realizada a conferência, Sérgio decidiu comprar suco de laranja e algo para comer. Quando estava prestes a se sentar, percebeu Atalaia, um ex-professor, indo em sua direção. Os dois se cumprimentaram com animação. Enquanto trocavam palavras, Sérgio olhou para o lado; levou um baque.
Caminhando na direção dele, a mulher mais linda do planeta. Sérgio tentou manter a naturalidade, procurou se manter concentrado no que dizia o ex-professor dele. Todavia, a visão da mulher o atordoara. Os dois se olharam num átimo. Sérgio supôs nos lábios dela um sorriso de Monalisa. Depois de pegar um refrigerante e um salgado, ela sentou-se à mesa que ficava perto de onde Sérgio e Atalaia se encontravam. Os dois se sentaram próximos à garota. Sérgio conseguiu estar de frente para ela.
Mesmo dividido entre a atenção que dava para Atalaia e os olhares fugazes e tímidos que dirigia para a garota, Sérgio sentiu-se revigorado. Olhar para ela acendia nele uma chama que ele nem julgava ainda existir. Diante dele, uma linda mulher. A certeza da beleza, a possibilidade da aventura, o chamado para a sensualidade. Ele tentava ser o mais discreto possível, pois não queria que o ex-professor percebesse os olhares que dava para a garota de tempos em tempos.
Sérgio sabia que ela sabia que estava sendo admirada. Ela conseguia fingir espontaneidade. Tinha gestos comedidos; de vez em quando, um leve passar de mãos nos cabelos lisos. Por três vezes, olhou de relance para Sérgio, certificando-se de que estava mesmo sendo observada. Ele, por sua vez, devaneava. Que curso ela fazia? No futuro, seria médica? advogada? Teria entre vinte e dois e vinte e seis anos?
Porte, elegância, pele morena. Enquanto esteve perto dela, Sérgio se esqueceu do tédio que vinha sentindo durante o dia. Ela estava lendo uma apostila; de vez em quando, conferia brevemente o celular, dava um sorriso leve. Sérgio se imaginou beijando aquela boca perfeita. Quando Atalaia se despediu dele, num vislumbre, Sérgio cogitou inventar um pretexto imbecil a fim de conversar com a garota, pensamento que logo abandonou. Inventando o que fazer, demorou uma eternidade para vestir o casaco, que deixara sobre a mesa, enquanto conversava com Atalaia. Sentia-se como um jovem. Achou graça de seu arroubo, ao pensar que estava perto da mulher mais linda do planeta.
Em seu bolso, o telefone vibrou. Ele pegou o aparelho, leu a mensagem. Era da esposa, que ficara no Rio de Janeiro. Ele lamentou, mais uma vez, não ter a coragem de se separar dela, que, no texto enviado para ele, dizia que Téo, o filho deles, havia parado de tossir. Sérgio enviou beijos para o filho. Sentiu vontade de olhar uma última vez para a garota. Não olhando, foi realizar conferência sobre o cerrado mineiro.