quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Fotos com drone (2)













Haicai 72

No relógio, tique-taques.
De madrugada, irritam
teus velhos achaques. 

Sobre a formalidade

Investe-se demais na informalidade. Isso, em si, não é o problemático. O problema, todavia, ocorre quando se apoia na informalidade excessiva para não se assumir aquilo que daria trabalho para ser levado a cabo. Seguindo essa linha, ancora-se na informalidade para não ter de se entregar a um aprendizado ou a um dever.

Qualquer pessoa que tenha algum domínio da língua portuguesa e que use esse conhecimento em suas relações é, com frequência, considerada pedante, chata, careta. Pode haver pedantismo, chatice ou caretice no modo como uma pessoa usa o idioma, mas o cuidado com ele não é necessariamente sintoma de algo negativo.

O excesso de informalidade acabou criando a cultura do descompromisso, do estranhamento quando alguém opta pelo uso esmerado das palavras. Nesse quadro, alimenta-se a ideia de que o uso com capricho da língua está, pela existência dele em si, ligado a algo formal. Tal ideia não se sustenta. Na descontração, no carisma e no humor pode haver o cuidado com o modo como nos expressamos.

Caretas são o machismo, a xenofobia, o racismo, a intolerância, a prepotência. Buscar a excelência ao escrever e ao falar não impede adequação da linguagem nem transforma de modo compulsório um indivíduo num chato. Muitos nem se dão conta de que o excesso de informalidade pode ser invasivo, constrangedor, perturbatório.

É mais fácil dizer que o outro é formal ou é empolado do que assumir a tarefa de tentar soar bonito, grandioso, respeitoso. Ancorados em seu comodismo, muitos preferem enxergar formalidade ou chatice em quem muitas vezes tem, sim, respeito pelo outro e amor pelo idioma. 

Veja só

A editora Abril, que publica, dentre outras revistas, a Veja, dá, agora, prova de sua desonestidade não somente em seu carro-chefe, mas também em não pagar os direitos dos profissionais que demitiu recentemente. Cerca de oitocentas pessoas foram recentemente mandadas embora pela família Civita. Dessas oitocentas pessoas, cento e cinquenta são jornalistas.

É direito da editora contratar e demitir quem ela quiser, quando quiser. O direito que ela não tem é o de dar o cano nos que trabalharam para ela. Desonesta com o país, qualquer um sabe que a Abril sempre foi. O que eu não sabia é que ela é desonesta na hora de pagar direitos trabalhistas de quem ela demite.

Os jornalistas que foram dispensados criaram um comitê, que por sua vez emitiu comunicado em que tornaram público o vilipêndio da Abril na recusa da editora em pagar o que a lei ainda assegura a trabalhadores. O vexaminoso comportamento da família Civita me remete a Balzac, para quem “por trás de toda grande fortuna há um crime”.

A Veja, a despeito de não fazer jornalismo, vai continuar tendo um séquito à disposição, leitores que seguirão acompanhando o semanário, ainda que a revista abandone o papel e se torne disponível somente em telas eletrônicas. Quanto aos processos que receberá por parte dos profissionais que demitiu, a família Civita sabe que está do lado mais forte na disputa que terão contra ela.

Os que dizem que a Veja abandonou o jornalismo e passou a se dedicar a outro tipo de coisa, do modo como vejo, erram no julgamento: não há como abandonar o que nunca se fez. Outra frase do Balzac se aplica também à revista da Abril: “Se a imprensa não existisse, seria preciso não inventá-la”. A Veja vai continuar existindo.