O que somos agora é o resultado de todas as nossas experiências passadas, sejam conscientes, sejam inconscientes. Se, aparentemente, temos a capacidade de dar às nossas vidas o rumo que bem quisermos, não devemos, todavia, ignorar o fato de que grande parte do que somos é consequência de nosso passado, que determina em larga medida nosso comportamento no presente.
Essa reflexão é o fio condutor de Um homem chamado Ove [En man som heter Ove], produção sueca de 2015. O diretor é Hannes Holm. O roteiro é dele e de Fredrik Backman, autor do romance que originou o filme. Ove, interpretado por Rolf Lassgård, é um velho ranzinza que tem o hábito de visitar o túmulo da mulher com quem foi casado; enquanto está no cemitério, “conversa” com ela. No dia a dia, flerta com o suicídio.
Ao mesmo tempo em que achamos graça das manias de Ove, há momentos em que elas nos irritam. Sendo ao mesmo tempo reflexão sobre a velhice, não há como assistir a Um homem chamado Ove sem pensar nos velhos que talvez venhamos a ser, ainda mais levando-se em conta que a velhice parece incrementar ou cristalizar defeitos que carregamos conosco desde sempre. A intenção primeira diante do modo como Ove age é tentarmos não ser tão rabugentos e chatos quanto ele, mas à medida que o filme vai avançando, o personagem começa a tomar um alcance diverso daquele que vínhamos tendo dele até então.
Quando o passado dele é contextualizado, o filme assume de vez algo que já vinha se insinuando, que é uma delicada e profunda reflexão sobre a amizade, a velhice, o amor e, principalmente, sobre as marcas que determinadas experiências podem deixar num coração. Ove não deixa de ser o velho metódico e turrão. Todavia, a compreensão ampla de quem ele é/foi confere beleza e poeticidade à trajetória dele. Ao tomarmos conhecimento das experiências que o fizeram ser o que dele presenciamos, descortina-se um personagem profundamente humano. Não há como não gostar dele.
(Além do cartaz do filme, inseri nesta postagem duas fotos que fiz após pausar Um homem chamado Ove. Num determinado momento do enredo, o personagem faz uma viagem à Espanha; lá, hospeda-se num hotel chamado Araxa (sem acento mesmo). Dei uma conferida rápida na internet. Há mesmo um hotel com esse nome na Espanha; fica em Palma de Mallorca.)