quinta-feira, 3 de novembro de 2016

As ocupações contra a PEC-55

Em 1758, Jean Blondel, discorrendo sobre os pobres, escreveu: “Eles têm menos paixões porque têm menos ideias. Estão tão habituados a sofrer que não têm ideia de que sofrem”. Em Voltaire, há textos nos quais ele afirma que a felicidade das camadas populares e rurais seria de pouco interesse.

Essa introdução está aqui como argumento de que o desinteresse em que o pobre aprenda ou em que tenha acesso ao conhecimento não foi inventado há pouco. Já existia mesmo antes do Iluminismo, e continua existindo. O que a época atual possibilita é o acesso a dados que não sejam somente os que agradam aos que desejam a desinformação dos pobres.
Informação e conhecimento podem levar à rebeldia. Esta é sempre perseguida por aqueles que têm interesse em que o estado das coisas permaneça como está. Uma ideia libertária que se oponha contra quem detém o poder pode ser criminalizada; as penas variam de acordo com as épocas.

Se depender de alguns meios de comunicação e do julgamento de parcela da população, qualquer movimento que se rebele contra o atual governo será taxado de coisa de moleques, de irresponsáveis, de baderneiros. Ou então de um movimento que seria expressão de jovens doutrinados por ideólogos, que são vistos, nesse prisma, como igualmente arruaceiros, como gente preguiçosa e prejudicial.

Representantes da “ordem” já estão apresentando as armas, seja representante do judiciário, seja parcela da população que, não raro, intitula-se como cidadãos “de bem”: qualquer um que navegue por redes sociais já se deparou com postagens de cidadãos “de bem” defendendo que os estudantes devem ser retirados das escolas com “porradas e cassetetes”.

Em vez do diálogo, em nome do que consideram o bem, a ordem e o progresso, propõem a solução violenta, como se o movimento de ocupação das escolas fosse um ato de moleques inconsequentes e de rebeldes sem causa, que estariam apenas atrapalhando o andamento da educação e prejudicando os colegas de escola e os professores que são contra as ocupações. O que vai prejudicar a educação não são as ocupações, mas a PEC criada contra ela. O “transtorno” das ocupações vai passar rápido; os estragos da PEC contra a educação vão reverberar por décadas.

Generalizar, por si, é algo simplista; generalizar por má-fé é falta de caráter. Baderneiros há dentro e fora das escolas, com ou sem ocupações. Simplesmente afirmar que elas são coisa de quem não está a fim de nada é ser reducionista e se negar à conversa, à análise. O movimento de ocupação das escolas é legítimo por questionar o congelamento de investimentos na educação. Pagando jantar para deputados, o governo fez com que a PEC-241 fosse aprovada na Câmara dos Deputados, e ela será aprovada no Senado, onde recebe o nome de PEC-55.

Já escrevi anteriormente sobre a rebeldia. Quando ela não é burra e vem dos jovens, isso é sinal de alento. Um jovem inteligentemente rebelde é um tapa na cara de um sistema hipócrita, interessado em incutir na população o pensamento de que a ausência de protestos é, necessariamente, sintoma de uma sociedade com boa saúde. Nem todo silêncio é reflexo de um país saudável; há silêncios que são resultado de medo, não de tranquilidade.

Há uma pseudo-ordem interessada em que os rebeldes não se manifestem. Que eles não se calem, que continuem ocupando os espaços que o governo atual quer sem investimento. O argumento de que os jovens os quais estão ocupando as escolas são paus-mandados é, antes de tudo, um desrespeito à inteligência deles. Um jovem inteligente e rebelde é empecilho para quem não quer dialogar, para quem é truculento, para quem deseja a derrocada dos que serão prejudicados pela PEC-55.

Um jovem inteligente e rebelde que assume o dever de protestar contra o modo como o governo atual quer tratar a educação é a esperança de haver pessoas não partidárias de um “patriotismo” muito mais interessado no próprio umbigo do que na universalização de oportunidades. Quem se diz patriota e supõe que as coisas são resolvidas com cassetete não é patriota, mas herdeiro de quem alega que a solução está em golpes, sejam eles contra o corpo do cidadão, sejam contra a efetivação da democracia. Em breve, as ocupações país afora serão história; o gene da rebeldia, não. 

Nos anais da Globo

A Globo, sempre conivente com ditadores, não nos esqueçamos, dá provas, mais uma vez, de ridícula sisudez. Desde que um internauta, que se nomeou — atente-se para o cacófato — Cuca Beludo teve seu nome pronunciado na Globo News, os comandantes do império deram a ordem de que o vídeo seja banido da internet.

A consequência foi a de que uma brincadeira (sem graça), a qual teria sido comentada por um dia, seja agora acessada, comentada e compartilhada, a despeito das tentativas da Globo de banir o vídeo da internet. A crise histérica da emissora fez com que a reação dela é que se tornasse a piada. Vindo da Globo, a atitude não surpreende. Só que em vez de conseguirem fazer com que o vídeo desapareça, fizeram com que mais e mais internautas o estejam compartilhando.

Enquanto apoia golpes, sejam militares, sejam não militares, a emissora da família Marinho, num episódio bobo e banal, exibe mais uma vez suas garras. Fossem espertos, poderiam ter se valido da estratégia da CNN: nos trinta e cinco anos do canal, postaram no site deles uma coletânea de situações engraçadas pelas quais passaram seus repórteres e apresentadores. O vídeo da CNN pode ser conferido aqui

Telúrico

Certo é:
serei pó.
Enquanto
isso,
deposito
na terra
algumas
sementes.