Há textos que escrevo no calor da emoção; já outros são produzidos depois que determinada agitação ou evento interno já tenha se passado. Certos textos são produzidos em meio ao turbilhão; outros são feitos depois que o tornado se foi. Há textos que parecem estar mais ligados à emoção, ao passo que outros são escritos a partir de deliberados procedimentos mentais. Textos há que são premeditados, calculados, pensados, enquanto outros exigem vir à tona de jeito súbito.
Parece-me não haver uma regra ou um tempo certo para que um texto tome conta do papel ou da tela. Parece-me não ser possível ter certeza dos mecanismos de que alguém se vale quando escreve. Para mim, vale a máxima de que “sem leitura não há literatura”. Não descreio da inspiração, que, no meu caso, existe como fruto de leitura. Em contrapartida, acredito na disciplina: é possível escrever sem inspiração, a qual, muitas vezes, é vista como algo “misterioso”, certamente por influência do Romantismo.
Em meu caso, se leio, inspiro-me. O clique, o estalo, a ideia súbita... Nada disso me ocorre se não leio. Escrever é só um modo de interpretar o mundo, mas, se não leio, não sei interpretar esse mesmo mundo, não sei o que fazer com a constelação de possibilidades que há para que algo seja escrito. Em meu caso, a inspiração é mera consequência mental (por mais feio e técnico que isso possa soar) das leituras que faço. Há muito de inconsciente, de sinapses e de tantas outras coisas que não sei nomear e de que nem faço ideia.
No mais, quem escreve sabe que não pode sempre contar com a inspiração, não importa como a pessoa a defina. No ato de escrever há muito de treino, de disciplina. “Nem um dia sem uma linha”, prescreviam os latinos. É comum negligenciarmos o poder que o hábito tem. Nem toda repetição é inócua; o processo criativo, é óbvio, não é a linha de produção de uma fábrica; nem por isso, todavia, pode ficar na dependência de eflúvios ou de abstrações. Escrever é um ato do corpo.