quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Os comensais

Há muito tempo, li que comida “tem de ter cor, cheiro e sabor”. Não sei cozinhar. Todavia, tenho a impressão de que sei apreciar, embora eu possa estar enganado quanto a isso. Estando ou não, o pensamento de que a comida “tem de ter cor, cheiro e sabor” nunca saiu da minha cabeça.

O cheiro e o sabor podem parecer óbvios. Pode parecer desnecessário dizer que uma comida precisa ter cheiro e sabor. Todavia, não é bem assim. A cor não tem de ser necessariamente saturada. O prato pode não ser vistoso, pode não ter cores berrantes. Cores sutis ou não saturadas não sinalizam comida ruim. Há nuances, sutilezas, alimentos saborosos que não têm cores vibrantes.

Culinária é ritual. Sei que pode haver muito de careta, de arcaico e de afetado no que querem que seja ritual. Se há afetação, ritual não é, mas pose. O prazer de comer não está ligado a poses; por isso mesmo, etiqueta demais é desnecessária (bem como etiqueta de menos não é recomendada). Cor, cheiro e sabor são parte do ritual.

Pode-se comer sem a companhia de alguém. Já li por aí que o Drummond achava deselegante se alimentar quando havia pessoas por perto. Mesmo assim, o ritual da comida está intimamente ligado ao ato de celebrar. Comer é celebrar; celebrar de modo solitário é sem graça.

A celebração é parte do ritual. Que os comensais estejam reunidos para acompanhar, cheirar e degustar o que estiver sendo preparado. Que estejamos nas imediações da feitura, numa distância em que seja possível se dar conta, de antemão, do cheiro. O mesmo Drummond nos recomendou conviver com que nos propusermos a escrever. Convivamos com o preparo da comida. Que haja amizade, que haja amor. No ar, o cheiro. Quando a comida é servida, cheiro e cor. Tudo sem pressa, sem presunção. Cheiros, cores, sabores, olhares, risos, brindes.

Comer é celebrar. É um outro modo de dizer para as pessoas o quanto gostamos delas, o quanto fazemos questão da presença delas. A rigor, comer é atender a uma necessidade fisiológica; só que, ainda bem, achamos um modo de unir essa necessidade à possibilidade de congraçamento, de alegria, de sintonia.