quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Interação

Quando as cores querem voar,
procuram asas de borboletas.
Quando o Sol quer nascer,
pede o canto dos pássaros.
Quando o amor quer vingar,
requer asilo em corações. 

“A incrível história de Adaline”

O narrador de “Viagens de Gulliver”, do Jonathan Swift, realiza quatro viagens. Na terceira delas, um dos lugares visitados é Luggnagg. Lá, alguns habitantes são imortais. Não morrem — mas envelhecem. Depois de ter se deparado com pessoas decrépitas e que haviam perdido o tino, o narrador conclui, segundo tradução de Octavio Mendes Cajado: “Acreditará facilmente o leitor que, depois do que vi e ouvi, o meu grande anseio de perpetuidade decresceu muitíssimo. Envergonharam-me profundamente as deleitosas visões que eu imaginara, e cuidei que tirano algum poderia inventar uma morte a que eu não me atirasse com prazer”.

Adaline Bowman (Blake Lively) tem algo em comum com os decrépitos de Luggnagg: ela também é imortal. Só que ela não envelhece. Após estranho acidente, quando ela já era mãe e já havia ficado viúva, o corpo de Adaline para de envelhecer. À medida que as décadas vão passando, ela sabe que não vai morrer.

Esse é o fio condutor de “A incrível história de Adaline” [The age of Adaline] (2015), do diretor Lee Toland Krieger. Os roteiristas são J. Mills Goodloe e Salvador Paskowitz. Além de Blake Lively, Michiel Huisman, interpretando Ellis Jones, é protagonista.

Se na viagem a Luggnagg Gulliver, o narrador, descobre as desvantagens da imortalidade, admitindo que a natureza faz certo em tirar a vida dos corpos à medida que vão envelhecendo, Adaline, que não envelhece, depara-se com outra desvantagem da imortalidade: ela passa a não ter relações afetivas que tenham significado profundo, pois aqueles que ela ama vão envelhecer e morrer, ao passo que ela continuará jovem e viva. Como explicar ao parceiro e às pessoas o não envelhecimento? Adaline foge do amor ou de quaisquer laços duradouros.

Tendo ficado viúva, convive com Flemming (Ellen Burstyn), a filha, que, no aspecto visual, está bem mais velha do que a mãe. É a única pessoa que sabe que Adaline não envelhece. Só que décadas de negações de vínculos afetivos acabam causando em Adaline uma espécie de esterilidade ou de torpor psicológico. Mesmo sentindo falta de fortes vínculos afetivos, ela rechaça aqueles que tentam se aproximar dela. Em meio a essa atmosfera feita de recusa e de desejo, entra em cena Ellis Jones.

À medida que a trama avança, é natural que fiquemos curiosos para saber o destino de Adaline, não só quanto a Ellis. Contudo, ao lado dessa expectativa, fica-se torcendo para que a narrativa não se torne açucarada demais. Quando o filme termina, há alívio, pois o roteiro, embora flerte com a pieguice, roçando-a em algumas cenas, não descamba totalmente para ela.

“A incrível história de Adaline” é mais uma produção que lida com a temática da imortalidade e suas implicações no dia a dia de quem não morre. O desfecho é verossímil. Nos instantes finais, há uma cena em que Adaline se olha no espelho; a sequência é prosaica e poética. 

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Urbano

Com pressa,
o carro atropelou
as horas,
o pedestre.

Com pressa,
os demais carros
passaram ileso
pelo pedestre.

Sem pressa,
o pedestre
se esvaiu
no asfalto. 

As luzes de Luís André Nepomuceno

Luís André Nepomuceno, escritor, tradutor, ensaísta e professor, é de Patos de Minas/MG. Nasceu em 1968. Cursou letras no Unipam, o Centro Universitário de Patos de Minas. Seus estudos de pós-graduação (mestrado, doutorado e pós-doutorado) foram realizados na Unicamp. É professor do Unipam.

O autor tem uma vasta produção acadêmica, com publicações no Brasil e no exterior. Todavia, este texto não se deterá sobre o que Nepomuceno tem produzido na academia. A intenção aqui é jogar alguma luz sobre o que o intelectual tem produzido na ficção.

Quatro livros dele já foram publicados pela editora 7Letras: Antipalavra (2004, contos), A Lanterna Mágica de Jeremias (2005, romance), Os Anões (2009, romance) e Histórias Abandonadas (2011, contos). Está no prelo Diário da Criação do Mundo, livro de contos (será lançado daqui a pouco mais de um mês, em novembro).

Tanto em seu trabalho acadêmico quanto em seu trabalho de ficcionista, Nepomuceno tem no Humanismo um dos pilares. Seu trabalho intelectual, seja ele voltado para a academia, seja ele dedicado à literatura de imaginação, investe na possibilidade de elevação do homem, que é, na visão do autor, o grande projeto a ser edificado. Nesse projeto, há fios condutores que podem ser identificados. 

Seus personagens, não raro, estão às voltas com a literatura. Eles são leitores ou são escritores. Considerado no todo, o trabalho de Nepomuceno é expressão de um autor nem um pouco preocupado com iconoclastias nem com negações do que nos legaram as tradições. O que se dá é bem diferente disso: há a busca de uma prosa poética que alude com sutileza e verossimilhança ao arcabouço da literatura clássica.

Na dicção do autor, os clássicos convivem com seu jeito moderno de narrar. Nesse jogo, dá-se a reflexão metalinguística. É um tópico que perpassa toda a sua obra. O questionamento é frequente: teria a palavra a capacidade de realmente expressar a essência do que somos? Não há uma resposta pronta, mas ambivalências. 

Em determinado momento, no conto “Antipalavra”, que dá título à primeira obra de ficção publicada por Nepomuceno, o narrador reflete: “Para que serve uma palavra, senão para distanciar os homens?” (1). Por outro lado, em A Lanterna Mágica de Jeremias, há um diálogo de Olavo, editor, com Jeremias, que Olavo quer publicar. Diz este: “— Sr. Jeremias, escrever é uma dádiva que deve ser preservada pelos maiores. É a sua dádiva, e não deve ser nunca escondida dos outros” (2). 

Na obra do escritor, ora a palavra é o que nos revela, ora é aquilo que nos esconde; ora é ponte, ora é abismo; oração, ora maldição. Paira nos livros do autor mineiro um jogo de dizer e de não dizer. Nesse viés, em última instância, não é paradoxal afirmar que dizemos e não dizemos, seja com o corpo, seja com a palavra.

Mencione-se a reflexão que a obra nepomuceniana tece sobre a violência. Embora o cenário das histórias, em sua maioria, seja o interior, em especial um interior mineiro de outras épocas, isso não implica ausência de crueldade. No conto “Os homens do morro”, que está em Antipalavra, um grupo de homens aborda um senhor que seguia seu destino em carroça puxada por cavalo. No decorrer da narrativa, ele, o senhor, é forçado pelos homens a puxar a carroça, como se fosse ele o cavalo. 

Em “A Caminho de Damasco”, conto de Histórias Abandonadas, o narrador, enquanto dirige, vê um corpo caído na beira da estrada. Segue dirigindo, embora o corpo não lhe saia da cabeça. Decide voltar. A princípio, pensara se tratar de um homem; quando está diante do corpo, dá-se conta de que era uma mulher que vestia roupas masculinas. A continuidade da história revela que ela era uma prostituta; estava na beira da estrada porque havia sido espancada.

No romance Os Anões, há cenas de intensa e dramática violência física. Todavia, é preciso ressaltar que a violência nos livros de Nepomuceno não se dá no cenário urbano, essa violência que é principalmente fruto da pobreza, do tráfico de drogas e da corrupção. Os livros do autor não lidam com o caos urbano, o que não implica dizer que não haja neles a substância do que é a maldade.

Parece contraditório eu mencionar a violência, tendo dito que o projeto do autor é humanista. A contradição é aparente. Se por um lado há a manifestação da crueldade de que o homem é capaz, por outro, a literatura do autor é edificada sobre a esperança, que é outro poderoso afluente dos contos e dos romances produzidos por ele. Logo no começo de A Lanterna Mágica de Jeremias, o narrador declara: “Sou das luzes, não suporto escuridão” (3).

Num escritor maduro, esperança não implica ingenuidade. A literatura de Luís André Nepomuceno, sem evitar o que o homem tem de sórdido, busca a iluminação. Os livros dele estão plenos de referências metafóricas à luz, a olhos que não sabem enxergar, mas que um dia hão de. No mundo criado pelo escritor, há uma riqueza que vai além do que os olhos contemplam agora; um dia, vamos transcender, seremos plenos de luz. Não bastasse, o amor. Visitar grandes temas não é obrigação dos grandes artistas, mas o autor os aborda. Estão nas páginas de Nepomuceno as inquietações, as ambiguidades e as delícias do amor e do sexo.

Eu diria serem esses alguns dos pontos pelos quais a obra do ficcionista pode ser estudada. Acrescente-se aí uma pitada de humor na quantidade certa. O quadro que se tem é tão vasto quanto a natureza do que somos. No mais, fio-me nas palavras do narrador do conto “Da dignidade humana”, que está em Antipalavra: “Essas lições me vêm à cabeça só porque gosto muito de gente” (4).
_____

(1) NEPOMUCENO, Luís André. Antipalavra. Rio de Janeiro: 7Letras. 2004. Pág. 33.

(2) NEPOMUCENO, Luís André. A Lanterna Mágica de Jeremias. Rio de Janeiro: 7Letras. 2005. Pág. 73.

(3) NEPOMUCENO, Luís André. A Lanterna Mágica de Jeremias. Rio de Janeiro: 7Letras. 2005. Pág. 18.

(4) NEPOMUCENO, Luís André. Antipalavra. Rio de Janeiro: 7Letras. 2004. Pág. 84. 

Embelezamento

Não sei se há 
belezas outras.
Sei das belezas
deste mundo.
Cantando, pois,
tuas belezas,
que me torne
eu uma beleza. 

Dos sentidos

A natureza inventou a melancia. O homem inventou a geladeira. Tendo sido assim, o êxtase passou a ter cor, sabor e temperatura. 

Dendrolatria

Discreta, telúrica, sonhadora.
Querendo eu ou não,
a semente romperia a pele.
Saudade da árvore que não vingou. 

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Discursos

Há quem prefira 
a mentira sem erros de português 
à verdade com tais erros. 

Apontamento 351

A classe média pensa que não estar na senzala é o mesmo que ser dona da casa-grande. 

Letra e musa

Aquilo em que penso me compõe.
Tu és minha compositora.
Para ti, minha composição. 

terça-feira, 20 de setembro de 2016

A menina no espelho

Em 1994, escrevi uma crônica sobre os caminhos que nos levam a um autor. Sei que soa cabotinice eu mencionar algo escrito por mim mesmo neste texto de agora. Se faço isso, é porque o que estou digitando tem a mesma temática do texto escrito em meados da década de 90.

Na semana passada, conversei com uma aluna. Cheia de entusiasmo, ela estava falando de sua predileção por Fernando Sabino; em especial, pelo livro “O encontro marcado”. De acordo com a estudante, é intenção dela escrever sobre o livro em algum projeto escolar.

Disse que está relendo o romance. A primeira leitura foi há dois anos. Não me lembro se ela chegou a comentar o que a levou a ler Fernando Sabino. Do que me lembro, é de ela ter dito que já leu vários livros do escritor. Chegou a frisar: “Li até aquele sobre a Zélia”. Foi um alento escutá-la discorrer sobre o que já leu dele.

Enquanto ela conversava, fiquei torcendo para que essa magia não vá embora. Que a estudante vá descobrindo outros autores, outras vertentes, outras alegrias. Um livro leva a outro, que leva a outros. Essa boa tradição está viva. Tanto é assim que a aluna comentou: “Agora, eu quero ler os russos. O Fernando Sabino fala tão bem deles. Vou ler”.

Sim, minha cara, leia. Siga lendo, acatando sugestões dos autores que tiver em mãos, conferindo escritores que surgirem em conversas. Assuma “riscos”, lendo autores pouco mencionados ou não indicados por ninguém. Leia de tudo, de todos. Entregue-se às palavras, deixe-se conduzir por elas, que são encantadoras. Por isso mesmo, gostam de ser encantadas... 

Céus



domingo, 18 de setembro de 2016

Empate no Mineirão

Antes de a partida entre Cruzeiro e Atlético começar, o Galo era o favorito, por ter um melhor time, o que se reflete nas atuais posições dos times na tabela do campeonato. Esse favoritismo se confirmou no primeiro tempo, a despeito de Arrascaeta e de Ábila terem perdido cada um deles um gol.

Em boa parte da primeira etapa, o jogo foi lento, com as duas equipes se respeitando demais, temendo assim correr riscos. Num dos raros momentos em que essa monotonia foi quebrada, Otero, num belo chute de fora da área, acertou o travessão do goleiro Rafael, que estava um pouco adiantado.

Em outro raro momento de lance incisivo, aos trinta minutos, em jogada rápida pela direita, Fabio Santos cruzou; Clayton cabeceou, abrindo o placar, validando o favoritismo do Atlético até aquele momento.

A segunda metade do jogo começou mais dinâmica do que a primeira. A Raposa, movida pela necessidade, tentava se insinuar, embora tenha sido Júnior Urso a ter, aos oito minutos, chance de marcar. Pelo Cruzeiro, Ábila, aos vinte e um, acertou a trave. Por fim, aos trinta, Robinho, do Cruzeiro, depois de cruzamento de Elber, empatou o jogo.

No todo, um jogo sem graça. Além do mais, o empate foi ruim para as duas equipes, pois o Atlético, que postula o título, não encosta de vez no Flamengo, e o Cruzeiro, por sua vez, segue ainda perto da zona de rebaixamento. 

Aberturas

Da porta da sala, 
divisava a igreja 
do bairro.
Da porta da cozinha, 
a igreja do centro.
Gostava mesmo 
era do deus que entrava
pela janela do quarto. 

Falando de negócios

“Poesia não vende”.
Nunca enriqueci poeta,
mas compro poesia.
Estou ficando rico. 

sábado, 17 de setembro de 2016

Sintonia Fina — edição 34

Mais do Tito

Depois do banho, ainda molhado, a pândega. 

Convicção

A toga não faz o juiz.
Juiz nenhum me lê.
Não tenho como provar.
Mas tenho convicção. 

Terapia

Fiquei sem os abraços, 
mas os braços não desistem.
Com fervor, abracei a vida,
convidei-a para dançar.
Ela aceitou, dançamos.
Estou pronto para outra. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Quando a fotografia cega

Sempre que ministro curso de fotografia, perguntam-me o que acho de se fazer fotos com celular. Digo que ainda não gosto, pois mesmo o mais avançado dos celulares não tem nem a qualidade nem a agilidade nem os recursos técnicos de uma câmera, mesmo que ela não seja tão avançada assim. Mas é uma questão de tempo para que os celulares possam oferecer os recursos e a rapidez de uma câmera, não só quando se maneja o equipamento, mas também quanto à rapidez na captura. Os celulares continuarão sendo mais do que o bastante para o consumidor “comum”. Não creio que os telefones substituirão as câmeras.

Outra pergunta que me fazem com frequência em cursos de fotografia é sobre se a fotografia digital teria empobrecido o ato de fotografar. Quem deseja a excelência aprende a técnica, que é fundamental. Mesmo com a evolução tecnológica, a técnica é a mesma. A fotografia digital levou a uma maciça popularização do ato de fotografar, precisamente graças aos celulares. Se, por um lado, essa popularização, no mais das vezes, não implica domínio das técnicas de fotografia por quem se vale de telefones ao fazer os registros, por outro, essa mesma popularização pode levar ao interesse no aprofundamento da técnica fotográfica. Comigo foi assim, quando, em 2004, comprei uma câmera digital amadora de 3.2 megapixels. Manejando-a, acabei me interessando por aprender sobre a técnica fotográfica. A popularização ainda maior da fotografia pode ser uma consequência saudável da tecnologia digital.

Em contrapartida, essa popularização, incrementada graças aos celulares, e, depois, graças às redes sociais, teve e tem elementos sociológicos, de que os autorretratos (ou, caso você prefira, as “selfies”) são os sintomas mais reveladores. Tantos os celulares quanto as redes sociais estão mais a serviço da propagação do si-mesmo do que à “ocultação” daquele que fotografa. Havia autorretratos no passado; todavia, a facilidade de manejo que os celulares têm e a possibilidade de se conferir na hora o resultado da foto proporcionam as condições para o incremento deles.

O assunto da fotografia era, em grande parte, o que havia diante dos olhos; com os autorretratos, o assunto passou a ser o fotógrafo, não o que os olhos dele enxergam, a não ser que ele esteja diante de um espelho ou que esteja mirando a própria imagem no visor do celular. Os olhos estão se dedicando não mais ao mundo que se descortina diante deles, mas à exposição e à glorificação do si-mesmo. Diante de uma paisagem, seja ela natural, seja urbana, o que conta não é a paisagem, mas inserir-se nela. Não basta estar diante de: é preciso que o rosto ou que todo o corpo de quem contempla esteja em evidência, com a paisagem ficando em segundo plano, fazendo pano de fundo para quem estiver no autorretrato. É como se a legitimidade do registro só fosse alcançada a partir da exposição no quadro fotográfico do corpo de quem faz o registro.

A incisiva autoexposição é sintoma de tempos em que o que conta é aparecer o tempo todo, sob pena de se cair no ostracismo no mundo virtual, por mais ilusório que possa ser o sucesso em redes sociais (ou qualquer outro sucesso). Num universo cheio de coisas, digamos, lá fora, a pessoa se volta, mesmo assim, para si mesma, não ao modo de quem se investiga, mas à maneira de quem precisa se exibir, inserindo-se no registro. Ao olhar para si, quem fotografa o faz de modo superficial; ao olhar para fora, não consegue não se inserir. Perde-se, assim, o exercício do olhar que perscruta, aprende, observa, analisa. Quem tira a foto acaba não prestando atenção nas coisas e acaba se mostrando com vaidade, que impede a pessoa de se enxergar numa abordagem mais honesta. A essência da fotografia, que é, antes do clique, o exercício do olhar, é perdida. Num ambiente em que o importante é um autorretrato numa rede social, a fotografia, num paradoxo, em vez de enriquecer o olhar, seja com relação ao mundo interior, seja quanto ao que está diante da visão, pode vir a aumentar a cegueira quanto ao que se é. 

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Sessão de autógrafos do livro Dislexias

























(Fotos: Alexandre Rosa)

Ontem à noite, na Casa Grande — Cervejas Especiais, ocorreu sessão de autógrafos de meu livro Dislexias. Ao João Paulo, proprietário da casa, e à Fabiane Araújo, obrigado por ceder o espaço e pela colaboração.

Ao Gabriel CZ e à Kelle CZ, obrigado pela força nos bastidores.

Ao Alexandre Rosa, obrigado por ter fotografado a noite.

À Fabiana Gonçalves Melo, obrigado pelo incentivo sem fim e pelo apoio logístico na noite de ontem.

Obrigado a todos os que compareceram. 

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Amor escrito

Eu escrevo para ti.
Escreves para mim.
Escrevemos para nós
as mesmas coisas.

As mesmas coisas
que escreveram
os que escreveram
o amor que tiveram.

Nosso amor é o mesmo.
Um mesmo que é nosso.
Sendo nosso, é único.
É amor, é todo amor.

Ao escrever um para o outro,
escrevemos as mesmas coisas.
As mesmas coisas escritas
por todos os que amaram.

Somos nós todos os amores,
somos o amor que é nosso.
Somos outros e o que somos.
Nós e eles, todos os amores. 

Esquece o penteado

Desconheço invenção mais bela do que uma mulher de cabelos desgrenhados. Esse desgrenhamento pode ser espontâneo ou pode ser feito de caso pensado. Pode ser causado pela própria dona dos cabelos, pode ser elaborado num salão ou pode ser esculpido a partir das mãos de quem a mulher escolher para amar.

Há um momento nas preliminares e depois do amor feito em que a mulher pode ter no rosto a beleza, a sensualidade, o olhar brilhante e a malícia. Em momentos assim, os cabelos, fora de ordem, são a criação mais robusta e bela da natureza.

Cabelos desgrenhados evidenciam o poder do que é sensual, sugerem liberdade, convidam sem apelos desesperados. Desestabilizados, desestabilizam, atiçam. A beleza e a poderosa latência da natureza estão numa mulher de cabelos desgrenhados. São a força da selvageria aliada à corporificação do belo. Momento em que a mulher gera vontade de tato, de contemplação, de sexo. 

Dislexias na Casa Grande

Hoje, na Casa Grande — Cervejas Especiais, sessão de autógrafos de meu livro Dislexias. Ao mesmo tempo, haverá mais uma edição do Bolacha com Cerveja, em que Gabizão Alves, manejando discos de vinil, vai executar rock progressivo.

A Casa Grande fica na Pará 408, pertinho do antigo 1ª Via Shopping. O evento começa às 19h. Aguardo vocês. 

domingo, 11 de setembro de 2016

Convivências

O ímpeto que me levou à luz me trouxe a escuridão.
Eu percorro claridades sem me esquecer do que 
ensinam as noites sem cidades e sem luas.
Insurjo-me contra o que não brilha e contra
aquilo que não aprendeu a ser escuro pleno.
A luz que ofusca, o breu que impede a visão.
Eu cortejo os dois, eu os misturo em amálgama,
alquimia poderosa feita de pulso selvagem e ato.
Componho cantos para a luz de minha casa,
eu teço odes para a escuridão onde moro.
Não saio para a luz sem levar meu escuro.
Não entro no escuro sem acender minha luz. 

Sessão de autógrafos

sábado, 10 de setembro de 2016

Repercussão

Fotopoema 396

Conto 87

Certa vez, sentindo desconforto nas costas, Tadeu pediu a Maria das Dores, com quem era casado, que fizesse massagem nele. Gostou. A seguir, pediu a ela que se deitasse de bruços sobre ele. Gostou. Continuando deitado, pediu à esposa que caminhasse sobre as costas dele. Gostou. Hoje em dia, sempre se regozija quando Maria das Dores o pisa. 

A indicação de Reinaldo Azevedo

A edição que tenho do “Ética”, do Spinoza, foi publicada pela Autêntica. A orelha do livro contém um texto impagável, que é parte da exclusão do filósofo do judaísmo. Um trecho: “Nós (...) expulsamos, amaldiçoamos e esconjuramos Baruch de Spinoza (...). Maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito seja em seu deitar, maldito seja em seu levantar, maldito seja em seu sair, e maldito ele em seu entrar”. O texto foi proferido contra Spinoza em vinte e sete de julho de 1656, quando ele tinha vinte e três anos.

Lembrei-me dessa história pelo seguinte: o cartaz de divulgação do filme “Aquarius” tem uma frase do Reinaldo Azevedo: “O dever das pessoas de bem é boicotar “‘Aquarius’”. Segundo o que li, Azevedo, dando provas de total ausência de humor, não teria gostado da ironia do cartaz. E já que ele diz que pessoas de bem devem boicotar “Aquarius”, assistirei ao filme assim que possível. 

Entre nós

Somos apenas humanos.
Houvesse alguma coisa 
lá fora para nos perdoar, 
perdoados estaríamos.
Na falta desse algo, 
que não nos falte perdão. 

Mais um convite

Pessoas, na terça-feira, dia 13/09, vai haver mais uma sessão de autógrafos de meu livro Dislexias. Vai ser na Casa Grande — Cervejas Especiais, a partir das 19h. Fica na rua Pará 408, pertinho do antigo 1ª Via Shopping. Aguardo vocês.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Os Pessoas e eu

Ser o que se é em cada minúcia.
Aprender com os outros, ser os outros,
sem deixar de ser o que se é.
Ser os outros ao modo do que se é.
Ser quem se é à maneira do que se é.
Assim sendo, tentando escrever à
Fernando Pessoa, escrevo a meu modo. 

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Caminhante

O caminho que me leva a mim 
corre em minhas veias,
passa por ti, por águas e livros.
Meu caminho tem silêncios 
e pistas de dança lotadas.
Quero gentes e solidões,
cerrado e ruas cheias.
Quero disciplina e devaneio.
O caminho que me leva a mim
tem caminhos e desencontros. 

terça-feira, 6 de setembro de 2016

Vamos combinar

Acho que eu já disse por aqui que não gosto de autorretratos nem gosto de ser fotografado. Se esta postagem tem um autorretrato meu, é só pelo fato de eu ter achado divertido a camiseta ter cores bem parecidas com as da capa de meu livro, o Dislexias. Esse não foi o único motivo que fez comprar a peça, mas foi um dos.

Por falar em meu livro, em breve, mais uma sessão de autógrafos... 

domingo, 4 de setembro de 2016

Em setembro

Ventos de agosto sopram
em setembro.
Feliz é o vento —
não sabe se é
agosto ou inverno,
não sabe
que é vento,
não sabe
que é feliz.

Feliz, sopra,
conduzindo-me
para outubro. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

"Sobre a escrita", de Stephen King

Jamais li um livro de ficção do Stephen King. Em minha juventude, eu me senti compelido a conhecer o trabalho do autor, depois de conferir uma entrevista com o Renato Russo em que o vocalista da Legião disse que era fã dos trabalhos do escritor americano. Mas o desejo de ler King não foi adiante.

Há coisa de uns seis meses, li um texto na revista The New Yorker em que se elogiava “Sobre a escrita” [On writing]. Desde então, fiquei muito curioso para fazer a leitura, que terminei há pouco. O livro é indispensável para quem gosta de escrever ou para quem se interessa pela carpintaria literária.

A tradução é de Michel Teixeira; a obra foi publicada pela editora Suma de Letras, braço editorial da Objetiva. É um livro que comove e que diverte. Li boa parte dele na rodoviária de São Paulo, enquanto aguardava o ônibus para Patos de Minas. Houve trechos que me deixaram com vontade de gargalhar e trechos que me encheram os olhos d’água. Não me senti à vontade, em público, nem para o choro nem para a gargalhada.

Stephen King é sucesso de público, não de crítica, a qual não raro o desanca. Esqueça a crítica e leia “Sobre a escrita”. Se por um lado não se pode ensinar alguém como escrever, por outro, isso não quer dizer que não haja atitudes a serem seguidas por quem deseja se dedicar ao ofício. É sobre isso que King escreve em seu livro.

Ele mostra o que há de prática e de prático nesse ofício. Ao falar de coisas como estabelecer metas de quantas palavras escrever por dia e de disciplina, o autor dessacraliza o ato da escrita, sem deixar de mostrar o que pode haver de mágico no envolvimento com as palavras.

O autor não abre concessões: o trabalho de escrever exige conhecimento do idioma, da gramática; exige estudo, leitura. Parecem coisas óbvias, mas é preciso que sejam ditas, para que não se suponha o escritor como alguém que recebe dos céus as bênçãos das musas. Ainda que tais musas existam, não virão sem o trabalho “braçal” de quem escreve.

“Sobre a escrita” é didático, sem ser professoral nem presunçoso. É um livro sobre o que fazer para se escrever, o que não quer dizer que é só fazer essas coisas para se tornar um grande autor. Há a intenção de ensinar, não como quem passa uma receita ou redige um manual.

É um livro generoso — de modo honesto, aberto, King compartilha com os leitores as miudezas, as dores e as alegrias do ato da escrita. Muitos preferem manter uma aura de pseudomistério quando se trata de escrever. King tem o bom senso de não cair nessas balelas. O livro está longe dos discursos dos gurus da autoajuda, que prometem sucesso em caso de determinada fórmula ser seguida. O livro não dá ao leitor um falso passe de mágica de como se tornar um mago das palavras, mas compartilha não só o pensamento de que é possível que ele, leitor, torne-se um escritor, mas também a delícia que pode ser alcançada quando se escreve.

Sem pedantismo, King enfatiza o óbvio que ou não é dito ou é maquiado: não há escritor sem trabalho e sem esforço. O autor, misturando ora sua vida pessoal e ora seus textos como exemplos, achou um tom no qual o que parece obviedade não soa como desrespeito à inteligência do leitor. Vale dizer ainda que um dos pontos altos do livro é a ênfase na ideia de que escrever é um trabalho como qualquer outro. Num texto fluente, é como se King tivesse desmontado os mecanismos ou as engrenagens que podem fazer de alguém um escritor. 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Literatura, futebol e salmão

Eu queria comer algo de verdade. Eu havia acabado de sair da Bienal, em São Paulo. No evento, estavam vendendo sanduíches, cachorros-quentes e afins. Digo que isso não é comida de verdade. Longe de casa, num hotel que não servia almoço, perguntei para a funcionária da recepção onde eu poderia comer algo que não lembrasse um sanduíche. Ela me indicou um bar que fica bem em frente ao hotel, ao mesmo tempo em que parece ter lido em minha expressão uma certa incredulidade. Quando eu estava prestes a deixar a recepção do hotel, a funcionária disse: “É bar, mas servem comida”.

Entrei e pedi uma cerveja. Eu me sentei perto do cubículo em que o cozinheiro estava fritando um peixe. Olhando para a panela, contemplei um pedaço de salmão. Pedi a ele (não ao salmão, mas ao cozinheiro) que preparasse também para mim um salmão. Pedi ainda que houvesse pouca salada e pouco arroz. Enquanto a comida estava sendo preparada, eu ia tomando a cerveja.

O próprio cozinheiro me serviu o que ele havia preparado. Perguntou-me se eu queria outra cerveja; pedi um refrigerante. Ele foi pegá-lo. Tendo voltado, perguntou de onde eu era. Eu disse que era de Minas Gerais. Ele quis saber se eu era de Belo Horizonte. “Não, de Patos de Minas”, eu disse. Respondendo à minha pergunta sobre de onde ele era, o cozinheiro disse: “Sou de Alagoas, terra do Graciliano Ramos”.

A partir daí, iniciamos conversa sobre escritores e sobre literatura. Heleno, cozinheiro e dono do bar, já leu muito. Tem quarenta anos. Mora em São Paulo desde os dezesseis. Desde então, trabalhou em hotéis durante boa parte desse tempo. Há cinco meses, deixou o ramo hoteleiro e abriu o bar. Heleno não tem curso superior. Segundo ele, começou a estudar gastronomia, mas não terminou o curso. À medida que ele ia conversando, eu ficava impressionado com a familiaridade que ele demonstrava ter não somente com os autores do nordeste, mas também com os demais escritores nacionais e internacionais.

Ele mencionou Sade, Drummond, Machado, João Cabral, Cecília Meireles, Llosa, Suassuna... Dos autores de que falava, comentava os livros que havia lido, citava trechos, fazia referência a cenas.

A conversa rendia. Quanto mais a gente batia papo, mais eu me surpreendia com o vasto conhecimento que Heleno tem da literatura universal. Num certo momento, perguntei-lhe se escrevia. Segundo o que respondeu, não, mas que tinha vontade de se arriscar. Tentei encorajá-lo para que começasse.

Os demais fregueses do bar já estavam se alimentando. Quando queriam pedir algo, eram atendidos pela esposa de Heleno. Quando um novo freguês chegou, pedindo uma refeição, o dono do bar se afastou. Quando voltou, continuamos nossa conversa sobre escritores.

Quando eu já estava quase terminando minha refeição, o dono do bar me perguntou se eu gostava de futebol. Tive a impressão que o tom dele era de quem não acreditava que gosto de futebol. “Sou cruzeirense; e você?” Ele é flamenguista. A partir daí, passamos a falar de futebol.

Eu e ele não tivemos o privilégio de assistir nem ao Santos de Pelé nem ao Botafogo de Garrincha. Mesmo assim, elencamos os melhores times que presenciamos. Depois de ponderações, cortes e argumentos, chegamos a esta lista: o Flamengo de 1981, o São Paulo do Telê, o Palmeiras de meados da década de noventa, o Corinthians de 1998 e o Cruzeiro de 2003. Meu companheiro de conversa fez a ressalva: “Mas aquele time do Atlético mineiro do começo da década de oitenta, o time do Reinaldo, era um baita time”.

Achei curioso ele se lembrar tão nítido do Flamengo e do Atlético do comecinho da década de oitenta, pois, se tem quarenta anos, ele tinha uns seis quando esses times brilharam. Quando falamos do rubro-negro, dei a escalação do time, só que fora de ordem. Heleno escalou os jogadores nas posições que ocupavam, encostando o indicador da mão direita na mesa do bar, indicando onde estariam os atletas, como se a mesa fosse um campo de futebol.

Enquanto conversávamos, tive a ideia de dar a ele um exemplar de meu livro Dislexias. Assim que paguei a conta, atravessei a rua, fui ao quarto do hotel e peguei o livro. Voltei ao bar, fiz a dedicatória. Heleno a leu, me agradeceu e disse que faria questão de fazer a leitura. É gratificante imaginar que poderei ser lido por ele.