O narrador de “Viagens de Gulliver”, do Jonathan Swift, realiza quatro viagens. Na terceira delas, um dos lugares visitados é Luggnagg. Lá, alguns habitantes são imortais. Não morrem — mas envelhecem. Depois de ter se deparado com pessoas decrépitas e que haviam perdido o tino, o narrador conclui, segundo tradução de Octavio Mendes Cajado: “Acreditará facilmente o leitor que, depois do que vi e ouvi, o meu grande anseio de perpetuidade decresceu muitíssimo. Envergonharam-me profundamente as deleitosas visões que eu imaginara, e cuidei que tirano algum poderia inventar uma morte a que eu não me atirasse com prazer”.
Adaline Bowman (Blake Lively) tem algo em comum com os decrépitos de Luggnagg: ela também é imortal. Só que ela não envelhece. Após estranho acidente, quando ela já era mãe e já havia ficado viúva, o corpo de Adaline para de envelhecer. À medida que as décadas vão passando, ela sabe que não vai morrer.
Esse é o fio condutor de “A incrível história de Adaline” [The age of Adaline] (2015), do diretor Lee Toland Krieger. Os roteiristas são J. Mills Goodloe e Salvador Paskowitz. Além de Blake Lively, Michiel Huisman, interpretando Ellis Jones, é protagonista.
Se na viagem a Luggnagg Gulliver, o narrador, descobre as desvantagens da imortalidade, admitindo que a natureza faz certo em tirar a vida dos corpos à medida que vão envelhecendo, Adaline, que não envelhece, depara-se com outra desvantagem da imortalidade: ela passa a não ter relações afetivas que tenham significado profundo, pois aqueles que ela ama vão envelhecer e morrer, ao passo que ela continuará jovem e viva. Como explicar ao parceiro e às pessoas o não envelhecimento? Adaline foge do amor ou de quaisquer laços duradouros.
Tendo ficado viúva, convive com Flemming (Ellen Burstyn), a filha, que, no aspecto visual, está bem mais velha do que a mãe. É a única pessoa que sabe que Adaline não envelhece. Só que décadas de negações de vínculos afetivos acabam causando em Adaline uma espécie de esterilidade ou de torpor psicológico. Mesmo sentindo falta de fortes vínculos afetivos, ela rechaça aqueles que tentam se aproximar dela. Em meio a essa atmosfera feita de recusa e de desejo, entra em cena Ellis Jones.
À medida que a trama avança, é natural que fiquemos curiosos para saber o destino de Adaline, não só quanto a Ellis. Contudo, ao lado dessa expectativa, fica-se torcendo para que a narrativa não se torne açucarada demais. Quando o filme termina, há alívio, pois o roteiro, embora flerte com a pieguice, roçando-a em algumas cenas, não descamba totalmente para ela.
“A incrível história de Adaline” é mais uma produção que lida com a temática da imortalidade e suas implicações no dia a dia de quem não morre. O desfecho é verossímil. Nos instantes finais, há uma cena em que Adaline se olha no espelho; a sequência é prosaica e poética.
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