quinta-feira, 3 de março de 2016

Hoje de manhã



De uns dias para cá, indo para o trabalho, eu vinha reparando que havia algumas possibilidades fotográficas ali nas imediações do estádio do Mamoré, aqui em Patos de Minas. Hoje pela manhã, parei de adiar, levei a câmera. Nesta postagem, três das fotos que tirei. 

Ilusão engravatada

São poucas as pessoas que têm a oportunidade de realizar no trabalho o que têm de melhor. Não bastasse isso, e já é grave o bastante tantas pessoas não terem a oportunidade de serem o melhor que são em seu trabalho, há uma teia burocrática e um arranjo pseudossofisticado que pode deixar a impressão, em alguns, de que o trabalho é intelectual, criativo, quando, na verdade, é braçal; é uma espécie de linha de produção em que se trocaram esteiras e bigornas por papéis e carimbos.

É triste que muitos passem uma vida toda mergulhados num trabalho que nada lhes acrescenta; quando muito, recebem pouco dinheiro, não raro iludidos de que estão recebendo mais do que o bastante pelo que fazem. Dizem com orgulho que estão trabalhando muito, sentem-se úteis para seus chefes, para sua comunidade, sem ter a noção de que estão é matando o que têm de melhor em nome de uma causa que pouco se importa com o modo como alguém pode ser uma pessoa melhor, mais ampla, mais capaz, mais inteligente. A melhor maneira de contribuirmos para a sociedade é termos a oportunidade sermos o que podemos ser.

Engravatados e com ternos de preciso corte, muitos se emaranham no jogo, desperdiçando energia física e intelectual em ilusões que minam o poder criativo. Lamentável não ocorrer a muitos a ideia de que podem se despojar de parte do trabalho que têm de executar. Se fizessem isso, teriam mais tempo para si; tendo mais tempo para si, poderiam descobrir recantos inexplorados e ricos no próprio terreno, no próprio quintal. Mas é tarde de sábado. O chefe está ligando. O estudo de astronomia pode ficar para outra hora. 

Duas felicidades

Há um paralelo, que reconheço ser um tanto ingênuo, que faço entre as obras de Borges e de García Márquez: ambos produziram uma literatura feliz, por mais pobre que esse adjetivo soe.

O argentino, por intermédio de um ludismo nobre e elevado, cheio de referências literárias; o colombiano, por meio de uma prosa fluente, com senso de humor e permeada pelas facetas do sentimento amoroso.

Em García Márquez, a questão política fala mais alto do que em Borges, que, no todo, voltava-se mais para uma literatura que faz de si seu grande tema, bem como para deliciosas questões metafísicas. Já García Márquez, a despeito de magias macondianas, tem, por assim dizer, um enfoque mais terreno.

Ambos, contudo, tanto em suas literaturas quanto em suas entrevistas, apontam para uma felicidade possível, tanto a partir da criação literária quanto a partir das circunstâncias da vida. Parece-me que foram dois felizes. 

"Credo", de Mario Benedetti