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domingo, 1 de março de 2020

Enquanto Eu Respirar

Uma colega de trabalho me emprestou o livro Enquanto Eu Respirar, de Ana Michelle Soares, publicado pela Sextante. É sobre a convivência da autora com o câncer.

Quando comecei a ler, logo gostei de como Ana Michelle Soares, ou AnaMi, como ela gosta de ser chamada, não quis soar profunda nem quis soar literária em sua escrita. Justamente por assim escrever, o livro, em sua “simplicidade”, torna-se denso, bonito, triste, comovente. Outro grande mérito de Ana Michelle Soares é não cair num mequetrefe discurso de autoajuda nem cair em pobre pieguice.

O livro é triste e é bonito. Na vida, tristeza e boniteza não se excluem. A autora narra, com uma pitada de humor aqui e outra ali, que ter câncer não é o mesmo que assinar uma sentença de morte, ainda que se tenha plena consciência de que ela, a morte, possa vir antes do que se imaginava. O belo paradoxo narrado em Enquanto Eu Respirar é o de que a real consciência da finitude é libertadora.

Sempre digo que escrever um livro é um ato a favor da vida, um ato de crença na vida. Nesse sentido, a mera existência de Enquanto Eu Respirar é um atestado de fé; valho-me da palavra “fé” não no sentido religioso, cristão, mas uma fé que se faz no dia a dia porque a pessoa se dá conta de que a vida, apesar de todos os pesares, é um troço que vale a pena ser vivido.

A autora dedica grande parte do livro a relatar a amizade com Renata, carinhosamente chamada de Rê, que também tinha câncer. É emocionante acompanhar a convivência entre as duas, o amor de uma pela outra, ambas frequentemente às voltas com sessões de quimioterapia ou com outros procedimentos relacionados ao tratamento.

Por isso de que já falei, o livro já valeria a pena. Mas, há mais. Enquanto Eu Respirar, sem cair em conselhos bobos ou cheios de pseudossabedoria, alerta-nos para o quanto perdemos tempo com coisas que não têm importância alguma. Num sentido amplo, em seu jeitão simples e despojado, o livro nos conclama a amar, a mergulhar na vida, a não adiar sentimentos e a dar valor nas coisas ditas simples. Para quem está doente, uma brisa pode ser uma dádiva, mas por que precisamos ficar doentes para percebermos que a brisa é uma dádiva?

Outra questão mencionada no livro é o quanto alguns médicos ainda vacilam por não enxergarem no doente não uma estatística, não um número, não um entrave para o plano de saúde. Por um lado, há doentes que não facilitam tratamentos; por outro, há médicos que não entendem que no corpo com câncer ou com qualquer outra doença, mora um ser humano. Uma sintonia entre médico e paciente é possível. 

Os trechos em que a relação médico-paciente é desenvolvida pela autora remeteram-me às obras de Oliver Sacks (um de seus livros é inspiração para o filme Tempo de Despertar) e ao livro Sem Causar Mal, escrito por Henry Marsh, médico inglês. Tanto Sacks quanto Marsh entenderam que um corpo doente é tão belo quanto qualquer outro corpo. 

Essa atmosfera paira em Enquanto Eu Respirar. Os que se interessarem pelo livro podem também conferir o perfil @paliativas, mantido por Ana Michelle Soares, no Instagram. Ela escreveu em seu livro: “É triste não poder falar sobre amor”. Por isso mesmo, Enquanto Eu Respirar é um livro feliz, pois é um livro que exala amor. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A cabeça de um neurocirurgião

Relatos médicos, quando não técnicos demais, sempre me interessaram. Que eu me lembre, o primeiro livro que li supostamente escrito por um médico foi o “Confissões de um ginecologista”, que consegui, na década de 80, numa biblioteca pública local. Uma pesquisa rápida na internet me revela que o livro é de 1972; foi publicado, sem o nome do autor na capa, pela Record.

Sempre interessado na questão médica, e em especial na relação médico-paciente, acabei chegando aos livros do Oliver Sacks (1933-2015), os quais sempre recomendo com entusiasmo. Também já escrevi alguns textos sobre a falta de humanidade de alguns médicos, que tratam os pacientes como se fossem somente números.

Seguindo meu interesse nessa área, terminei de ler “Sem causar mal” [Do no harm], do neurocirurgião inglês Henry Marsh. A tradução é de Ivar Panazzolo Júnior; o livro foi publicado pela nVersos. Num estilo direto, sem delongas, Marsh narra casos com que teve de lidar como médico.

É espantosa a coragem com que o autor conta os fracassos que teve ao longo de sua profissão. Não nos esqueçamos de que fracassar, no caso de um neurocirurgião, pode implicar danos sérios para o resto da vida de um paciente. Há erros retumbantes. Num deles, o caso de um paciente que ficou em estado vegetativo depois de ter sido submetido a uma cirurgia realizada por Marsh.

Como todo grande livro, terminada a leitura, o que há um retrato multiforme e difícil da condição humana. Um médico se desnuda, confessa seus erros; o que surge é a complexidade que é essa coisa de ser gente. Os relatos são secos, duros. Marsh não pede ao leitor que tenha comiseração dele nem se vale de autopiedade. Ele conta os casos.

Não bastasse, relata os problemas pelos quais passou nas vezes em que foi paciente e quando teve de assistir à morte da mãe, a qual não resistiu a um câncer que teve. Sem se meter a análises transcendentais acerca da condição humana, o livro, nem por isso, deixa de apresentar o quanto ser gente é complicado. E ser gente quando se está doente, mais ainda. Este é um dos pontos altos da obra: sem cogitar teorias sobre o pós-morte, leva-nos a uma reflexão sobre o que é viver, sem conclusões definitivas e sem receitas fáceis.

Enquanto acompanhamos as ruminações feitas pelo médico, não raro enquanto ele está pedalando sua bicicleta, meio de que muito se vale ao ir para o trabalho, realizamos nós a reflexão do que estamos fazendo de nossas vidas e do que é nosso cérebro. Ao mesmo tempo, Marsh não deixa de apresentar a funesta burocracia de sempre, que contaminou também o sistema de saúde.

O livro é um monumento. A sinceridade com que Henry Marsh narra seus fracassos é espantosa. Não há eufemismos, não há delongas, o que ainda faz com que “Sem causar mal” seja uma aula de estilística, ao contar, indo direto ao ponto, sem truques manjados, a difícil tarefa de ser um neurocirurgião. Mesmo não sendo intenção dele, o livro é uma aula de como narrar. “Sem causar mal”, embora trate muito de morte ou de pesadas sequelas de que ficaram padecendo vários dos pacientes do autor, é sobre a força da vida. 

domingo, 30 de agosto de 2015

MORRE OLIVER SACKS

Oliver Sacks morreu hoje. No dia dezenove de fevereiro deste ano, ele publicou, no jornal The New York Times, uma carta de despedida. Sacks tinha câncer.

Por algumas vezes, escrevi sobre os médicos. Em especial, sobre a questão de que muitos deles estão se esquecendo de que os pacientes são, antes de qualquer coisa, gente.

Matéria publicada hoje por The New York Times tem frase de Sacks referindo-se a A. R. Luria, que Sacks muito admirava. Segundo o médico americano, com Luria, “a ciência se tornou poesia”.

Também Sacks fez a ciência ficar bonita. Nesse sentido, foi poeta. Pena que muitos médicos, que tratam pacientes como fardo, não se inspirem em Sacks. Hoje, a ciência ficou menos bonita. 

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

OLIVER SACKS SE DESPEDE

O neurologista Oliver Sacks, em texto publicado hoje no jornal The New York Times, anuncia que tem meses de vida, devido a câncer. Publicamente, Sacks se despede com altivez — o que não surpreende.

Nos livros dele, Sacks deixa transparecer algo que se tornou raro: ele trata os pacientes como... gente... Ele realmente parece se importar com os pacientes. Isso, que parece ser condição inicial para qualquer médico, tornou-se exceção. 

quarta-feira, 28 de maio de 2014

A SENHORA E O MÉDICO

Desde quando escrevi sobre o atendimento mal-educado e incompetente que parte dos médicos têm prestado, muitas pessoas têm me contado sobre o que têm passado nos hospitais de Patos de Minas. Há histórias para todos os gostos — de horripilantes erros médicos a históricas deselegâncias.

Há pouco, fiquei sabendo do caso de uma senhora que estava passando mal; não vislumbrando outro recurso, foi a um hospital da cidade, lá chegando por volta de 22h. O médico foi quem iniciou o diálogo entre os dois, dizendo: “Não sei se isso são horas de passar mal”.

Nesse caso, senhora, o médico está certo. É obrigação saber que qualquer ser humano sensato não passa mal às 22h, hora em que os médicos já não mais estão exercendo o ofício. Nessa hora, já estão em casa, descansando — o repouso, a propósito, é recomendado por qualquer profissional da saúde.

Numa próxima, tenha algum senso; escolha um horário mais apropriado quando for passar mal. Sugiro os seguintes: entre 10h e 11h ou entre 14h e 15h. O horário entre 10h e 11h poupa os médicos de terem de levantar muito cedo, permitindo a eles reporem a energia despendida no dia anterior; o horário entre 14h e 15h não atrapalha o almoço nem impede o lanche da tarde, de modo que os médicos possam repor a energia gasta nas horas anteriores. 

Além do mais, passando mal nos horários que recomendo, a senhora não vai fazer com que o médico tenha de sair do lar para atendê-la. É inconveniente para qualquer profissional ter de sair de casa para trabalhar fora do horário estipulado. Ainda que o médico esteja de plantão, digamos, à noite, procure não incomodá-lo. Afinal, é notório que a noite não foi feita para que passemos mal. É no mínimo falta de ética não seguir esse preceito.

A rigor, é um acinte passar mal às 22h, senhora. A medicina tenta aliviar os sofrimentos do homem. Ora, como um médico poderá exercer tão nobre tarefa se os pacientes não colaboram?! Para que um médico tente aliviar o sofrimento de alguém, ele, médico, precisa de alívio. Portanto, não seja um fardo para a medicina.

O mundo já está cheio de pessoas que se esqueceram da cordialidade, da gentileza. Se a senhora não pode ajudar, sendo mais compreensiva, mais recatada, mais solidária, tente pelo menos não atrapalhar quem está trabalhando — ou quem não está trabalhando. Tente não ser um fardo; tente ser menos molenga. 

terça-feira, 8 de abril de 2014

DA TRUCULÊNCIA DOS MÉDICOS

Exercer a medicina é algo nobre. Contudo, parte dos médicos não têm se dado conta dessa nobreza, tamanhas a deselegância, a falta de educação e a truculência com que têm lidado com os pacientes. Digo isso baseando-me em experiências próprias e em conversas que tenho mantido com amigos e familiares. De uns tempos para cá, é difícil um dia em que não escuto alguém reclamar de algum médico.

A impressão com que fico é a de que quanto menor a cidade, mais broncos os médicos são (impressão que pode estar incorreta). É que tenho recebido notícias de amigos que têm sido bem tratados em grandes centros, seja em hospitais públicos, seja em particulares, mas pode ser que esses tratamentos gentis sejam exceção e coincidência. Nos lugares a que tenho ido, aqui em Patos de Minas, tenho sido, em regra, mal tratado.

Mas esse tratamento ríspido não é coisa que ocorre apenas em solo patense. Na semana passada, em Uberaba, um ortopedista só faltou me dar coices. Um outro médico que estava no recinto chegou a me olhar, encabulado. Como o clima na sala havia ficado pesado, o torpe ortopedista disse: “Me desculpa pela brincadeira”.

O pedido de desculpas poderia ter convencido se o médico tivesse feito uma brincadeira. Mas não foi brincadeira o que ele fez. Apoiando-me em muletas, eu disse que as estava usando por causa de tombo de moto. O médico disse: “Não precisa dizer isso; isso não é da minha conta. Se você usa muleta ou não, não tenho nada a ver com isso”. É claro que ele tem algo a ver com isso, pois eu estava lá para ser examinado por ele!

Aqui em Patos de Minas, há coisa de uns cinco meses, uma mulher, que me pede para ficar no anonimato, foi vítima da falta de tato de um médico famoso na cidade. Para piorar, o procedimento que ele realizaria estaria incorreto! A paciente tinha um cisto no lado direito do ovário; o médico insistia que era do lado esquerdo, mesmo a paciente dizendo que a dor estava do lado direito.

Desconfiada, pediu opinião de uma amiga dela, que é médica; esta assegurou que o cisto era do lado direito. Um médico assistente, que faria parte da cirurgia, também assegurou que o cisto estava do lado direito. Foi então que, diante da paciente, o médico que faria a cirurgia e o médico assistente discutiram. Chegaram a pedir licença para a paciente e se retiraram.

Voltaram minutos depois, tendo ficado decidido que o cisto estava mesmo do lado direito. Chegado o momento da cirurgia, mais discordâncias, devido a procedimentos a serem adotados. Houve um momento em que o médico assistente chegou a dizer para o cirurgião que este estava ainda na década de 30! 

O cisto foi eliminado, tendo ficado o cirurgião de ver a paciente às 9h30 do outro dia, dizendo que lhe daria alta. Contudo, mesmo tendo estado no hospital durante todo o dia, ele só visitou a paciente às 17h30! Como se nenhum atraso desrespeitoso tivesse ocorrido, o médico disse algumas palavras, liberou a paciente e foi embora. Em tempo: tratava-se de um atendimento particular, sem convênio algum. 

No dia em que caí de moto, fui atendido aqui em Patos de Minas por um médico que foi deselegante não somente comigo, mas também com sua auxiliar. Como meu pé estava ferido e havia sangue, achou-se por bem cortar a meia, em vez de se tirá-la normalmente. A assistente, contudo, não estava conseguindo manejar a tesoura própria para tais casos. 

Como a aprendiz se queixou da tesoura, entrou em cena a “sutileza” do médico: “A tesoura está boa; você é que é muito mole. Não consegue nem cortar uma meia, e quer ser médica”. Eu e a assistente ficamos muito sem jeito, enquanto o médico, seco e mal olhando para mim, preenchia formulários. Acabei eu mesmo tirando a meia.

Nem preciso dizer que não estou generalizando, dizendo que todos os médicos são sem educação. Claro que sei que não é assim. Tanto que uma semana depois de meu tombo, procurei outro profissional, pois meu pé não melhorava. Aí, sim, fui bem atendido. O profissional teve um tom cortês, fez perguntas (o outro nada perguntara) e trocou toda a medicação que me havia sido passada.

O que me leva a escrever este texto é o imenso número de pessoas que têm se queixado de estarem sendo tratadas de modo ríspido por médicos. É estranho. É como se eles se esquecessem de que estão lidando com gente. Procurar um médico é depositar esperança e confiança numa pessoa. Isso é muito sério! 

Não consigo achar uma razão que justifique a rispidez e a falta de tato da classe. Seria o desencanto com a profissão? Mas se for isso, o paciente não tem culpa. Seria o fato de terem sido alunos ruins? Mas isso não impede ninguém de ser gentil. Além do mais, suponho, os estudantes de medicina devem escutar o tempo todo, durante o curso, que um pouco de sensibilidade é bom, também, para a profissão.

Quem convive comigo sabe que sou adepto do pensamento de que a leitura não é solução para nada, mas ajuda a resolver um monte de coisas. Se esses trogloditas que achincalham pacientes se predispusessem a ler um cara como o médico Oliver Sacks, perceberiam, quem sabe, que o exercício da medicina é um trabalho elevado. Mas talvez eu esteja querendo muito: quem não quer saber nem de gente não vai querer saber de livros. 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O MÉDICO QUE RI

Amigo me confidencia que determinado médico, numa festa, comentou — rindo — sobre a doença de um paciente. Alguns médicos não entendem que já precisam, em essência, serem médicos antes de porem o pé numa faculdade. 

Aqui mesmo, em Patos de Minas, recentemente, tivemos exemplo de não médicos, durante evento esportivo realizado na cidade. Aqueles que deveriam zelar pela vida estavam justamente aprontando contra ela, numa balbúrdia imatura e desrespeitosa: antes de serem médicos, nem se preocuparam sequer em se tornarem cidadãos.

Ainda bem que há estudantes e médicos que entendem a essência da beleza que é a medicina. Mas diante do que me disse o amigo, eu me pergunto: o que leva um médico a achar graça da doença de um paciente?... 

Será que seria diferente se ele tivesse lido Oliver Sacks, para que tivesse pelo menos uma noção do que é se importar com um paciente?... Será que ele é assim por ter sido obrigado a abraçar uma profissão que não queria?... Será que nunca lhe passou pela cabeça que amanhã o paciente é ele?... Será que ele acha que está na profissão certa?...

Se bem que é difícil imaginar um indivíduo desses em qualquer profissão. Vá lá, há profissionais que não têm o menor traquejo social, mas daí a achar graça na dor alheia a distância é longa. Senso de humor é uma coisa; falta do menor senso de ética e de humanidade é outra.