sexta-feira, 10 de outubro de 2014

O CAIPIRA E O COSMOPOLITA

Há situações em que uma pessoa se revela. O mesmo vale para um povo: há situações em que ele se revela. Ou, pelo menos, parte dele. Foi assim em 2010; está sendo assim em 2014. Os nordestinos têm sido escarnecidos via internet. Já houve quem sugerisse que se jogasse uma bomba atômica por lá; já houve quem sugerisse que eles, os nordestinos, morressem devido ao Ebola.

Quem publica em rede social um pensamento assim enche-se de entusiasmo quando alguém como FHC diz que os eleitores do PT são, nas palavras dele, “menos informados”: “O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais pobres”. Conclui FHC que o PT se destaca nos, segundo termo usado por ele, “grotões”.

Vinda de Fernando Henrique Cardoso, esse tipo de declaração não surpreende; em 1996, ele dissera que somos caipiras: “Como vivi fora do Brasil, na Europa, no Chile, na Argentina, me dei conta disso: os brasileiros são caipiras”.

Declarações como a dele só confirmam aquela velha ideia de que estudo e inteligência não andam necessariamente juntos: FHC tem estudo. Só que uma parte da população, que se julga bem-informada por acompanhar a Veja, o Estadão, a Folha de S.Paulo, a Globo e o UOL, por exemplo, sente-se mais bonita, mais inteligente e mais civilizada do que os pobres — em especial, depois de um FHC desovar seu rosário neoliberal.

Para esses que se julgam melhores, o resto da população podem ser os nordestinos ou, por extensão, os pobres (não importa onde vivam), que, nessa ótica, seriam sujos, sem informação, despreparados e descartáveis. Livrar-se deles, os pobres, faria bem para o País, que passaria a conviver com uma elite que adora Paris e que adora inserir termos em inglês em suas conversas.

Não basta o conhecimento histórico (suponho que FHC o tenha), não bastam as viagens (penso que FHC conheça o mundo inteiro), não bastam as leituras (presumo que FHC seja um intelectual). Fernando Henrique Cardoso deu provas de que alguém com leituras, viagens e poder pode não entender o que é o cosmopolitismo. Levando-se em conta as declarações dele, suponho ser inimaginável para ele conceber que há caipiras cosmopolitas nos grotões.