quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Corpo histórico

Por ora, sobrevive.
Inteligência precisa de corpo.
Não querem o teu.
Mantém-no.
Esgueira-te,
foge dos que
ostentam cruz,
dos que não
sabem palavra,
dos que dizem
ser inspirados
pela palavra.
Guarda teu corpo.
Tua inteligência
vai driblar o urro
das bestas.
Age com discrição,
planta em silêncio.
Cuida de teu corpo;
ele é história sendo feita. 

Ainda sobre o Rogério Águas

Ir a um show do Roger Waters e esperar que ele não critique o neofascismo é o mesmo que ir a um show do Slipknot e esperar que cantem canções de ninar. Parte dos “fãs” do Pink Floyd provaram que só sabem o basiquinho sobre a banda.

Ainda na primeira metade da década de 70, quando meu pai colocava os discos do Pink Floyd para tocar aqui em casa, não tínhamos entendimento das letras; nem eu nem meu pai sabíamos inglês. Se, por um lado, pode-se argumentar que a letra não seja a coisa mais importante numa canção, por outro, a letra pode conter uma visão de mundo, uma mensagem política, humanitária.

Na minha infância, Patos de Minas era uma cidade menor ainda do que é. O acesso à informação era restrito. Minha família não conhecia nenhum gringo que pudesse esclarecer para mim ou para meu pai o significado das letras, o sentido da obra do Pink Floyd, a ideologia, as críticas politizadas. Só mais tarde, quando adolescente, é que comecei a ter uma visão mais ampla do que era a banda.

Hoje em dia não há pretexto para não se conhecer do modo apropriado o trabalho de um artista. “Fãs” que se irritaram com o Roger Waters por causa do show ontem em São Paulo provaram que nunca se deram nem o trabalho de irem ao Google para conferir algumas traduções de algumas pérolas da banda.

Eu não iria hoje, por exemplo, nem a um show do Ultraje a Rigor nem a um do Lobão, a despeito de considerar o Roger Moreira e o Lobão talentosos artistas. De quebra, gosto demais do modo como o Lobão canta. Só que ir a um show deles hoje é escutar o tipo de discurso que o Roger Waters criticou ontem em São Paulo.

Quem está criticando o ex-integrante do Pink Floyd prova que não entendeu a proposta da banda, por mais que se declarasse fã. São como pessoas que leram literatura mas encararam o texto como mero trabalho intelectual, sem entender que a literatura sou eu, é você, é seu vizinho, somos nós. O trabalho do Pink Floyd é mais do que som ambiente para viagens psicodélicas. Só ontem alguns brasileiros se deram conta disso. Eles ouviam Pink Floyd, mas nunca haviam escutado. 

Roger Waters critica neofascismo em show de São Paulo

Roger Waters, no show que está realizando agora em São Paulo, criticou o neofascismo em ascensão, ao mesmo tempo conclamando para que mantenhamos resistência contra essa onda. Dentre os lugares mencionados pelo cantor e compositor inglês, ex-integrante do Pink Floyd, estão EUA, Hungria, France, Áustria, Reino Unido, Rússia e Brasil.

Esse engajamento, vindo de Waters, não surpreende, pois quem acompanha a trajetória do Pink Floyd sabe que o cantor sempre se envolveu com política, seja como cidadão, seja como artista. É, por exemplo, crítico mordaz de Israel quanto à política do país em relação à Palestina; com frequência, os horrores da guerra são temáticas em canções do Pink Floyd.

É um alento um cara como ele se posicionar contra aqueles que querem coibir liberdades e banir direitos. Cresci ouvindo a banda, lembro-me de pedir a meu pai que colocasse num velho toca-discos o clássico The Dark Side of the Moon, que ainda escuto com frequência. No álbum The Wall, há o verso “don’t tell me there's no hope at all”. Assim seja.