domingo, 9 de outubro de 2016

“O amor, as mulheres e a vida”

O que eu conhecia do escritor uruguaio Mario Benedetti (1920-2009) era um poema ou outro. Há pouco, terminei de ler “O amor, as mulheres e a vida”, coletânea publicada pela Verus editora (braço editorial da Record), e traduzida por Julio Luis Gehlen. Como o título já antecipa, o amor é a temática dos poemas selecionados pelo próprio autor.

Benedetti abraça as conquistas do Modernismo em poemas curtos, de lirismo bem-humorado. Não raro, há espaço para questionamentos sociais: no poema “Acorda amor”, lê-se “os fundamentalistas degolam estrangeiros / prega o papa contra a camisinha / havelange estrangula maradona / (...) acorda amor / que o horror amanhece”.

Do que surge da coletânea, é o amor como possibilidade enriquecedora em meio a um mundo doido, e o humor como tempero do sentimento amoroso. No poema “Vice-versa”, o poeta escreve (com versos em minúsculas):

tenho urgência de te ouvir 
alegria de te ouvir
boa estrela de te ouvir
e temores de te ouvir

ou seja
resumindo
estou ferrado
e radiante
talvez mais o primeiro
que o segundo
e também
vice-versa

Benedetti, no prólogo da coletânea, escreve que “o amor é um apogeu nas relações humanas”. O autor nos dá um belo testemunho do que é o amor na contemporaneidade. O velho amor, mudado em costumes, renovado na linguagem, mas amor. Os poemas de “O amor, as mulheres e vida” são um convite não só ao amor, mas à obra do escritor como um todo. Convite aceito. 

Amor único

É único, 
o meu amor.
Não só por
não haver outra.
É único porque
não há em outra
o que há em ti.
Outra não tem
tua pele,
teu sorriso,
tua voz,
teu beijo.
Tu és única.
Logo, meu amor
é único.

Amo-te como és.
Não há outra como és.
O que há em ti é só teu.
Por isso,
meu amor 
é único.
É único porque,
amando algo único,
não há como
não ser único,
o amor. 

Fotopoema 398

Pablo Villaça — o Poeta

O Pablo Villaça é genial crítico de cinema. Sou fã. Mas ele é também poeta (ainda que não escreva versos); ao discorrer sobre o filme “A chegada”, evidencia que a análise não impede o lirismo. No texto, Villaça criou algo que eu gostaria de ter escrito: “Há amores tão imensos que insistimos em vivê-los mesmo sabendo que a experiência resultará inevitavelmente em dor. Não há razão que explique nossa decisão de abraçá-los e o fascinante é que, mesmo que houvesse, não a ouviríamos. São amores tão fortes que parecem existir fora do tempo: não nos lembramos de como éramos antes deles e nem conseguimos nos imaginar como seríamos (ou seremos) depois”.