domingo, 17 de janeiro de 2010

BELEZA DEMAIS

Deveriam proibir beleza demais. É. É isso mesmo. É que não sei o que fazer quando há beleza demais. Tenho vontade de uivar, mesmo quando não é Lua cheia. Quando é, quase uivo; basta que haja beleza demais. Se não uivo, é por falta de coragem.

Não é preciso viajar para que a beleza demais seja vista. Não é preciso ser rico, não é preciso ser pobre, não é preciso ficar plantado num só lugar, não é preciso cultura. Não precisa ser gênio – mas não se deve ser tolo.

A beleza demais está longe, bem longe, mas também está aqui, bem aqui. Se você esticar o braço, vai desalcançá-la. A beleza demais está num ser humano, num marsupial, naquele breve instante que você dançou e naquele réptil que vi mais cedo.

Mas, reparo, beleza demais dói. Sou fraco. Quanta beleza você é capaz de suportar? Beleza demais aperta o coração, ao mesmo tempo em que o agiganta. Beleza demais corta, fere; ao mesmo tempo, edifica, engrandece.

A beleza demais está além do homem, embora, reparo, possa ser por ele produzida. Então a beleza demais pode ser coisa do homem, pode estar fora do homem e dentro dele. Esta é a questão: a beleza demais está em todo lugar.

Ah, este meu coração fraco que parece não estar sendo capaz de suportar tanta beleza. Nem sei mais o que fazer. Devo ir para a África? Mudar-me para Goiás? Conhecer o Japão? Curtir mais meu quarto? Escutar mais música? Ler mais? Mas isso vai é causar mais beleza...

Bah. Bobagem. Bobagem querer que proíbam beleza demais. É que a beleza demais existe apesar de mim, apesar de você e apesar daquele sem educação que ofendeu a irmã de seu amigo na fila do banco.

É que agora, somente agora, enquanto escrevo este texto, é que me dei conta de que beleza demais é para os fortes de coração, e que meu coração é fraco para essa quantidade esmagadora de beleza que existe no micro e no macro.

A beleza demais não sabe que existo. Eu é que, numa esquina escura e desabitada fui informado de que a beleza demais está à espreita e aberta para os fortes de coração. Eu é que soube num momento fatal que existe neste mundo beleza demais.

Sim, existe neste mundo beleza demais. Da eloquente feiúra, não falarei por enquanto. O que me contagia agora é a beleza demais. Há beleza demais neste mundo. Prometem-me beleza demais em mundos alheios, em mundos outros, em mundos além.

Não conheço nenhuma dessas belezas. Se conheci, delas já me esqueci. A beleza do beijo do namorado no rosto da namorada enquanto ele fazia café, a beleza daquele solo de guitarra, a beleza daquela alma-de-gato em sua discreta existência...

Do que me lembro, é da beleza do aqui, do agora. Há beleza demais alhures, em outro nível? Casa haja, estarei pronto para ela? Mas não estou nem pronto para a beleza daqui... A beleza que eu sinto é limitada; é a beleza que tenho sido capaz de sentir.

Não, não proíbam beleza demais. Problema meu se não sei o que fazer dela. Ou aprendo ou me consumo, por ter sido incapaz de suportá-la. Existe gente forte no mundo. Gente que engendra beleza demais, que é capaz de sentir beleza demais. Se não sou, melhor uivar.