domingo, 7 de janeiro de 2018

Vida

Não raro, tem-se uma visão ingênua da vida, o que leva a ignorar que, para existir, ela precisa eliminar outras vidas. Com esse objetivo, fará o que for preciso. Uma horda de abutres que fica aguardando a morte de uma vaca pode ser adjetivada como cruel ou sádica, mas os abutres estão em busca da vida, assim como esteve a vaca. Eles fazem o que fazem não por sadismo nem por maldade.

Nós, humanos, adjetivamos a natureza, assim atribuindo a ela características que são nossas. Um filhote de cachorro é chamado de dócil, uma leoa que estraçalhe uma zebra pode ser chamada de cruel. Mas nem o filhote de cachorro pensa em termos de docilidade nem a leoa concebe o mundo em termos de crueldade — ela quer sobrevier.

Com frequência, nossa presunção nos leva a ignorar não somente a força da natureza, mas também nos faz esquecer de que somos parte dela; logo, estamos sujeitos às leis da sobrevivência, estamos lutando pela vida. Nesse jogo, atacamos e somos atacados, somos caçadores e caças, predadores e presas.

Do micro ao macro, a vida quer acontecer. Uma onça que esteja perseguindo alguém não levará em conta se essa pessoa paga os impostos em dia, se é um bom pai ou se é religiosa. Um micro-organismo que esteja no corpo de um indivíduo pode levá-lo à morte, não importa se esse indivíduo é um gênio ou um tolo. A natureza não se preocupa conosco. Se a sobrevivência dela implicar nossa morte, ela não vai deixar de tentar sobreviver.

Premissas como essas estão em Vida [Life], do diretor Daniel Espinosa. O roteiro é de Rhett Reese e de Paul Wernick. Astronautas na estação espacial internacional levam a bordo um micro-organismo que logo revela uma capacidade de sobrevivência e de adaptação que, aos nossos olhos, pode se mostrar aterradora.

Além da questão de que a existência da natureza não está ligada à ética humana, o filme lida também com a temática do perigo que a manipulação da vida pode gerar. Se “Vida” não inova nas temáticas que aborda (o que em si não é um problema), ele não deixa, a despeito de não ser um grande filme, de ser um lembrete: nossa arrogância pouco pode quando a vida quer acontecer.