quarta-feira, 26 de julho de 2017

Releituras

A releitura é o desejo de que o livro tivesse continuado. Ela ensina que certos livros não terminam, que sempre podemos ser inéditos para nós mesmos. 

“Caderno de Poesias”

Certas leituras fazem com que eu faça sentido, com que eu faça sentindo. Foi assim com a leitura de “Caderno de Poesias”, coletânea de textos escolhidos pela cantora Maria Bethânia. Além do livro, há um DVD, em que os textos selecionados por Bethânia são ora declamados ora cantados por ela. Livro e DVD, que não são vendidos separadamente, foram lançados em 2015 pela editora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Tudo é bonito no trabalho. O livro tem diagramação sóbria e artística. Além dos textos, há reproduções de trabalhos realizados por artistas plásticos brasileiros; pinturas, gravuras ou desenhos dialogam com os textos escolhidos por Bethânia. Não bastasse esse diálogo intertextual entre diferentes linguagens, há ainda um diálogo de textos escritos com outros textos escritos, pois a cantora une diferentes autores num só registro declamado.

Não somente a estética do livro é apurada. O DVD, gravado em Diamantina/MG, tem, além da beleza do canto de Bethânia, a imensa habilidade dela na arte da declamação. Dizendo de outro modo, Bethânia é também atriz. Há uma comovente beleza tanto no livro quanto no DVD, uma sofisticação que nada tem de afetada. No registro em DVD, Bethânia foi acompanhada por um percussionista e por um violonista.

Um bom livro sempre nos torna belos e lúcidos. Hoje, apreciei o livro e o DVD. Estou lucidamente belo. Ou belamente lúcido. Não bastasse a confluência de artes que há em “Caderno de Poesias”, o trabalho é uma aula de história, a história do Brasil ou a de traços do caráter do brasileiro, a partir do olhar artístico, seja de letristas, de escritores, de artistas plásticos. O que emerge do caderno de poesia que Bethânia nos oferta é um Brasil talentoso, rico, multifacetado, eclético.

Todavia, não há ingenuidades. A exaltação do país em “Caderno de Poesias” não diz respeito a pseudoufanismos, a patriotadas. Os problemas sociais do Brasil convivem, no livro e no DVD, tanto em textos quanto em trabalhos plásticos, com o amor, a saudade, a reflexão sobre o que somos, a política, a exaltação da natureza e a preocupação ecológica. O que surge é uma parte do que somos, de nosso caráter, de nossa arte.

Para Bethânia, não há hierarquia de gêneros nem separação entre o erudito e o popular. Na força de sua declamação, há Patativa do Assaré e Fernando Pessoa, Fausto Fawcett e Guimarães Rosa. O talento de Bethânia faz com que o poder do texto, não importa se sua matriz tenha sido um livro ou um disco, venha à tona, numa interpretação contida, mas comovente e poderosa.

“Caderno de Poesia” é alento, alívio, tributo ao que o espírito humano pode criar. Um show de brasilidade, de confluências artísticas, de espírito gregário. É incrível o quanto o trabalho é, ao mesmo tempo, visceralmente brasileiro e cosmopolita.