quarta-feira, 18 de abril de 2018

Azul e amarelo

Durante catorze anos disseram que azul é amarelo.

Tomé levou um dia para acreditar que azul é amarelo.
Jeane levou dois dias para acreditar que azul é amarelo.
Tatiane levou três anos para acreditar que azul é amarelo.
Gustavo levou quatro anos para acreditar que azul é amarelo.
Pedro levou treze anos e meio para acreditar que azul é amarelo.

Ana Vitória nasceu.
Abriu os olhos.
Viu que isso era bom.
A primeira coisa que disseram para ela foi que azul é amarelo. 

Dai aos patos o que é dos patos

Quando lancei meu quarto livro, fui ao Rio de Janeiro participar do programa Conversa com o Autor, apresentado por Katy Navarro. Na ocasião, ela me perguntou se havia mineiridade no que escrevo. Eu disse que não há. Pelo menos não há a confirmação do mito da mineiridade, um mito que povoa o imaginário precisamente pela força que os mitos têm. Se há algo de mineiro no que escrevo, isso se deve apenas ao fato de eu ter nascido em Minas Gerais. Não há nada demais nisso; eu ter nascido aqui é apenas algo circunstancial. Eu não valeria nem mais nem menos se tivesse nascido lá no Acre ou lá em Tegucigalpa.

No que já publiquei em livros, Patos de Minas está presente, de modo explícito, duas vezes. No Algo de Sempre, escrevi:

Patos de Minas.
Cidade incrível. 
Aqui acontecem coisas 
que só acontecem 
em todo lugar.

No Dislexias, escrevi:

Nasci em Patos de Minas.
Contra patos não há argumentos.

Menciono a mim mesmo não por empáfia infantiloide, mas para ilustrar que não embarco nisso de mineiridade. Com isso, não nego que Minas Gerais tenha suas peculiaridades, mas, ora, todo lugar tem suas peculiaridades. Ao mesmo tempo, Minas pode ser universal, assim como pode ser universal qualquer lugar.

Qualquer região é peculiar e universal. Isso vale para coisas ruins. É frequente atribuírem a Patos de Minas um conservadorismo que existiria somente aqui. Mas há gente conservadora no mundo inteiro. De modo análogo, isso vale para o bairrismo, a vaidade, o desejo de a cidade ser maior do que é, a ilusão de que aqui é mais especial do que ali ou do que lá ou acolá. Isso não são exclusividades patenses.

Li no Patos Hoje que alguns têm criticado, seja por hipocrisia, seja por conservadorismo, um quadro de Gisele Tavares (não a conheço). É óbvio que tanto a hipocrisia quanto o conservadorismo metido a moralista são lamentáveis. Com o que não concordo, é com os que têm dito que somente numa cidade como Patos de Minas poderia haver tamanha hipocrisia ou tamanho conservadorismo.

Na hora de dizer que a amálgama entre representação do triângulo (invertido) da bandeira de Minas Gerais e dos pelos vermelhos de uma mulher é algo libertino, acionam sua verborragia, eriçam seus pruridos “virtuosos”. O “cidadão de ‘bem’” é assim em sua hipocrisia ou em seu conservadorismo seletivo. Só que a caretice, a hipocrisia e o conservadorismo não são atributos só de cidades pequenas. Tentativa de banimento de performances em museus já ocorreram em grandes centros, obras artísticas já foram proibidas de ficarem em lugares públicos em capitais.

Há sempre representantes dos bons costumes berrando contra o que consideram delitos. O que praticam nunca é delitoso. Escreveu Oscar Wilde: “Pornográfico é o sexo dos outros”. Patos de Minas merece críticas pelo conservadorismo, pela empáfia, pela vaidade, pela caretice, pela falta de cultura, pelos políticos que tem e teve. Mesmo assim, dizer que essas coisas são piores aqui é ser injusto com a terra dos patos selvagens. 

Portas

Abre a porta.
Abre a outra porta.
Abre todas as portas.
Se quiseres,
brincamos o jogo em que
entro pela janela.

Tua casa é meu lar,
meu bar.
Entro sedento,
saio embevecido.
Eu me vou embora.
Sei que voltarei.
Tua casa é por onde entro
para querer não mais sair.